Doença hemorroidária
Hemorroidas são coxins de tecido vascularizado na submucosa do canal anal, contendo vasos sanguíneos, tecido conectivo, e músculo. Possuem função de continência e de captação de informação sensitiva. Não são, portanto, estruturas patológicas por si só. A doença hemorroidária surge quando há sintomas.
Epidemiologia
- Queixa de 2,2 milhões de consultas/ano nos EUA.
- Pico de incidência: 45-65 anos.
- Fatores de risco:
- História familiar;
- Obesidade;
- Tabagismo;
- Dieta rica em gorduras;
- Etilismo;
- Baixa ingesta de líquidos;
- Alto consumo de especiarias (possivelmente).
Classificação
- Quanto à localização:
- Internas (proximais à linha pectínea);
- Externas (distais à linha pectínea, acometendo anoderme);
- Mistas.
- Quanto à gravidade (se internas):
- Grau I: sangramento durante a evacuação, sem prolapso;
- Grau II: prolapso durante evacuação, com retorno espontâneo;
- Grau III: prolapso espontâneo ou durante evacuação, redutível manualmente;
- Grau IV: prolapso irredutível.
Avaliação clínica
- Hemorroidas internas costumam provocar sangramento indolor, enquanto as externas são dolorosas.
- Trombose hemorroidária externa: quadro agudo, de dor súbita e intensa.
- Necrose e infecção são raras.
- No exame físico, deve-se realizar anuscopia e retoscopia, solicitando ao paciente manobras de esforço.
- Colonoscopia está indicada apenas caso haja indicação de descartar neoplasia.
- Pode haver constipação e/ou incontinência fecal.
Tratamento
- Modificação de dieta (ingestão adequada de fibras, podendo, inclusive, ser iniciada suplementação);
- Tratar constipação/diarreia;
- Orientar quanto a higiene (lavar em vez de utilizar papel higiênico) e a limitar tempo no vaso;
- Medicações (alívio sintomático):
- Flebotônicos (diosmina, hesperidina);
- Agentes tópicos (emolientes, corticoides, anestésicos) → Pouco eficazes, manter apenas se for da preferência do paciente e não houver efeitos colaterais significativos;
- Intervenções ambulatoriais:
- Ligadura elástica;
- Coagulação infravermelha;
- Injeção de agentes esclerosantes;
- Tratamento cirúrgico:
- Excisão (técnicas de Milligan-Morgan ou Ferguson);
- Hemorroidectomia guiada por Doppler;
- Hemorroidopexia grampeada.
Coleções anais
O abscesso é um processo supurativo agudo da glândula anal, enquanto a fístula é a sua cronificação.
Abscessos
Epidemiologia
- Mais comuns em homens (2:1 a 7:1, a depender da casuística).
- Pico de incidência: entre a 3ª e a 5ª décadas de vida.
Quadro clínico
- Dor;
- Febre;
- Massa;
- Abaulamento;
- Eritema;
- Flutuação (processo avançado).
Tratamento
- Padrão-ouro: drenagem.
- Antibióticos indicados em caso de:
- Celulite importante;
- Imunossupressão;
- Comorbidades sistêmicas.
Fístulas
Classificação de Parks
- Interesfincteriana: trajeto confinado ao plano interesficteriano (45%);
- Transesfincteriana: trajeto conecta o plano interesfincteriano à fossa isquiorretal (perfura esfíncter externo) (30%);
- Supraesfincteriana: similar à transesfincteriana, mas forma uma alça, acometendo o músculo elevador do ânus (20%);
- Extraesfincteriana: trajeto conecta o reto à pele, externa ao plano esfincteriano (5%).
Etiologias
- Origem criptoglandular (90%);
- Doença de Crohn;
- Tuberculose;
- HIV;
- Radiação;
- Trauma.
Fístulas complexas
Definição varia entre autores, mas pode-se citar as fístulas:
- Anorretais altas;
- De múltiplos trajetos;
- Recidivadas;
- Retovaginais;
- Retouretrais;
- Pouch-vaginais;
- Pouch-uretrais;
- Secundárias à doença de Crohn;
- Secundárias à radiação;
- Comórbidas a incontinência prévia.
Quadro clínico
- Sintomas típicos:
- Secreção (purulenta, sanguinolenta);
- Dor;
- Desconforto;
- Abscessos recorrentes.
- Sintomas específicos a fístulas complexas:
- Fecalúria;
- Pneumatúria;
- Dispareunia;
- ITU.
- Exame físico:
- Toque retal;
- Anuscopia;
- Teste tampão com azul de metileno.
Propedêutica complementar
- Indicada somente caso haja fístulas complexas.
- USG: sensibilidade 87%, especificidade 43%.
- RM: sensibilidade 87%, especificidade 69%.
Tratamento cirúrgico
- Fistulotomia: indicada a:
- Fístulas simples interesfinctéricas ou transesfinctéricas baixas;
- Menos de 30% do esfíncter acometido.
- Taxas de sucesso: 92-97%.
- Risco de incontinência: 0-70%. Fatores de risco:
- Sexo feminino;
- Fístulas já recidivadas;
- Função limítrofe;
- Incontinência prévia.
- Em fístulas complexas, a fistulotomia envolve um tradeoff entre preservação de músculo (melhor continência) e melhor controle da fístula. Então, alternativas incluem:
- Ligation of intersphincteric fistula tract (LIFT);
- Avanço de retalho;
- VAAFT;
- Interposição de tecido;
- Opções menos utilizadas:
- Cola de fibrina;
- Laser;
- Plug biológico;
- Células tronco mesenquimais;
- Clip.
Fissuras anais
Solução de continuidade do anoderma na região do canal anal, expondo o esfíncter interno do ânus.
Fisiopatologia
- Difícil cicatrização, pois é uma área de menor perfusão e de hipertonia esfincteriana.
- Paciente costuma ter antecedente de constipação ou diarreia.
- Acomete a linha média posterior em até 90% dos casos. Quando as fissuras estão fora da linha média e/ou são múltiplas, podem ser secundárias a:
- Doença de Crohn;
- Sífilis;
- Tuberculose;
- HIV;
- Malignidades hematológicas.
Quadro clínico
- Quando aguda (≤ 8 semanas):
- Dor aguda intensa (especialmente após a evacuação);
- Sangramento.
- Quando crônica:
- Plicoma sentinela;
- Fissura;
- Papila hipertrófica.
Tratamento
- Correção dietética, possivelmente com suplementação de fibras;
- Banhos de assento;
- Nitratos ou BCCs (preferencial: diltiazem);
- Toxina botulínica (esfincterotomia química);
- Esfincterotomia interna → Altamente eficaz, mas gera incontinência em 8-30% dos pacientes, a depender de continência prévia e de quantidade de músculo seccionado;
- Retalho anocutâneo → Menos eficaz, mas gera menos incontinência.
Referência(s)
Aula do professor Fábio Gontijo Rodrigues.