Anatomia patológica das doenças do esôfago

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Introdução ao sistema digestório

Composto por uma sequência de órgãos tubulares ocos de parede muscular conectados anatomicamente. Histologicamente, são formados por camadas mucosa, muscular da mucosa, submucosa, muscular própria, e serosa (também chamada, no esôfago, de adventícia). Já a estrutura e a forma dos órgãos adaptam-se às suas respectivas funções especializadas.

Anatomia e relações anatômicas do esôfago

É um órgão de cerca de 25 cm, com trajeto cervical, torácica, e abdominal. Conduz o alimento da faringe ao estômago. Relaciona-se:

  • Posteriormente com a coluna vertebral;
  • Anteriormente com a traqueia;
  • Lateralmente com a artéria aorta;
  • Inferiormente com o diafragma.
Visão endoscópica do esôfago. A inspiração profunda do paciente faz com que o pregueado não seja visível.
Segmento aberto longitudinalmente do esôfago em necrópsia. Todas as suas camadas histológicas são visíveis.

Histologia do esôfago

  • Mucosa;
  • Submucosa: rica em vasos de irrigação e drenagem;
  • Muscular: internamente circular e externamente longitudinal;
  • Serosa: chamada de adventícia;
  • Epitélio: do tipo estratificado escamoso não-queratinizado. Passa por renovação epitelial (a partir da camada basal) constante (cerca de 28 dias), pois sofre agressão mecânica constantemente. Por outro lado, tem baixa tolerância a agressões químicas. É extremamente resistente, com função de revestimento e proteção.
Histologia do esôfago.

Varizes do esôfago

Os plexos venosos esofágicos (submucosos e periesofágicos) drenam o sangue esofágico para a veia gástrica esquerda, que é drenada para a veia porta. Qualquer dificuldade dessa drenagem provoca a dilatação das veias esofágicas, constituindo varizes, observadas mais comumente nos terços médio e distal do esôfago, estendendo-se à cárdia e ao fundo gástrico.

As causas principais de varizes de esôfago são congestionamentos da veia porta por hepatopatias fibrosantes causadoras de hipertensão portal, especialmente:

  • Cirrose: subversão da arquitetura lobular do fígado por nódulos circundados por fibrose;
  • Esquistossomose hepática: manutenção da arquitetura lobular do fígado, com restrição da fibrose aos tratos portais.

A resistência intra-hepática (determinada por fibrose) ao fluxo sanguíneo portal congestiona a veia porta, causando redistribuição do sangue portal para veias hepatófugas (refluxo venoso), que culmina, finalmente, na dilatação de trechos localizados das veias dos plexos esofágicos.

Uma complicação possível dessas varizes é a sua ruptura (por atrito mecânico esofágico ou aumento da pressão portal), culminando na hemorragia digestiva alta, que dificilmente cessa sem intervenção médica.

Varizes esofágicas visíveis em endoscopia digestiva alta (EDA).
Vasos venosos (azulados, alguns com trombos recentes) dilatados, salientes, tortuosos, e irregulares do plexo venoso submucoso nos terços médio e distal do esôfago.
Aspecto histopatológico das lesões em varizes do esôfago. Notar a dilatação dos vasos (a maioria sem sangue).

Doenças relacionadas ao ácido gástrico

Doença do refluxo gastroesofágico (DRGE)

Como o próprio nome já sugere, trata-se da doença provocada pelo fluxo retrógrado do conteúdo gástrico para o esôfago.

Em relação à pressão atmosférica, a cavidade torácica tem pressão negativa, e a cavidade abdominal tem pressão positiva. Por isso, a tendência natural é que haja um refluxo gastroesofágico (GE), que é impedido pelo esfíncter esofágico inferior (EEI).

Esse esfíncter é funcional, não anatômico, enquanto o piloro (esfíncter gastroduodenal) é um esfíncter anatômico. Por isso, é este último que determina a passagem de alimento para a porção seguinte do trato gastrintestinal. Quando o EEI se abre, ocorre refluxo para os terços distal e, às vezes, médio do esôfago. O reflexo do vômito é uma das situações em que esse esfíncter se abre, mas, quando ele não é competente, isso pode ocorrer em diferentes contextos.

Fatores predisponentes da DRGE incluem:

  • Aumento da pressão intra-abdominal (obesidade, gravidez, ascite, visceromegalias, tumores, etc);
  • Hipotonia do EEI (individual ou genética);
  • Relaxamento do orifício diafragmático de passagem do esôfago (hérnia hiatal de deslizamento).

Esofagite de refluxo

Sendo o conteúdo gástrico extremamente ácido e o epitélio esofágico pouco resistente às agressões químicas, o refluxo leva progressivamente à inflamação da parede esofágica.

Os pacientes apresentam-se com “queimação” (pirose) e regurgitação, que pioram quando eles estão deitados. A irritação crônica pelo suco gástrico também pode causar manifestações no sistema respiratório (tosse crônica, asma, bronquite crônica, rouquidão, e laringite crônica).

EDA de esofagite de refluxo. O EEI está circundado por mucosa hiperemiada e erodida (inflamada), sem ulceração.
Lâmina de esôfago inflamado. O epitélio está comprometido por infiltrado inflamatório.

Esôfago de Barrett

Epônimo da metaplasia (substituição benigna, potencialmente reversível, de um epitélio maduro por outro mais adequado às condições adversas do meio) intestinal (epitélio colunar com células caliciformes) do epitélio esofágico (estratificado escamoso não queratinizado) na DRGE. Ocorre principalmente na porção distal do esôfago.

Esôfago de Barrett com células caliciformes.

É considerado curto quando tem menos de 3 cm, e longo caso contrário. Quanto maior o segmento do esôfago de Barrett, maior o risco de progressão para lesão pré-cancerosa irreversível (displasia) caso as agressões persistam.

Esôfago de Barrett. São visíveis glândulas de padrão intestinal.
Esôfago de Barrett formando vilosidades.
Esôfago de Barrett. Remanescentes de epitélio estratificado escamoso não queratinizado são visíveis.
Esôfago de Barrett, com células de borda em escova.
Esôfago de Barrett com células caliciformes.
EDA de esôfago de Barrett.

Adenocarcinoma de esôfago

Evolui a partir de displasias (inicialmente de baixo, posteriormente de alto grau) esofágicas, originado de glândulas produtoras de muco. Por isso, ocorre mais frequentemente no terço distal do esôfago.

Embora represente menos de 10% dos carcinomas de esôfago, sua incidência tem crescido acentuadamente nas últimas décadas, especialmente em homens, o que se atribui ao aumento da prevalência da obesidade.

Displasia esofágica de alto grau. É pouco diferenciável de um carcinoma in situ.
Abaixo do epitélio, são visíveis glândulas até a adventícia, caracterizando adenocarcinoma.
Adenocarcinoma de esôfago, com algumas regiões ainda metaplásicas.
Glândulas originárias de adenocarcinoma esofágico.
Tumor no esôfago, infiltrando a parede.

Carcinoma de células escamosas (CCE) do esôfago

É um carcinoma de células próprias do esôfago. A neoplasia mais frequente de um órgão é, geralmente, aquela que se origina do epitélio que o reveste. Assim, representa 90% dos carcinomas esofágicos. A maioria dos casos ocorre nos terços médio e distal. Como as lesões iniciais são assintomáticas, o diagnóstico costuma ocorrer em fase invasora, com baixa taxa de sobrevida.

Fatores de risco incluem:

  • Álcool;
  • Fumo;
  • Esofagite crônica associada à DRGE de longa duração;
  • Dieta (baixo consumo de frutas e vegetais, deficiência de vitaminas e metais, ingestão frequente de bebidas muito quentes);
  • Infecção por HPV.
CCE bem diferenciado (presença de queratina), formado pela proliferação de células escamosas.
Neoplasia maligna de padrão de crescimento exofítico no terço inferior do esôfago, ocluindo parcialmente a luz do órgão.
Neoplasia maligna de padrão de crescimento endofítico no terço inferior do esôfago, formando massas infiltrativas para o interior da parede do órgão em direção à adventícia.

Consequências e complicações

Tumores exofíticos costumam complicar-se com obstrução da via digestiva, enquanto os endofíticos podem causar perfurações (evoluindo para mediastinite) e fístulas.

Fístula esôfago-traqueal causada por CCE.

Referência(s)

Aula da professora Mônica Demas.


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