Trata-se de lesões provocadas por ingestão de substâncias corrosivas (bases ou ácidos fortes), que normalmente ocorrem em contexto acidental ou de tentativa de autoextermínio.
Fisiopatologia
- Mecanismos de lesão:
- Bases fortes: necrose por liquefação, lesões esofágicas;
- Ácidos fortes: necrose por coagulação, lesões gástricas.
- Gravidade depende de:
- Quantidade e concentração do material ingerido;
- pH e forma física do material ingerido (sólidos causam lesões pouco extensas, mais profundas, e líquidos causam o oposto);
- Grau de viscosidade (diminui velocidade de esvaziamento) e duração do contato;
- Presença ou ausência de alimentos no estômago (alimentos protegem);
- Ocorrência ou não de vômitos (vômitos aumentam gravidade);
- Aspiração ou não para vias aéreas.
Avaliação clínica
Anamnese
- História de ingestão de corrosivos;
- Sialorreia;
- Dor torácica (aventa suspeita de perfuração);
- Disfagia e odinofagia à deglutição da saliva;
- Se aspiração:
- Tosse;
- Hipersecreção brônquica;
- Dispneia.
Exame físico
- Queimaduras nos lábios, boca, língua, e orofaringe;
- Se lesões extensas:
- Febre;
- Taquicardia;
- Sinais de desidratação;
- Se aspiração:
- Estridor;
- Broncoespasmo;
- Cianose;
- Insuficiência respiratória.
Propedêutica complementar
- Exames laboratoriais:
- Hemograma;
- Lactato;
- Eletrólitos;
- Função hepática;
- Função renal;
- PCR;
- Gasometria arterial.
- Exames de imagem:
- TC de tórax e abdome (RX se TC indisponível);
- RX contrastada de faringe, esôfago, e estômago (se suspeita de fístulas).
- Exames invasivos:
- Laringoscopia (em presença de sinais e sintomas respiratórios, avalia necessidade de IOT);
- Endoscopia digestiva alta (melhor acurácia diagnóstica nas primeiras 3-24 hrs).
Classificação de gravidade (Zargar)
- Baixo risco de complicações:
- Grau 0: esôfago normal;
- Grau 1: edema e hiperemia da mucosa;
- Grau 2A: úlceras superficiais, sangramento, e exsudato;
- Alto risco de complicações (agudas ou crônicas):
- Grau 2B: úlceras isoladas profundas ou circunferenciais;
- Grau 3A: necrose focal ou úlceras profundas múltiplas;
- Quadro grave, indicação cirúrgica:
- Grau 3B: necrose extensa, com ou sem perfuração.
Complicações
Precoces
- Hemorragia digestiva;
- Fístulas;
- Necrose e perfuração;
- Mediastinite e peritonite.
Tardias
Antrite corrosiva
- Menos comum que a estenose pilórica, pois estômago tem maior diâmetro.
- Associada à ingestão de ácido forte.
- Paciente evolui com saciedade precoce em 3-10 semanas.
- Diagnóstico é radiológico.
- Endoscopia pode ser diagnóstica ou terapêutica (dilatação). Apenas em sua falha realiza-se tratamento cirúrgico (bypass ou antrectomia).
Estenose cáustica do esôfago
- Complicação tardia mais comum (3-57% dos casos, mais de 70% se queimaduras circunferenciais [2B ou 3A]).
- Associada à ingestão de grandes volumes de base forte (mais frequente em TAE).
- Paciente evolui com disfagia, regurgitação, e perda de peso em 1-3 semanas.
- Diagnóstico é radiológico (preferencial) ou endoscópico.
- Prevenção:
- Contraindicado:
- Corticoide;
- Infliximabe;
- Indicado:
- Mitomicina C;
- Ozônio;
- Colocação endoscópica de stent intraluminal (2-3 semanas após a lesão, retirada 4-6 meses após);
- Em investigação:
- N-acetilcisteína;
- Sucralfato;
- Peptídeo 2 semelhante ao glucagon.
- Contraindicado:
- Primeira opção terapêutica é a dilatação endoscópica, em múltiplas sessões. Contraindicações:
- Perfuração esofágica não cicatrizada;
- Suspeita de estenose maligna (CCE corrosivo);
- Doenças pulmonares, cardíacas, ou hematológicas;
- Intolerância à endoscopia ou à dilatação.
- O tratamento cirúrgico pode ser com ressecção esofágica ou bypass retroesternal (dificulta diagnóstico de CCE, pois diminui sintomas e impossibilita endoscopia de rastreio), ambos com esofagogastroplastia (tecnicamente difícil em casos de lesão gástrica, pode provocar refluxo), esofagocoloplastia (maior risco de estenose na anastomose, mas de bom prognóstico com dilatação endoscópica), ou faringocoloplastia (maior risco de estenose e disfagia). Indicado em caso de:
- Estenose completa (obliteração);
- Irregularidades e saculações esofágicas;
- Estenoses múltiplas (> 3), longas (> 3 corpos vertebrais), e tortuosas;
- Falha das dilatações endoscópicas (28-67%);
- Incapacidade de dilatações repetidas.
Outras complicações
- Estenose de vias aéreas superiores;
- Estenose pilórica;
- Estenose esofágica;
- Carcinoma esofágico (CCE).
Tratamento
Abordagem primária
- Indicado realizar:
- Assegurar e manter vias aéreas pérvias;
- Medidas de ressuscitação (se necessárias);
- Acesso venoso com cateter curto calibroso;
- Hidratação endovenosa;
- Controle da dor;
- Jejum;
- Inibidores de bomba de prótons por via EV;
- Antibioticoterapia (se perfuração ou infecção).
- Contraindicado realizar:
- Drogas emetizantes e/ou indução de vômitos;
- Cateterismo nasogástrico e lavagem gástrica;
- Neutralizantes, diluentes, ou carvão ativado;
- Corticoterapia na prevenção de estenose.
- Tratamento cirúrgico (lesões grau 3):
- Laparotomia ou laparoscopia precoce;
- Avaliar viabilidade do tubo digestivo;
- Definir extensão da ressecção (esofagectomia subtotal ou esofagogastrectomia);
- Avaliar necessidade de ressecção de outros órgãos (20%);
- Não reconstruir o trânsito antes de 6 meses de evolução;
- Realizar ostomia (preferencialmente jejunostomia) para nutrição enteral.
Referência(s)
Aula do professor Marco Antônio Gonçalves Rodrigues.