Resumo de medicina legal: Cronotanatognose ou estimativa do intervalo post mortem

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⚠️Atenção: esse resumo possui imagens de cadáveres e/ou lesões, que podem causar desconforto


Cronotanatognose é a estimativa do tempo transcorrido desde a morte por meio dos fenômenos cadavéricos (também chamados de fenômenos abióticos, a vitais, ou vitais negativos, ou seja, indicam ausência de vida).

Tais fenômenos têm grande variação interindividual, interambiental, e observador-dependente. Alguns oferecem probabilidade, outros oferecem certeza de morte. Se determina uma faixa de tempo para a morte, e não um momento específico. A morte é um processo, não um instante, porque as funções vitais não cessam ao mesmo tempo.

Fenômenos imediatos

São os primeiros fenômenos de cessação das funções vitais, oferecendo apenas probabilidade de morte. Incluem:

  • Perda da consciência;
  • Perda da sensibilidade;
  • Abolição da motilidade e do tônus muscular;
  • Parada cardiorrespiratória;
  • Ausência de atividade cerebral.

Fenômenos consecutivos ou mediatos

Oferecem certeza de morte. Iniciam-se cerca de 6 h após a morte, que é justamente o tempo que a lei exige que se espere antes de realizar necropsia.

Evaporação cadavérica

O corpo perde água, gerando sinais como:

  • Perda de peso;
  • Pergaminhamento da pele;
  • Ressecamento de mucosas;
  • Modificações nos bulbos oculares:
    • 1-3 h: tela viscosa ou opacificação da córnea;
    • 6-8 h: sinal de Sommer e Larcher ou mancha negra escleral;
    • 8 h+: depressividade do globo ocular à pressão digital (sinal de Ripault).
Sinais de Sommer e Larcher e Ripault (fonte).

Em geral, se esses achados não estiverem presentes, a morte ocorreu há menos de 1 h. Mas eles podem surgir mais precocemente caso a morte tenha sido em local quente, o paciente tenha morrido com os olhos abertos, ou em crianças.

Resfriamento cadavérico (algor mortis)

Em geral, o corpo perde cerca de 1,5 ºC por hora após a morte, mas isso é muito variável. Na verdade, a temperatura do corpo igualar-se-á à do ambiente, podendo ocorrer, inclusive, aquecimento após a morte. Além disso, fatores como panículo adiposo, idade, roupas, ambiente, desidratação, e infecções podem influir nesse processo.

Manchas de hipostase (livor mortis)

Hipostase é o acúmulo de sangue, determinado pela gravidade e pela posição do cadáver (auxiliam, portanto, na determinação da posição e da causa de morte). As demais áreas do corpo embranquecem (livor).

Manchas e livores (fonte).

Aparecem 2-3 h após a morte, generalizam em 6 h, e fixam-se em cerca de 12 h, e permanecem até a putrefação. São mais intensas em casos de maior fluidez do sangue, como asfixias, e menos intensas no choque hipovolêmico.

Rigidez cadavérica (rigor mortis)

É multifatorial, dependente de oxigênio e ATP, e mais rápida quando o paciente morre em estresse agudo.

Começa entre 1-2 h após a morte, atinge o ápice em 6-8 h (pode ocorrer rigidez completa precoce, em 3-4 h, especialmente em casos de asfixia), e desaparece em cerca de 24 h, com o início da putrefação.

Segundo a lei de Nysten, progride em direção crânio-caudal, e dos menores para os maiores grupamentos musculares. Desaparece nessa mesma ordem de progressão.

Fenômenos transformativos

Seguem-se aos consecutivos, também trazendo certeza de morte.

Fenômenos destrutivos

Autólise

Fenômeno microscópico, mais intenso em tecidos ricos em enzimas, causado por fermentação anaeróbica intracelular.

Putrefação

Constituída de 4 fases ou períodos consecutivos: cromático (de coloração), gasoso (enfisematoso), coliquativo (de liquefação), e de esqueletização.

Ocorre pela decomposição fermentativa da matéria orgânica por bactérias saprófitas. É mais rápida em obesos (pois os ácidos graxos são meio de cultura), RNs, crianças, vítimas de infecções, e vítimas de grandes mutilações. Também sofre forte influência do meio ambiente (temperatura e umidade).

O período de coloração se inicia 20-24 h após a morte, com uma mancha verde. Normalmente é abdominal, dada a maior concentração de bactérias na região do intestino, mas pode iniciar em outros lugares, caso estes tenham mais bactérias. Em RNs e vítimas de afogamento, costuma ocorrer no pescoço e tórax. É comum que apareçam também próximas a lesões com extravasamento de sangue.

Mancha verde abdominal (fonte).

O período gasoso se inicia junto com o período cromático, mas só se torna evidente no ápice de acumulação de gás (5-7 dias). Causado pelos gases da putrefação, dura em média 2 semanas. Nessa fase, aparece também a circulação póstuma de Brouardel, pela pressão sobre grandes vasos. O cadáver assume aspecto gigantesco, especialmente em face, abdome, e genitais (pseudoereção), com projeção de olhos e língua e posição de lutador.

Circulação póstuma de Brouardel (fonte).
Fase gasosa da putrefação (fonte).

A fase coliquativa demarca o início do estado avançado de putrefação (exige encaminhamento ao IML), com a dissolução pútrida do cadáver. Dura cerca de 2 semanas, mas isso varia conforme o ambiente. O cadáver adquire uma fauna particular de insetos, e a entomologia forense é o campo que estuda a correlação entre essa fauna e o local e as condições de morte.

Fase coliquativa da putrefação (fonte).

Finalmente, a fase de esqueletização conclui a putrefação, deixando apenas as ossadas (competência da antropologia forense).

Maceração

É o processo que ocorre a fetos mortos retidos, podendo ser séptica (retido em cadáver) ou asséptica (retido em mãe viva). Começa a ocorrer cerca de 8 h após a morte fetal, e não traz muitas repercussões à mãe (se viva).

Fenômenos conservadores

Conserva-se cadáveres por embalsamamento (formolização) e congelação, mas há também processos naturais que o fazem. Estes dificultam precisar a data de morte

Mumificação

Em climas quentes e secos, a desidratação rápida do corpo exposto ao ar impede a ação microbiana responsável pela putrefação. É um fenômeno transformativo inicial.

Múmia (fonte).

Saponificação ou adipocera

Após mais de 6 semanas de morte, a hidrólise de gordura em solo argiloso, úmido, e com pouco ar forma ésteres, transformando o corpo (especialmente áreas de adiposidade) em sabão.

É um fenômeno raro, que ocorreu no desastre de Brumadinho, fazendo com que fosse o desastre com mais cadáveres identificados do mundo.

Calcificação

Deposição de cálcio em cadáveres, formando litopédios. É mais comum que ocorra com fetos mortos retidos, normalmente por perda precoce, que costumava passar despercebida antes da ampliação da assistência pré-natal.

Corificação

Conservação do cadáver em urnas hermeticamente fechadas.

Referência(s)

Aulas da professora Luciana de Paula Lima Gazzola.


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