Delírio em psiquiatria: o que é? Quais os tipos? Como examinar? Como se apresenta?

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  • São alterações do pensamento.
  • Delírios são juízos patologicamente falsos, acompanhados de convicção extraordinária, conteúdo impossível, e insuscetibilidade à influência.
  • Nem todo juízo falso é patológico. O erro distingue-se do delírio por originar-se de ignorância.
  • Juízos podem ser delirantes mesmo que verdadeiros, caso o raciocínio seja patológico (ex.: um indivíduo, que está sendo traído, descobre a infidelidade do cônjuge ao ouvir um cachorro latindo).
  • Na prática clínica, alguns pacientes chegam a expressar dúvidas em relação à veracidade de seus delírios.
  • O delírio constitui uma vivência individual, distinta, portanto, de crenças culturalmente compartilhadas, como dogmas compartilhados.
  • Delírios são autorreferentes, ou seja, seu conteúdo está direta ou indiretamente relacionado ao paciente.
  • O paciente não sente necessidade de comprovar objetivamente a veracidade de seu juízo, e pode não achar importante convencer as outras pessoas de que está certo.
  • Pode haver discrepância entre o delírio e a conduta do paciente.
  • Delírios são experimentados subjetivamente com características mais de “saber” do que de “acreditar”, o que também os distingue das crenças religiosas.

Delírio primário, delírio secundário, e ideia prevalente

Delírio primário

  • Ideia delirante autêntica, não derivada de qualquer outra manifestação psíquica patológica.
  • Relacionado a uma profunda transformação de personalidade.

Percepção delirante

Atribuição de um significado novo, anormal, a uma percepção normal de um objeto real.

Representação delirante

Atribuição de um significado anormal a uma recordação normal.

Cognição delirante

Convicção patológica intuitiva, que prescinde de conexão significativa com dados perceptivos ou representativos.

Delírio secundário (ideia deliroide)

Origina-se de forma compreensível psicologicamente de outras manifestações psíquicas patológicas, tais como alterações do humor, da sensopercepção, e da consciência.

Ideia prevalente

  • Ideia tornada errônea por superestimação afetiva.
  • Erro é compreensível psicologicamente em função da vivência emocional ou de traços de personalidade do indivíduo.
  • A convicção é menor que no delírio.

Classificação

Quanto à sistematização

Delírio sistematizado

Há coerência interna entre as ideias, com organização e consistência. Encontra-se uma rede de argumentações lógicas e compreensíveis.

Delírio não sistematizado

São fragmentários, caóticos, desarticulados, e sem concatenação.

Quanto aos mecanismos formadores

Delírio intuitivo

Cognição delirante.

Delírio imaginativo

Secundário a uma atividade imaginativa patologicamente aumentada.

Delírio catatímico

Secundário a um distúrbio básico de humor.

Delírio interpretativo

  • Secundário a alterações patológicas da personalidade, que levam o indivíduo a atribuir a posteriori significados patológicos a situações corriqueiras.
  • A lógica é preservada, e o conteúdo é verossímil.

Delírio sensorial

Secundário a ilusões e alucinações.

Delírio oniroide

Secundário às alterações sensoperceptivas e do pensamento observadas em quadros de rebaixamento do nível de consciência.

Delírio mnêmico

Secundária à atividade fabulatória de pacientes amnésicos ou demenciados.

Quanto ao tema do delírio

Delírio de perseguição

Doente acredita que o estão vigiando, querem prejudicá-lo, ou mesmo matá-lo.

Delírio de prejuízo

  • Forma atenuada de delírio persecutório.
  • Indivíduo pensa que as outras pessoas são hostis a ele, zombam dele, ou menosprezam-no.

Delírio de reivindicação

  • Subtipo de delírio persecutório.
  • Indivíduo se julga vítima de injustiças ou discriminações e, em função disso, envolve-se em disputas legais.

Delírio de influência

  • Subtipo de delírio persecutório.
  • Indivíduo acredita que alguém ou alguma força externa controla (literalmente) sua mente ou seu corpo.
  • Relacionado a alterações da consciência do eu.

Delírio de grandeza

Doente acredita ser muito rico e poderoso, ou possuir habilidades e talentos especiais.

Delírio genealógico

Indivíduo crê-se pertencente a uma família nobre ou importante.

Delírio de invenção

Indivíduo acredita ter criado aparelhos com propriedades especiais ou fórmulas para a cura de doenças.

Delírio de reforma

Indivíduo crê-se na missão de salvar, reformar, ou redimir o mundo ou a sociedade.

Delírio de ciúmes

  • Indivíduo acredita que seu cônjuge está sendo infiel a ele.
  • Mais comum no sexo masculino.
  • Conteúdo do delírio é frequentemente verdadeiro.

Delírio erotomaníaco

  • Indivíduo crê ser amado, à distância, por outra pessoa.
  • Outra pessoa é tipicamente mais velha e de situação socioeconômica mais elevada que a do paciente.
  • Mais comum no sexo feminino.
  • Indivíduo pode atribuir a não aproximação por parte da pessoa à malevolência de terceiros.

Delírio autorreferente

Doente atribui a fatos fortuitos ou acidentais do cotidiano uma relação direta com a sua pessoa (ex.: acredita que o enredo de uma novela é baseado em sua vida.

Delírio de ruína

Paciente crê que sua vida está repleta de desgraças, sofrimento, fracassos, e perdas.

Delírio somático (hipocondríaco)

  • Subtipo de delírio de ruína (ruína da saúde física).
  • Paciente acredita estar sofrendo de uma doença grave ou incurável, ou ter o corpo deformado.

Delírio de infestação

Doente julga estar infestado por pequenos, porém macroscópicos, organismos (especialmente na pele e nos cabelos).

Delírio de culpa

  • Subtipo de delírio de ruína (ruína moral).
  • Paciente acredita que cometeu pecados ou crimes em seu passado, e que merece ser punido.
  • Supervaloriza pequenas falhas cometidas, ou crê-se influenciador do acontecimento de catástrofes.

Delírio de negação

  • Subtipo de delírio de ruína (ruína total).
  • Paciente afirma que já morreu, que seus órgãos apodreceram, pararam de funcionar, ou não existem mais, ou que o mundo acabou.
  • Pode ser associado a ideias de imortalidade e de enormidade.

Delírio místico

  • Envolve temas religiosos, espíritos, etc.
  • Indivíduo diz que é Jesus Cristo, que pode fazer milagres, que Deus lhe deu uma missão, que vai fundar uma nova religião, etc.
  • Paciente pode também julgar que um espírito entrou em seu corpo e assumiu o controle de seus atos (delírio de possessão).

Delírio fantástico

Envolve temas extraordinários ou de extrema grandiosidade.

Delírio de identificação

Associado a disfunções no hemisfério direito.

Síndrome de Capgras

Indivíduo acredita que uma pessoa familiar foi substituída por um sósia, fisicamente idêntico a ele.

Síndrome de Fregoli

Indivíduo identifica um estranho (fisicamente distinto) como uma pessoa familiar específica.

Exame do delírio

Como os delírios são alterações do conteúdo do pensamento, são detectados no discurso do paciente.

Delírio nos principais transtornos mentais

Esquizofrenia

  • Delírio é bizarro, tem um conteúdo impossível, e é pouco sistematizado.
  • Pode ser primário ou secundário à atividade alucinatória.
  • Em alguns casos, delírio é precedido por um quadro denominado humor delirante difuso, em que o indivíduo sente que há um acontecimento iminente, com vivências de estranheza, perplexidade, despersonalização, desrealização, e/ou angústia. O delírio ressignifica essas vivências enigmáticas e reduz a angústia do paciente.

Transtorno delirante

  • Antiga paranoia.
  • Pode ter como única alteração o delírio.
  • Delírio tem conteúdo possível, pouco bizarro, bem sistematizado, interpretativo, autorreferente, e monotemático.
  • Pode ser primário ou secundário.

Parafrenia

  • Categoria diagnóstica “parafrenia” foi excluída, e enquadra-se atualmente como esquizofrenia ou transtorno delirante.
  • Delírio típico tinha caráter fantástico, e atingia apenas algumas poucas áreas da vida do indivíduo.

Transtornos do humor

  • Nas depressões psicóticas, temas delirantes costumam ser de ruína e seus subtipos.
  • Na mania psicótica, os delírios são tipicamente de grandeza.
  • Tanto na mania quanto a depressão, também observam-se delírios persecutórios.

Psicoses orgânicas

Atividade delirante pode ser encontrada em quadros como delirium, demência, epilepsia (especialmente do lobo temporal), neurossífilis, intoxicação por cocaína ou anfetamina, etc.

Psicoses epilépticas

  • Estreitamento da consciência na epilepsia do lobo temporal pode cursar com delírios.
  • São comuns os delírios místicos, que servem como autoexplicação para alterações de consciência e outras experiências inusuais.

Transtorno delirante induzido

  • Um indivíduo altamente sugestionável, que tenha uma relação muito próxima com um doente psicótico, incorpora uma crença delirante dele.
  • Tende a abandonar o delírio quando a dupla se separa.

Referência(s)

CHENIAUX, Elie, Manual de psicopatologia, 6. ed. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 2021.


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