Anamnese
História da moléstia atual
Os sinais e sintomas devem ser caracterizados quanto à cronologia de seu estabelecimento, forma de instalação (abrupta ou insidiosa), curso, natureza (focal [atribuível a uma parte ou estrutura específica do sistema nervoso] ou difusa), e acometimento funcional.
Revisão de sistemas
Todos os sistemas devem ser amplamente investigados em suspeitas de distúrbios neurológicos, enfatizando:
- Hábitos de sono (horas por noite, ambiente);
- Rendimento escolar;
- Interação com colegas de mesma idade;
- Alterações bruscas de comportamento.
História patológica pregressa
- A idade materna deve ser avaliada: gravidez na adolescência está associada a partos prematuros, infecções congênitas, doença hipertensiva específica da gravidez, e meningite. Já gravidez após os 35 anos associa-se a doenças genéticas, especialmente cromossomopatias.
- Deve-se investigar se a mãe teve seu status sorológico para rubéola, toxoplasmose, HIV, sífilis, e citomegalovírus avaliado durante o pré-natal.
- Tabagismo, etilismo, e uso de outras drogas durante a gestação podem comprometer o desenvolvimento neurológico.
- É necessário questionar sobre complicações obstétricas na gravidez ou no parto. No parto em si, deve-se avaliar o tipo de parto, o Apgar, a idade gestacional, e as medidas antropométricas ao nascimento.
- Na avaliação de doenças prévias, ênfase deve ser dado a encefalites, meningites, doença reumática com coreia, e crises epilépticas.
História familiar
Deve-se verificar consanguinidade entre os pais, histórico de perdas gestacionais e outras intercorrências em gravidezes prévias da mãe, e doenças familiares como enxaqueca, epilepsia, transtornos psiquiátricos, e doenças neurodegenerativas.
Exame físico
Avaliação do desenvolvimento
No exame físico de rotina e no exame da criança com suspeita de problema neurológico, o desenvolvimento deve ser avaliado pela escala de Denver. A avaliação evolutiva do desenvolvimento pode ajudar a diagnosticar ou descartar transtornos neurológicos.
Exame físico geral
Antropometria
Peso, estatura/comprimento e, em crianças até 2 anos, perímetro cefálico são relevantes para o exame neurológico, especialmente quando considerada a evolução sequencial. Macro ou microcefalias congênitas podem ser sinais de doença neurológica subjacente, exceto no caso da craniossinostose, em que há fechamento precoce das suturas (antes dos 6 meses).
Sinais meníngeos
Indicam irritação meníngea os seguintes sinais:
- Rigidez na nucal: incapacidade de movimentação da nuca;
- Cefaleia com fotofobia;
- Sinal de Kernig: resistência ou dor em membro inferior quando o joelho é estendido após flexão do quadril em decúbito dorsal;
- Sinal de Brudzinski: flexão do joelho ou quadril em resposta ao movimento forçado do pescoço.
Estado mental
Nível de consciência
- Caracterização básica:
- Alerta: paciente consciente, interage de maneira adequada com o examinador e com o ambiente;
- Letargia: paciente tende a adormecer na ausência de estímulos (quais?);
- Torpor: paciente só permanece acordado mediante estímulo físico contínuo (qual?);
- Coma: paciente não responde.
- Pode-se caracterizar o nível de consciência também com a escala de Glasgow.
- No paciente alerta, deve-se determinar se existe inquietude, agitação, baixo limiar de atenção, ou alucinação.
Estado mental
- Orientação no tempo e no espaço: deve ser averiguada perguntando onde o paciente está (local, cidade, estado, país) e o dia da semana, a data, e a hora do dia (manhã, tarde, noite), levando em conta o nível educacional e a idade da criança.
- Testes de memória: solicitar que a criança repita palavras sem conexão e, em seguida, distraí-la. A seguir, pedir que repita novamente o que foi dito. Perguntar, também, fatos de natureza pessoal ou histórica (data de nascimento, endereço, nome dos pais).
- Testes de linguagem: capacidade de compreensão, repetição, e expressão. Avaliada pedindo que o paciente atenda a comandos simples, repita frases e, se alfabetizado, leia alguma frase e escreva-a em seguida.
- Atenção: pedir ao paciente que conte de dois em dois, de cinco em cinco, ou de sete em sete, de trás para frente, conforme seu grau de escolaridade.
- Funções cognitivas superiores: solicitar ao paciente que responda a perguntas com progressivos graus de dificuldade, conhecendo seu nível de escolaridade. Pede-se também que realize cálculos e que conte uma pequena história com alguns dados fornecidos pelo examinador.
Nervos cranianos
Nervos | Funções | Avaliação |
I – Olfatório | Olfato | Utilizar substâncias não voláteis e irritantes |
II – Óptico | Acuidade visual e campos visuais | • Usar a tabela de Snellen • Fundoscopia |
III – Oculomotor | • Motora: elevação das pálpebras, movimentos extraoculares • Parassimpática: constrição da pupila, alteração na forma do cristalino | • Avaliar presença de ptose • Observar movimentação do globo ocular • Avaliar diâmetro das pupilas • Incidir feixe luminoso e observar resposta das pupilas |
IV – Troclear | Movimento dos olhos para baixo e para dentro | Observar movimentação do globo ocular |
V – Trigêmeo | • Motora: movimento de abrir e fechar a mandíbula • Sensitiva: sensibilidade da córnea, íris, glândulas lacrimais, conjuntiva, pálpebras, testa, nariz, mucosas nasal e bucal, dentes, língua, orelha, e superfície cutânea da face, reflexo corneano | • Avaliar mastigação • Avaliar sensibilidade no território dos três ramos do trigêmeo • Estimular a córnea com algodão e observar o piscamento |
VI – Abducente | Movimento lateral dos olhos | Observar movimentação do globo ocular. |
VII – Facial | • Motora: movimento dos músculos da expressão facial (exceto mandíbula), fechamento dos olhos, sons vocálicos labiais • Sensitiva: gustação dos dois terços anteriores da língua, sensibilidade da faringe | • Avaliar a mímica facial • Fechar os olhos com força • Assobiar |
VIII – Vestíbulo coclear | Acuidade auditiva e equilíbrio | • Observar resposta aos sons • Avaliar reflexo cocleopalpebral • Avaliar presença de nistagmo |
IX – Glossofaríngeo | • Motora: movimento dos músculos voluntários da deglutição e fonação • Sensitiva: sensibilidade da faringe, reflexo de engasgo ou náusea, gustação no terço posterior da língua | • Avaliar a movimentação do palato • Estimular a úvula com uma espátula • Avaliar deglutição • Avaliar padrão respiratório e voz |
X – Vago | • Motora: movimento dos músculos voluntários da deglutição e fonação • Sensitiva: sensibilidade atrás da orelha e em parte do canal auditivo externo • Parassimpática: secreção das enzimas digestórias, peristaltismo, reflexo carotídeo, ação involuntária do coração, pulmões, e sistema digestório | Idem glossofaríngeo |
XI – Acessório | Rotação da cabeça, levantar os ombros, fonação | • Elevar ombros • Fazer rotação lateral da cabeça |
XII – Hipoglosso | Movimentação da língua para a articulação dos sons vocálicos, deglutição | Movimentar a língua |
Exame motor
Motricidade voluntária
- Exame feito pela observação da criança e solicitação de que execute movimentos com os diversos segmentos corporais. Essa parte do exame pode ser feita em conjunto com a avaliação da compreensão da linguagem falada.
- A dificuldade para realização de movimentos voluntários é denominada paresia, e sua completa impossibilidade é denominada paralisia ou plegia. Assim, as alterações podem ser:
- Monoparesia/Monoplegia (um membro);
- Hemiparesia/Hemiplegia (um hemicorpo);
- Tetraparesia/Tetraplegia;
- Paraparesia/Paraplegia;
- Diparapesia/Diplegia (estruturas simétricas).
- É importante diferenciar paralisia de pseudoparalisia, ocorrida em virtude de dor.
Força muscular
É avaliada desfazendo-se uma postura contra resistência do paciente ou impedindo que ele execute algum movimento, sempre comparando grupos musculares aos seus homônimos contralaterais. Obtém-se a classificação:
- Ausência de contração muscular;
- Esboço de contração, sem movimento articular;
- Movimento parcialmente executado, sem vencer a gravidade;
- Movimento executado, vencendo a gravidade em ausência de resistência oposta pelo examinador.
- Movimento vence a gravidade e a resistência oposta pelo examinador;
- Força muscular normal.
Tônus muscular
Doenças neurológicas podem cursar com tônus muscular aumentado (espasticidade [piramidal], caso a alteração seja seletiva, e rigidez [extrapiramidal], caso contrário) ou diminuído (hipotonia). Por isso, o tônus deve ser avaliado, com a movimentação passiva de articulações (verificando o grau de alongamento atingido) e balanço de segmentos distais dos membros (verificando a amplitude dos movimentos).
Coordenação motora
- Indicativa da função cerebelar.
- Pode ser examinada pela observação (lactentes e pacientes não cooperativos) ou solicitando ao paciente que toque a ponta de um objeto ou do nariz com a ponta do indicador.
- Incoordenação motora é chamada de ataxia.
Equilíbrio dinâmico
Observar a marcha da criança:
- Em linha reta (marcha usual);
- Nas pontas dos pés;
- Nos calcanhares;
- Encostando o calcanhar de um pé na ponta do outro;
- Pulando em duas pernas e em uma só perna;
- Correndo;
- Andando com os olhos fechados.
Denomina-se abasia a incapacidade de andar e astasia a incapacidade de ficar de pé.
Equilíbrio estático
Sinal de Romberg: o paciente deve ficar ereto, parado, com os pés juntos, de olhos abertos e, depois, de olhos fechados. Considera-se positiva a prova quando o paciente oscila ou cai.
Movimentos anormais
Crises epiléticas, mioclonias, tremores, coreia, atetose, distonia, balismo, e tiques devem ser inspecionados. Também devem ser verificadas atipicidades na marcha.
Exame sensorial
- O exame depende das informações do paciente, o que diminui sua confiabilidade. Portanto, só é feito detalhadamente caso haja suspeita de alteração.
- Rotineiramente, pesquisam-se as sensibilidades:
- Exteroceptiva (tátil, dolorosa, térmica);
- Proprioceptiva (posicional, vibratória);
- Cortical (grafestesia, esterognosia, discriminação de dois pontos).
- Em condições especiais, examinam-se as sensibilidades:
- Barestésica;
- À dor profunda;
- Visceral.
Reflexos
Na pesquisa por reflexos, deve-se valorizar, sobretudo, a simetria entre as hemipartes do corpo, em vez da comparação entre partes diferentes. Caso estejam aumentados, também deve-se pesquisar clônus (contrações involuntárias, produzidas por extensão passiva brusca dos tendões). São quantificados do seguinte modo:
- Reflexo ausente;
- Reflexo hipoativo;
- Reflexo normal;
- Reflexo hiperativo sem clônus;
- Reflexo hiperativo com clônus.
Superficiais
Estão diminuídos em lesões piramidais e dos nervos periféricos. Alguns dos principais deles são:
- Corneopalpebral: contração imediata do músculo orbicular das pálpebras após estímulos táteis na córnea;
- Nauseoso: a estimulação da mucosa da faringe posterior provoca náusea;
- Cutaneoabdominais: estímulo da pele do abdome provoca retração da cicatriz umbilical para o lado da região estimulada;
- Cremastérico: fricção da face superointerna da coxa provoca a elevação do testículo ipsilateral;
- Anal: estímulo da região perianal provoca contração do esfíncter anal externo;
- Cutaneoplantar: estímulo da região plantar passando pelo calcanhar, borda externa do pé, e base do primeiro pododáctilo causa flexão desse dedo (até 2 anos, pode se dar em extensão, e, depois, se dá em flexão).
Profundos
Quando aumentados, esses reflexos sugerem lesões piramidais e, quando diminuídos, sugerem polineuropatias, miopatias em fase final, e secções medulares completas em fase inicial. Os principais reflexos profundos são:
- Por estiramento do orbicular das pálpebras: após solicitar ao paciente que olhe para o lado oposto, o examinador belisca uma dobra externa ao ângulo lateral da rima palpebral e, em seguida, percute o seu polegar com o martelo, produzindo piscar de olhos;
- Masseteriano: percussão do mento com o paciente de boca entreaberta causa elevação da mandíbula;
- Bicipital: percussão do polegar do examinador sobre o tendão do bíceps do paciente provoca flexão do antebraço sobre o braço;
- Tricipital: com o braço semifletido, a percussão do tendão do tríceps causa extensão do antebraço;
- Estilorradial: percussão da apófise estiloide do rádio provoca flexão do antebraço em semiflexão e semissupinação;
- Pronador da ulna: percussão da apófise estiloide da ulna provoca pronação do antebraço;
- Patelar: “percussão do tendão rotuliano provoca extensão da perna” (Dutra, 2010);
- Aquileu: “percussão do tendão calcâneo provoca flexão plantar do pé” (Dutra, 2010).
Transitórios
São reflexos presentes apenas em recém-nascidos e lactentes:
- De Chvostek: percussão sobre o trajeto do nervo facial com o dedo indicador causa contração muscular ipsolateral;
- Glabelar: percussão da glabela provoca piscar de olhos
- De sucção: a estimulação da mucosa labial provoca atitude de sucção;
- Labial: ao tocar os lábios do recém-nascido com os dedos, ele os projeta para frente;
- Oral de procura: colocando o dorso da mão sobre as faces do recém-nascido, ele gira a cabeça para o lado estimulado, abrindo e movendo os lábios;
- De deglutição: observar a capacidade do bebê de deglutir ao ser amamentado;
- De preensão: aplicação do dedo indicador sobre a região palmar do recém-nascido, com leve pressão, faz com que ele cerre os dedos sobre o do examinador;
- De Galant/Da coluna vertebral: fricção de cima para baixo ao longo da pele do dorso, paralelamente à coluna vertebral causa contração da musculatura do dorso no lado excitado;
- Do paraquedista: ao levantar o bebê em posição prona, ele estende braços e pernas;
- Da parede abdominal: fricção transversal da pele do abdome em diversas alturas causa contração dos músculos do abdome na área excitada;
- De Moro: levantando o recém-nascido e deixando-o cair rapidamente para trás, ocorre extensão dos braços e abdução no nível dos ombros, seguida por flexão e adução;
- De fuga: fricção das regiões plantares causa retração da perna;
- Clônus do pé: pressão da face plantar anterior do pé causa flexão dorsal, com discreto clônus;
- Da preensão plantar: pressão bilateral sobre a planta dos pés causa flexão plantar dos pododáctilos.
Referência(s)
- Aula das professoras Débora Marques de Miranda e Cláudia Machado Siqueira;
- DUTRA, Adauto. Semiologia Pediátrica. 2. ed. Rio de Janeiro: Rubio, 2010;
- MARTINS, Maria Aparecida et al, Semiologia da criança e do adolescente, Rio de Janeiro: MedBook, 2010.