Demências são definidas como síndromes neuropsiquiátricas que envolvem o comprometimento de, ao menos, 2 domínios cognitivos. São transtornos extremamente prevalentes em idosos.
Conceito
Síndrome caracterizada por declínio de memória associado a déficit de pelo menos uma outra função cognitiva (linguagem, juízo, praxias, funções executivas) com intensidade suficiente para interferir no desempenho social ou profissional do indivíduo.
Epidemiologia
Prevalência duplica a cada cinco anos após os 60 anos, resultando em aumento exponencial com a idade (1,6% em indivíduos de 65-69 anos, 38,9% em indivíduos de > 84 anos). São mais incidentes sobre analfabetos.
Diagnóstico sindrômico de demência
Diagnóstico diferencial
- Para descartar causas orgânicas e potencialmente reversíveis, é necessário solicitar:
- Hemograma;
- Provas de função tireoidiana;
- Provas de função hepática;
- Provas de função renal;
- Sorologia para sífilis;
- Sorologia para HIV;
- Vitamina B12 sérica.
- A TC ou RM de crânio podem evidenciar alterações vasculares, tumores, hidrocefalia, ou hematoma subdural crônico. No entanto, não trazem alterações específicas em caso de demências.
- A depressão e o delirium são quadros psiquiátricos reversíveis e facilmente confundidos com demências. O uso de substâncias também pode mimetizar tal quadro.
- Esclarecimentos sobre a evolução do quadro auxiliam na diferenciação de demências específicas.
Investigação inicial
- Uma avaliação cognitiva é essencial, e exige testes de rastreio, como o Mini Exame do Estado Mental (MEEM), e outros testes específicos para componentes cognitivos afetados.
- Especialmente em casos limítrofes ou de difícil diagnóstico diferencial, cabe a avaliação neuropsicológica.
- A funcionalidade nas AVD deve ser avaliada por escalas.
- O exame físico neurológico deve buscar sinais de parkinsonismo.
Demências específicas
Doença de Alzheimer (DA)
- Causa mais frequente de demência, responsável por mais de 50% dos casos na faixa etária ≥ 65 anos.
- Compromete, inicialmente, o hipocampo, com progressivo comprometimento de áreas corticais associativas. Como há relativa preservação dos córtices primários, há preservação do funcionamento motor e sensorial até as fases mais avançadas da doença.
- Inicia com declínio insidioso e progressivo da memória episódica e desorientação espacial. Em seguida, alterações de linguagem (especialmente anomia), distúrbios de planejamento, e queda de habilidades visuoespaciais surgem.
- Quando há estabelecimento pré-senil, predominam os sintomas de linguagem, enquanto sintomas psicóticos são vistos em pacientes mais idosos.
- O diagnóstico definitivo é dado por anatomia patológica. Portanto, o diagnóstico clínico pode ser de DA provável ou DA possível, a depender da apresentação.
- Formas familiares autossômica dominantes possuem início pré-senil, e correspondem a menos de 5% do total de casos.
Demência vascular (DV)
- Trata-se de quadro demencial provocado por DCV, incluindo grandes lesões tromboembólicas (demência por múltiplos infartos), infartos lacunares, lesões únicas em locais estratégicos, doença de Binswanger (lesões extensas da substância branca), angiopatia amiloide, e AVCs hemorrágicos.
- Segunda causa mais frequente de demência, correspondendo a 10% dos casos. 15% dos casos de demência correspondem à combinação de DA e DV.
- Fatores de risco são os mesmos relacionados à aterogênese:
- Idade;
- HAS;
- DM;
- Dislipidemia;
- Tabagismo;
- Doenças cardiovasculares.
- Diagnóstico exige combinação da avaliação clínica, neuropsicológica, e de neuroimagem (preferível RM). Para encerrar o diagnóstico, todavia, é necessário estabelecer relação causal entre o comprometimento cerebrovascular e a demência, o que pode ser dificultado pela sobreposição de DA.
- O quadro clínico é marcado por:
- História prévia de AVC;
- Sintomas neurológicos focais;
- Curso flutuante, com piora em degraus e início abrupto;
- Quando subjacente a HAS e infartos lacunares, o curso pode ser insidioso, mimetizando DA.
Demência com corpos de Lewy (DCL)
- Terceira principal causa de demência.
- Para diagnosticar DCL provável, é preciso que haja 2 das manifestações clínicas típicas:
- Flutuação dos déficits cognitivos em questão de minutos ou horas;
- Alucinações visuais detalhadas, vívidas, e recorrentes;
- Sintomas parkinsonianos (geralmente do tipo rígido-acinéticos, de distribuição simétrica).
- O declínio cognitivo é progressivo. Inicialmente, concentra-se na atenção, nas funções executivas, e nas habilidades visuoespaciais, com relativa preservação da memória.
- Pacientes costumam apresentar quedas ou síncope. Seus sintomas psicóticos não respondem bem a antipsicóticos, que pioram o parkinsonismo, mas o parkinsonismo tampouco responde a agentes dopaminérgicos.
Demências frontotemporais (DFT)
- Grupo de diversas doenças, incluindo:
- Doença de Pick;
- Degeneração dos lobos frontais;
- Demência associada à doença do neurônio motor (esclerose lateral amiotrófica);
- Demência semântica (variante temporal das DFTs).
- O início é pré-senil (antes dos 65 anos), com história familiar positiva em 30% dos casos, com padrão sugestivo de herança autossômica dominante.
- Quadro clínico é marcado por alterações precoces de personalidade e comportamento (isolamento social, apatia, perda de crítica, desinibição, impulsividade, irritabilidade, inflexibilidade mental, hiperoralidade, descuido da higiene pessoal, preocupações somáticas bizarras, estereotipias motoras), e linguagem (redução de fluência verbal, estereotipias, ecolalia), de caráter progressivo e insidioso. Habilidades visuoespaciais e memória são relativamente preservados, com MEEM normal no início da doença.
- Pacientes apresentam reflexos primitivos (preensão palmar, sucção, projeção tônica dos lábios) ao exame neurológico, e, ocasionalmente, parkinsonismo (especialmente em casos familiares).
Referência(s)
- CARAMELLI, P.; BARBOSA, M. T.. Como diagnosticar as quatro causas mais freqüentes de demência?. Brazilian Journal of Psychiatry, v. 24, n. Braz. J. Psychiatry, 2002 24 suppl 1, p. 7–10, abr. 2002;
- PARMERA, J. B.; NITRINI, R. Demências: da investigação ao diagnóstico. Revista de Medicina, v. 94, n. 3, p. 179-184, 2015.