Princípios gerais da anestesia
- O objetivo da anestesia é a depressão reversível do sistema nervoso central, para que haja perda da percepção de estímulos externos.
- O bloqueio pode ser realizado a nível central, neuraxial, ou periférico.
- Componentes desejáveis da anestesia:
- Inconsciência;
- Amnésia;
- Analgesia;
- Imobilidade;
- Atenuação das respostas autonômicas (especialmente adrenérgicas) ao estímulo nóxico (mecânico, térmico, ou químico).
Medicamentos empregados em anestesia
Anestésicos inalatórios
- Fornecem todos os componentes desejáveis da anestesia.
- Atuam em sítios moleculares de sódio, cálcio, e da proteína G, especialmente no tálamo. O tálamo é responsável pela consciência e pela regulação da atividade autonômica.
- Causam perda de consciência semelhante ao sono profundo (estágio 3 do sono).
- CAM: concentração alveolar mínima em que 50% dos pacientes não reage a um estímulo nóxico.
Hipnóticos clássicos
- Tiopental: causa inconsciência e diminuição do gasto energético neuronal (neuroproteção), porém, é histaminérgico e hipotensor;
- Propofol: causa inconsciência, economia de sinapses (diminuindo gasto energético e levando a neuroproteção), e analgesia discreta, porém, é hipotensor;
- Etomidato: causa inconsciência, e, por atuar estabilizando os centros pressóricos bulbares, não provoca hipotensão, mas pode causar insuficiência adrenal.
Benzodiazepínicos
Têm efeito dose-dependente, que passa de ansiólise para sedação consciente, para sonolência, para inconsciência.
Midazolam
Não é um hipnótico clássico (embora cause sonolência de forma dose-dependente), mas provoca forte amnésia anterógrada.
Opioides
Provocam importante analgesia pela interação com receptores presentes em todo o organismo.
Relaxantes neuromusculares
Atuam na junção neuromuscular de forma a causar imobilização, podendo ser despolarizantes ou adespolarizantes.
Cetamina/Quetamina
- Atua em receptores NMDA.
- Causam analgesia e dissociação.
- Coíbem a atuação da amígdala, diminuindo reações aversivas a estímulos nóxicos.
Recomendações para anestesia
Tempo de jejum (h)
Crianças | Crianças obesas | Adultos | |
---|---|---|---|
Refeição completa | 6 | 8 | 8 |
Lanches leves | 6 | 6 | 6 |
Leites diversos | 6 | 6 | 6 |
Leite materno | 4 | 4 | – |
Líquidos sem resíduos | 2 | 2 | 2 |
Suspensão de medicamentos
- AAS: deve ser suspenso apenas em neurocirurgias, cirurgias oftalmológicas (exceção: catarata), e cirurgias de cabeça e pescoço. Ao fazê-lo, considerar a vida plaquetária (7-10 dias);
- Varfarina: suspender 5 dias antes da cirurgia, mantendo o RNI < 1,5 e, se necessário, usando heparina como ponte;
- Rivaroxabana: suspender 48 h antes da cirurgia;
- Metformina: suspender 72 h antes da cirurgia (hiperlactatemia);
- Hipoglicemiantes orais: suspender no dia da cirurgia, e empregar, se necessário, insulina regular;
- Clopidogrel e ticagrelor: suspender 5 dias antes da cirurgia;
- Prasugrel: suspender 7 dias antes da cirurgia;
- Fitoterápicos: suspender 7 dias antes da cirurgia aqueles à base de ginkgo biloba, erva de São João, ginseng, e/ou alho;
- Insulina NPH: trocar por insulina regular ou reduzir a 1/3.
Avaliação de apneia obstrutiva do sono (AOS)
- Realizar questionário Stop-Bang (positivo se ≥ 3 respostas positivas):
- Bicarbonato sérico ≥ 28 mmol/L aumenta a especificidade para AOS.
- Pacientes com AOS devem ter acesso a CPAP ou BPAP para auxílio a ventilação mecânica, e/ou serem internados em CTI no pós-operatório.
Intubação orotraqueal (IOT)
Avaliação de vias aéreas
- A avaliação padrão é a de Mallampatti, em que pede-se ao paciente para exteriorizar a língua sem fonação, sendo:
- I e II: via aérea com nível típico de dificuldade;
- III: pode ou não ser via aérea difícil;
- IV: via aérea difícil.
- Outros fatores que tornam a via aérea difícil:
- Dentes incisivos superiores longos;
- Retrognatismo;
- Distância entre incisivos superiores e inferiores < 3 cm;
- Palato em ogiva;
- Distância tireo-mentoniana (patil) < 6 cm;
- Pescoço curto de diâmetro aumentado;
- Movimento anormal de cabeça e pescoço:
- Redução do espaço intervertebral;
- Osteófito anterior;
- Artrose cervical.
Procedimento
- O paciente deve permanecer em posição supina, sem flexão da cabeça, que deve ser mantida ligeiramente elevada em relação à cama (com um travesseiro ou almofada).
- Pré-oxigenação: com o ambu, o paciente deve ser ventilado antes da intubação para manter a saturação de oxigênio elevada, permitindo uma “reserva” durante o procedimento da intubação em si.
- Após a indução anestésica, com o pescoço do paciente em hiperextensão, realiza-se a laringoscopia (ou videolaringoscopia) e a IOT em si.
Complicações
- Atelectasia, caso ocorra intubação seletiva (tubo posicionado em apenas um dos brônquios, normalmente o direito);
- Broncoaspiração de conteúdo gástrico e pneumonia química;
- Avulsão de dentes;
- Abrasão da córnea;
- Perfuração ou laceração de faringe, laringe, ou traqueia;
- Luxação das cartilagens aritenoides;
- Bradicardia reflexa;
- Taquicardia sinusal;
- Fibrilação atrial;
- Extrassístoles ventriculares ou supraventriculares;
- Hiper ou hipotensão;
- Hipoxemia e hipercapnia.
Intubação em sequência rápida
- Visa evitar aspiração de conteúdo gástrico em pacientes de alto risco para tal.
- Deve ser realizada por médicos experientes.
- Indicações:
- Obesidade;
- DM de longa data (gastroparesia);
- Trauma;
- Obstrução intestinal;
- Gestação;
- Emergência.
- Estratégias:
- Manobra de Sellick (controversa realização no trauma, e pode prejudicar visualização de via aérea);
- Intubação “em cadeira de praia” (paciente sentado, levemente reclinado), se a condição hemodinâmica permitir.
- Empregar:
- Hipnótico (administrado lentamente):
- Tiopental;
- Etomidato; ou
- Propofol;
- Opioide (mais comum: fentanil);
- Bloqueador neuromuscular:
- Succinilcolina (contraindicada se paciente hipercalêmico ou com potássio desconhecido);
- Rocurônio (preferível).
- Hipnótico (administrado lentamente):
Referência(s)
Aula da professora Mirna Bastos Marques.