Perfusão pulmonar
Nos pulmões, a perfusão é feita pela circulação pulmonar (coração direito, sangue venoso) em conjunto com a circulação brônquica (circulação sistêmica, sangue arterial).
A ventilação pulmonar tem uma relação direta com sua perfusão. Para priorizar a perfusão de áreas que estejam tendo acesso ao oxigênio, arteríolas de alvéolos mal ventilados (em hipóxia) sofrem vasoconstrição, podendo levar à isquemia alveolar.
Edema pulmonar
Trata-se do acúmulo de líquido no parênquima pulmonar (alvéolos). Diferencia-se do derrame pleural pela localização do líquido acumulado.
Esse líquido origina-se dos capilares e vênulas da microcirculação pulmonar, que extravasam seu conteúdo (inicialmente para os septos alveolares, posteriormente para os próprios alvéolos). Para tentar compensar a formação de edema, a drenagem linfática aumenta, e causa espessamento de septos interlobulares, ricos em vasos linfáticos.
Clinicamente, o paciente apresenta-se com dispneia (dificuldade de trocas gasosas) e ocasional tosse (irritação da via aérea).
Classificação
- Quanto à localização nos alvéolos:
- Septal;
- Intra-alveolar.
- Quanto à localização nos pulmões:
- Localizado;
- Difuso.
- Quanto ao tipo de líquido:
- Transudato (pobre em proteínas);
- Exsudato (rico em proteínas);
- Quanto ao tempo de formação:
- Agudo;
- Crônico.
- Quanto à etiopatogênese:
- Cardiogênico;
- Inflamatório;
- Neurogênico;
- Por redução da pressão intersticial.
Edema septal/intersticial
Como os capilares encontram-se no interstício pulmonar, todo edema pulmonar é inicialmente septal.
Microscopicamente, é visível o alargamento dos septos alveolares, e macroscopicamente o aumento do peso dos pulmões. Na radiologia, o pulmão aparece radiopaco, com infiltrado intersticial ou reticular (em “vidro fosco”). Clinicamente, o paciente tem tosse seca.
Edema intra-alveolar
Caso líquido extravase os septos, o líquido pode passar a preencher espaços aéreos.
Os septos se alargam, e o espaço alveolar fica preenchido (perdendo a imagem negativa à microscopia e alterando a consistência macroscópica). No raio-x, há radiopacidade mais nítida, infiltrado alveolar, e eventual consolidação ou condensação. Na clínica, a tosse pode ser produtiva ou seca, a depender da viscosidade do edema, que determina se o líquido do edema é ou não eliminado.
Edema de transudato
Como o transudato é um líquido pobre em proteínas, ele é apenas discretamente eosinofílico, e, por não interferir na permeabilidade capilar, o edema é pouco inflamatório. Macroscopicamente, o líquido é fluido, translúcido, e movimenta-se pela ação da gravidade e da compressão. Por isso, prefere as bases pulmonares quando o paciente está em ortostatismo (na imagem). Clinicamente, pode apresentar-se com tosse seca (quando crônico) ou espumosa (quando agudo).
Origina-se principalmente do aumento da pressão hidrostática dos capilares pulmonares.
Edema de exsudato
Relaciona-se a um processo inflamatório, com aumento da permeabilidade capilar, que promove extravasamento de proteínas (especialmente fibrina) junto ao líquido.
À microscopia, visualiza-se trama eosinofílica com ocasional infiltrado inflamatório (leucócitos). O líquido é mais viscoso, amarelado, fixado às paredes alveolares, e ocasionalmente purulento. Há aumento da consistência e redução da complacência dos alvéolos, e o edema é mais fixo. Normalmente, é visualizável como condensação e é mais opaco que o transudato em exames de imagem.
Na clínica, a tosse pode ser produtiva ou seca (se o líquido for muito viscoso. Pode ser tratado por nebulização que aumente sua fluidez.
Edema cardiogênico
Na insuficiência cardíaca esquerda, a congestão pulmonar ocorre por diminuição do retorno venoso. Com isso, aumenta a pressão hidrostática dos pulmões, caracterizando o edema cardiogênico, que é sempre transudato.
Pode ocorrer de forma aguda, crônica, ou ambas a depender da etiologia da insuficiência cardíaca. No edema agudo, há congestão pulmonar abrupta com rápida variação de pressão hidrostática capilar. O edema é bilateral difuso, e a rápida variação de pressão pode romper vasos capilares por rexe (causando hemorragia simultânea). Na clínica, o paciente apresenta tosse espumosa rósea e dispneia grave, evoluindo, sem tratamento, para insuficiência respiratória aguda.
Já na crônica a congestão pulmonar é progressiva, oriunda de lenta variação da pressão capilar. O edema concentra-se nas bases pulmonares, e a hemorragia (ruptura de capilares), se ocorre, é por diapedese, causando acúmulo de hemossiderina em alvéolos. Clinicamente, há tosse seca, dispneia, ortopneia, e/ou dispneia paroxística noturna. Com os anos, os septos podem sofrer fibrose, o que leva a vasoconstrição por diminuição da ventilação alveolar.
Edema inflamatório
Também chamado de pneumonite ou alveolite, decorre de aumento da permeabilidade capilar após estímulo inicial, que pode ou não ser infeccioso (caso seja infeccioso, considera-se o quadro como uma pneumonia). Os mediadores inflamatórios provocam hiperemia e aumento da permeabilidade capilar, com extravasamento de líquido exsudato. Está mais evidente em inflamações agudas, e há presença de células inflamatórias diversas, geralmente neutrófilos.
Pode ser localizado ou difuso. O edema inflamatório localizado está mais relacionado a pneumonias agudas, e caracteriza-se por formação de trama de fibrina e presença de infiltrado inflamatório. Clinicamente, apresenta-se com febre e manifestações sistêmicas, e tosse, que pode ser seca (intersticial) ou produtiva (alveolar).
Já o difuso é uma condição grave, chamada de dano alveolar difuso. O estímulo inicial, qualquer que seja, provoca resposta inflamatória exagerada. Os macrófagos alveolares, superestimulados, recrutam neutrófilos que liberam radicais livres. Há destruição aguda da barreira alvéolo-capilar, com marcado aumento da permeabilidade. Forma-se membranas hialinas, culminando na agressão aos pneumócitos tipo II, atelectasia multifocal, e redução das trocas gasosas. O paciente apresenta dispneia grave, com insuficiência respiratória aguda, num quadro chamado síndrome da angústia respiratória do adulto (SARA).
As principais causas do dano alveolar difuso são sepse, politraumatismo, e grandes queimaduras. Quaisquer pneumonias podem também causá-lo, mas especialmente as virais. Outras etiologias incluem aspiração de conteúdo gástrico, ventilação mecânica com alta pressão de O2, inalação de gases tóxicos, embolia gordurosa, afogamento, pancreatite aguda, medicamentos, e circulação extracorpórea.
Nos primeiros 4-7 dias, ocorre a fase exsudativa, com congestão, formação de membranas hialinas, atelectasia, e vasoconstrição por hipoxemia alveolar. Depois, a fase proliferativa, com organização, fibrose, aparecimento de tecido de granulação nos espaços aéreos, e espessamento fibromuscular de artérias. Por fim, em 3-4 semanas, há a fase fibrótica, com remodelamento da cicatrização, bronquiectasia por retração, e insuficiência respiratória crônica.
Embolia pulmonar
É a obstrução parcial ou total da circulação arterial pulmonar por um corpo estranho (êmbolo) que se deslocou pela circulação sanguínea.
Classificação
- Segundo tipo de êmbolo:
- Embolia gasosa;
- Embolia gordurosa;
- Embolia de líquido amniótico;
- Tromboembolia;
- Ateroembolia;
- Embolia parasitária.
- Segundo tempo de deposição do êmbolo:
- Aguda;
- Crônica.
Embolia gasosa
O agente etiológico (perfuração torácica, injeção de ar, descompressão brusca) provoca bolhas de ar nos capilares pulmonares. O ar nos vasos provoca lesão endotelial e aumenta a permeabilidade capilar, podendo evoluir para dano alveolar difuso.
Embolia gordurosa
Quando há fratura de ossos longos ou trauma em tecidos moles, as gotículas de gordura dos tecidos atingem a circulação venosa sistêmica e adentram a circulação pulmonar. Os ácidos graxos provocam lesão endotelial, e aumentam a permeabilidade capilar, também podendo causar dano alveolar difuso.
Embolia de líquido amniótico
Trata-se de uma complicação grave do pós-parto imediato. Nela, fragmentos de tecidos fetais (escamas córneas) adentram a microcirculação pulmonar materna. O resultado é uma reação inflamatória imunomediada intensa, que pode evoluir para dano alveolar difuso.
Tromboembolia (TEP)
É a forma mais comum de embolia pulmonar. O tromboêmbolo origina=se à montante da obstrução, sendo a origem mais comum uma trombose venosa profunda (tromboses de veias superficiais raramente evoluem para embolias pulmonares). Tem consequências agudas e crônicas, e sua fisiopatologia depende do tamanho, do número, e da velocidade de formação dos êmbolos, sendo que os pacientes podem evoluir para:
- Morte súbita;
- Hipertensão pulmonar;
- Infarto pulmonar;
- Quadros subclínicos ou assintomáticos.
Fatores de risco para o desenvolvimento de uma trombose venosa profunda (TVP) incluem cateterismo venoso central, insuficiência cardíaca direita, imobilização, tabagismo, uso de anticoncepcionais orais, gravidez, e câncer. Além da TVP, os trombos também podem se originar do coração direito (dilatação, arritmias, infarto agudo do miocárdio, endocardite) ou, raramente, das artérias pulmonares (aterosclerose, aneurisma, hipertensão pulmonar).
TEP aguda maciça
Tromboêmbolos grandes ou vários tromboêmbolos menores ocluem abruptamente grande parte da circulação pulmonar, causando hipertensão pulmonar aguda e isquemia pulmonar difusa. O quadro evolui para cor pulmonale e insuficiência respiratória agudos, com possibilidade de morte súbita.
Um tipo especial é a TEP em sela ou a cavaleiro, que obstrui os ramos direito e esquerdo da artéria pulmonar.
TEP crônica
Mais comum, é provocada pela formação progressiva de tromboêmbolos menores, que ocluem crescentemente a circulação pulmonar. A hipertensão pulmonar e a isquemia pulmonar desenvolvidas são crônicas, bem como o cor pulmonale e a insuficiência respiratória. O ventrículo direito tem, portanto, tempo para se adaptar.
Essa forma de TEP, todavia, gera um ciclo vicioso, já que a congestão sistêmica provocada pela insuficiência cardíaca direita predispõe a TVP e a novas TEPs.
Infarto pulmonar
É uma área delimitada de necrose coagulativa do parênquima pulmonar causada por isquemia aguda.
Como a circulação pulmonar é dupla, infartos são raros, e requerem, geralmente, o comprometimento das duas circulações. Normalmente, acontecem por comprometimento da circulação pulmonar por evento agudo (ex.: TEP) aliado à incapacidade crônica (ex.: insuficiência cardíaca esquerda) da circulação brônquica de compensar a isquemia. Também pela circulação dupla, tendem a ser infartos hemorrágicos, pois o sangue continua chegando aos pulmões pela circulação brônquica, ainda que ela seja insuficiente para impedir a isquemia.
São mais comuns nos lobos inferiores, e podem ser múltiplos. Seu formato é triangular, com a base voltada para a pleura e o ápice indicando o ramo arterial obstruído, delimitando um segmento pulmonar. À medida que vão sendo cicatrizados, porém, a fibrose é linear, com retração da pleura.
Comumente, o paciente pode apresentar-se sem sintomas. Mas pode também apresentar dor torácica, dispneia, tosse, e hemoptise. As principais complicações são:
- Pleurite aguda fibrinosa (inflamação pleural por contiguidade), podendo evoluir para derrame pleural por exsudato;
- Abcesso (transformação da necrose isquêmica em necrose liquefativa por proliferação bacteriana).
Hipertensão pulmonar (HP)
Trata-se da elevação da pressão arterial na circulação pulmonar acima de 25mmHg em repouso e 30 mmHg no exercício. É considerada grave quando eleva-se acima de 40 mmHg. No entanto, como não se pode facilmente medir a pressão da artéria pulmonar, o diagnóstico precoce não é possível, sendo a detecção baseada no aparecimento de sintomas clínicos.
Pode ser primária (idiopática, mais comum em mulheres entre 30 e 40 anos) ou secundária. Etiologias podem ser:
- Passiva: insuficiência cardíaca esquerda;
- Obstrutivas: TEP, esquistossomose;
- Vasconstritivas: hipóxia alveolar em distúrbios ventilatórios (ex.: DPOC);
- Hipercinéticas: cardiopatias congênitas (sobrecarga de volume).
Consequências incluem:
- Sobrecarga de pressão sobre o ventrículo direito (com cor pulmonale, exceto no caso da HP passiva);
- Lesões arteriais (aterosclerose, arteriolosclerose), que retroalimentam a HP.
Referência(s)
Aula do professor Renato Laboissiere.