Avaliação anestésica pré-operatória: jejum, via aérea, e fatores de risco do paciente

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Importância da avaliação pré-anestésica

O ambiente cirúrgico é formado por uma tríade inseparável: paciente, procedimento, e anestesia. Antes da realização de anestesia, salvo em situações de urgência, cabe ao médico anestesiologista avaliar as condições clínicas do paciente e decidir se é conveniente ou não o ato anestésico. Idealmente, essa avaliação deve ser feita antes da admissão ao ambiente hospitalar em cirurgias eletivas.

A avaliação ocorre nas seguintes etapas:

Os objetivos da avaliação anestésica incluem:

  • Aliviar o medo do paciente da cirurgia e/ou da anestesia (é extremamente frequente o medo da anestesia, até mais que o medo da própria cirurgia);
  • Respaldo legal (resolução CFM 2174/2017);
  • Orientação sobre uso de medicações no pré-operatório;
  • Conhecimento de problemas anteriores relacionados à anestesia;
  • Individualização antecipada do planejamento anestésico;
  • Redução da morbidade cirúrgica;
  • Redução do risco ao paciente.

Avaliação da via aérea

Visa a avaliação da dificuldade de intubação orotraqueal por laringoscopia direta e da dificuldade de ventilação sob máscara facial. A avaliação mais frequente é a avaliação de Mallampati, e, quanto mais alta a pontuação do paciente, mais difícil sua via aérea.

Fonte.

A avaliação de Mallampati é feita pedindo ao paciente para abrir a boca e colocar a língua para fora sem realizar fonação, na altura dos olhos do cirurgião.

Ainda avalia-se:

  • Alinhamento mandíbulo-maxilar (prognatismo ou retrognatismo);
  • Mobilidade mandibular;
  • Mobilidade cervical (extensão e flexão);
  • Palpação cervical (em busca de massas);
  • Abertura da boca ou distância entre incisivos (idealmente superior a 3 cm);
  • Distância tireo-mento (idealmente superior a 5 cm);
  • Distância tireo-esternal (idealmente superior a 12 cm).

Por fim, caso haja dificuldade de intubação, o paciente deve ser informado, para que possa informar isso ao anestesiologista em cirurgias futuras. Hoje em dia, o paciente recebe um cartão de via aérea difícil.

Com a avaliação adequada do paciente com via aérea difícil, é possível prepará-lo adequadamente, com equipamentos como o vídeo-laringoscópio.

Jejum pré-operatório

O jejum pré-operatório garante que o paciente esteja de estômago vazio na hora da cirurgia, evitando que ele aspire o conteúdo gástrico durante a anestesia.

Em pacientes sem doenças ou obstruções gástricas que aumentem o risco de aspiração, as orientações gerais são:

AlimentoTempo de jejum
Líquidos claros (até 100 mL)2 h
Leite materno4 h
Fórmula infantil e leite não humano6 h
Alimentos leves (não gordurosos)6 h
Alimentos gordurososMais de 8 h

É importante frisar que o jejum prolongado não é indicado, pois causa problemas na resposta metabólica ao trauma, devido ao esgotamento das reservas hepáticas de glicogênio, além de aumentar a ansiedade pré-operatória.

Avaliação do risco anestésico-cirúrgico

O risco anestésico-cirúrgico decorre do estado geral do paciente e do vulto da operação, que consiste nas condições médico-hospitalares e no porte do procedimento anestésico-cirúrgico.

A avaliação do porte do procedimento permite estratificação do risco ao paciente de morte ou IAM dentro de 30 dias da cirurgia. Alguns exemplos de cirurgias de pequeno, médio, e grande porte são:

Pequeno porte

Baixo risco (<1%)
Médio porte

Risco intermediário (1-5%)
Grande porte

Alto risco (>5%)
MamaAbdominalCirurgia aórtica emergencial
OftálmicaCirurgia de cabeça e pescoçoCirurgia vascular abdominal eletiva
DentalCarótidaIntestino grosso (urgência ou emergência, grandes cirurgias do aparelho digestivo)
EndócrinaReparo de aneurisma endovascular ou angioplastia arterial periféricaProcedimentos gerais abdominais de grande porte em pacientes com mais de 69 anos
GinecológicaNeurocirurgias principaisRevisões complexas de quadril ou joelho
ReconstrutivaOrtopédicas principais (ex.: quadril e coluna vertebral)Fraturas de pescoço ou fêmur em pacientes com mais de 69 anos
Urológica menorTransplante renalEsôfago, estômago, duodeno (procedimentos complexos)
Ortopédica menor (ex.: cirurgia no joelho)Urológicas de maior porte (cistectomias, grandes ressecções urológicas)Cirurgia arterial dos MMII
Transplante de fígado
Ou com condições clínicas descompensadas

Quanto maior o porte da cirurgia, maior será a REMIT.

Introdução à avaliação do sistema respiratório

Tabagismo

O cálculo de carga tabágica em anos-maço ([número de cigarros diários ÷ 20] × ano) é feito para estratificação do risco. Pacientes com carga superior a 20 anos-maço têm aumento do risco de complicações pulmonares por hiperreatividade brônquica, aumento de secreção pulmonar, e atelectasias.

A interrupção do tabagismo traz benefícios ao paciente, sendo que o tempo de interrupção implica em:

  • Acima de 8 semanas: redução de 50% das complicações respiratórias no pós operatório;
  • 3-4 semanas: melhora da ferida operatória;
  • 24-48 h: melhora da depuração muco-ciliar, redução dos níveis de carboxiemoglobina e nicotina;
  • 12 h: redução dos níveis de carboxiemoglobina.

A avaliação mais utilizada é a escala de Torrington e Henderson.

Introdução à avaliação do sistema cardiovascular

Alterações da volemia, distúrbios hidroeletrolíticos, e a própria resposta orgânica ao trauma (ROT) podem causar dano cardiovascular. Por isso, deve-se fazer a avaliação do estado prévio de saúde cardiovascular, que pode se dar por índices clínicos de risco e/ou por exames cardíacos.

Os principais índices incluem:

  • Estado físico pela ASA:
    1. Paciente saudável;
    2. Paciente com doença sistêmica leve;
    3. Paciente com doença sistêmica grave;
    4. Paciente com doença sistêmica grave, que é uma ameaça constante à vida;
    5. Paciente moribundo, sem expectativa de sobreviver sem a operação;
    6. Paciente com morte cerebral declarada, doador de órgãos;
  • Índice Goldman e Lee de risco cardíaco;
  • ACS NSQIP Surgical Risk Calculator.

Uma etapa importante da avaliação cardiovascular é a capacidade funcional em MET (metabolic equivalents), que é o gasto de oxigênio do paciente em ml/kg/min, sendo que 1 MET = 3,5 ml/kg/min de oxigênio em repouso. Isso pode ser avaliado por testes ergométricos ou, novamente, por avaliação clínica de níveis funcionais de exercício. Uma capacidade superior a 4 METs é adequada para a maioria dos pacientes cirúrgicos, mas o ideal é estar superior a 7 METs.

O fluxograma preconizado pela AHA para operação de pacientes em cirurgias não cardiovasculares é o seguinte:

Fonte.

Etapas da avaliação perioperatória

  1. Verificar as condições clínicas do paciente;
  2. Avaliar a capacidade funcional;
  3. Estabelecer o risco intrínseco associado ao tipo de procedimento;
  4. Decidir sobre a necessidade de testes para avaliação complementar;
  5. Adequar o tratamento;
  6. Efetuar acompanhamento perioperatório;
  7. Planejar a terapêutica a longo prazo.

Alta da sala de recuperação pós-anestésica (SRPA)

No centro cirúrgico, após o fim da cirurgia, quando o paciente já está consciente, ele é transportado à SRPA, onde avalia-se certos parâmetros, como:

  • FC;
  • Reações alérgicas;
  • Sangramento;
  • Prurido;
  • Retenção urinária;
  • PA;
  • Temperatura;
  • SpO2;
  • Náusea ou vômito;
  • Dor.

A avaliação desses parâmetros deve ser feita em intervalos não superiores a 15 minutos na primeira hora do pós-operatório. A alta é dada quando:

  • Paciente atinge 9 ou 10 pontos no índice de Aldret e Kroulik;
  • Não há náusea ou vômito;
  • A dor está controlada;
  • O sangramento cirúrgico é mínimo.

Referência(s)

Aula do professor Emerson Seiberlich Rezende.


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