Aspectos clínicos da hepatopatia
Pacientes hepatopatas, especialmente cirróticos, têm 2-10x mais chance de morte perioperatória comparados a pacientes hígidos submetidos ao mesmo procedimento. As alterações clínicas incluem desde alterações laboratoriais isoladas até falência hepática, pois o fígado tem grande reserva funcional, e sua patologia está associada a muitos processos distintos.
Cirrose
Fibrose hepática nodular, de causas diversas.
Compensada | Descompensada | |||
Estágio 1 | Estágio 2 | Estágio 3 | Estágio 4 | |
Clínica | Sem varizes esofágicas ou ascite | Varizes esofágicas sem ascite | Varizes esofágicas com ascite leve | Sangramento de varizes esofágicas |
Mortalidade em 1 ano | 1% | 3% | 20% | 57% |
Mesmo o paciente cirrótico compensado já apresenta alterações que são importantes na condução pré-operatória, podendo apresentar complicações como:
- Anatômicas (hipertensão porta):
- Varizes esofágicas;
- Ascite;
- Circulação colateral retroperitoneal;
- Hiperesplenismo (plaquetopenia);
- Fisiológicas:
- Síntese:
- Hipoalbuminemia;
- Coagulopatia;
- Sarcopenia;
- Hipoglicemia;
- Metabolismo: encefalopatia;
- Excreção: hiperbilirrubinemia;
- Alteração da microbiota e da permeabilidade intestinais.
- Síntese:
Preparo pré-operatório
Variáveis relacionadas à doença, ao procedimento, e ao paciente estão associados à morbimortalidade cirúrgica em pacientes hepatopatas.
Escores
Child-Turcotte-Pugh (CTP)
O paciente é pontuado nos seguintes critérios:
1 pt | Graus 1 e 2 | Graus 3 e 4 | |
Ascite | Ausente | 2-3 mg/dL | > 3 mg/dL |
Albumina | > 3,5 g/dL | 4-6 s | > 6 s |
Conforme a pontuação, os pacientes recebem 3 classes:
- 5-6 pontos;
- 7-9 pontos;
- > 9 pontos.
Deve-se sempre tentar reduzir o CTP do paciente antes da cirurgia (coagulopatias, ascite, prevenção de encefalopatia), sendo que operações eletivas não estão indicadas a pacientes CTP classe C ou a pacientes com hepatopatias agudas.
Model for End Stage Liver Disease (MELD)
Realiza cálculos empregando bilirrubina, creatinina, e o RNI. Há algumas variações, que podem empregar sódio (MELD-Na) ou algumas variáveis pediátricas (PELD).
Indica a sobrevida em 3 meses de hepatopatas, sendo, por isso, empregada para estruturação da fila de transplantes hepáticos. É arriscado operar em pacientes com MELD acima de 10.
Indicação cirúrgica
Após balancear os riscos e benefícios do procedimento, deve-se documentar no TCLE os fatores considerados para a decisão. Mesmo caso haja indicação cirúrgica clara para o paciente, sempre deve-se modificar o risco por meio da sua compensação clínica (dentro do possível) e da modificação do vulto operatório.
Abordagem pré-operatória
- Hipertensão porta:
- Administração de beta-bloqueadores não seletivos;
- Controle de ascite (diuréticos, paracentese);
- Correção de varizes esofágicas 2 semanas antes da operação;
- Insuficiência hepática:
- Suporte nutricional intensivo;
- Hidratação de pacientes ictéricos com alteração da função renal;
- Correção de coagulopatia clinicamente manifesta (reserva de hemoderivados), sem reposição rotineira pré-operatória;
- Tratamento da encefalopatia;
- Alcoolismo:
- Suspensão do uso de álcool, com profilaxia da síndrome de abstinência alcoólica (benzodiazepínicos, reposição de tiamina);
- Acompanhamento psicológico.
Monitorização intraoperatória
- Monitorização contínua de PA por punção e cateterismo de artéria periférica;
- Eletrocardiografia;
- Oximetria contínua;
- Punção venosa central (acesso e monitorização da pressão venosa central);
- Cateterismo vesical de demora;
- Capnografia;
- Medida da glicemia de hora em hora.
Manejo no pós-operatório
Está indicada a internação de pacientes hepatopatas em CTI no pós-operatório. Complicações incluem:
- Dor;
- Encefalopatia hepática;
- Edema de MMII;
- Ascite;
- Peritonite espontânea;
- Coagulopatia com sangramento;
- Insuficiência hepática (necessário transplante emergencial).
Referência(s)
Aula do professor Cristiano Xavier Lima.