Conjunto formado pela doença de Crohn (DC) e pela retocolite ulcerativa (RCUI). São consideradas doenças autoimunes.
Epidemiologia
- Incidência precisa é incerta, mas é maior em países desenvolvidos. Portanto, tem crescido no Brasil.
- Prevalência entre 5-7 a cada 10 mil em países desenvolvidos.
- Distribuição equivalente nos sexos masculino e feminino.
- Picos de incidência na 3ª e, mais raramente, na 7ª década de vida.
- História familiar é um fator de risco, mas não está completamente esclarecida a genética da doença.
Patologia
Retocolite ulcerativa
- Macroscopia:
- Acomete exclusivamente o cólon, com pior acometimento distalmente;
- Inflamação confinada à mucosa e à submucosa, que tem aspecto edemaciado, granuloso, e friável;
- Presença de pseudopolipose (ilhas de mucosa normal circundadas por mucosa inflamada, que acabam assemelhando-se a pólipos);
- Cólon de aspecto externo normal a encurtado.
- Microscopia:
- Infiltrado inflamatório polimorfonuclear mucoso e submucoso;
- Camadas muscular e serosa de aspecto normal;
- Depleção de células caliciformes;
- Angiectasias;
- Microabscessos de criptas (achado pouco sensível, altamente específico).
Doença de Crohn
- Macroscopia:
- Todo o intestino pode ser acometido;
- Inflamação transmural, que deixa a parede rígida e fibrosa;
- Acometimento submucoso cria aspecto de calçamento;
- Acometimento mesentérico e linfonodal acentuados;
- Mucosa com úlceras aftoides profundas, que podem fistulizar;
- Intestino encurtado, endurecido, e estenosado.
- Microscopia:
- Infiltrado linfoplasmocítico e agregados linfoides;
- Edema submucoso acentuado e fibrose;
- Granulomas epitelioides do tipo sarcoide;
- Abscessos de cripta podem estar presentes.
Quadro clínico
Retocolite ulcerativa
- Apresentações:
- RCUI crônica recidivante (95%);
- RCUI crônica contínua;
- RCUI aguda fulminante (rara).
- Curso de remissões e exacerbações, que podem ou não ser gravez.
- Doença localizada, que sempre compromete o reto:
- Proctossigmoidite;
- Colite distal;
- Pancolite (que pode complicar com ileíte de refluxo);
- Pouchitis (inflamação da bolsa após colectomia).
- Sintomatologia:
- Diarreia (aquosa ou mucopiossanguinolenta);
- Hematoquezia;
- Tenesmo;
- Cólicas abdominais (menos comuns);
- Febre (doença grave);
- Adinamia;
- Perda de peso;
- Constipação (se proctite);
- Manifestações anais (raras);
- Megacólon tóxico:
- Distensão abdominal;
- Taquicardia;
- Choque.
- Escala de gravidade: Truelove e Witts modificada.
Doença de Crohn
- Pode acometer qualquer ponto do TGI, da boca ao ânus, sendo principalmente:
- Íleo e cólon ascendente (40%);
- Intestino delgado (20-30%);
- Cólon (20-30%).
- Acomete pacientes mais jovens que a RCUI.
- Início insidioso, raramente súbito. A evolução é imprevisível e contínua.
- Fistulização é frequente.
- Fatores causadores de exacerbação:
- Infecções respiratórias;
- Infecções entéricas;
- Tabagismo;
- Uso de AINEs.
- 70% dos pacientes necessitará ao menos uma intervenção cirúrgica em algum momento da vida.
- Sintomatologia:
- Dor abdominal intermitente, em cólicas, em FID;
- Diarreia;
- Perda de peso;
- Manifestações anoperineais;
- Massa abdominal;
- Anorexia;
- Adinamia;
- Febre;
- Sudorese noturna;
- Sangramento reto anal (mais raro que na RCUI);
- Anemia;
- Desnutrição;
- Fístulas enterocutâneas;
- Atraso do DNPM;
- Sintomas urinários;
- Abdome agudo inflamatório;
- Obstrução intestinal.
- Classificação utilizada: de Vienna ou Montreal (age, location, behavior).
- Escala de gravidade: Crohn’s Disease Activity Index (CDAI).
Manifestações extraintestinais
Decorrem do caráter autoimune das DIIs.
Diagnóstico
Diagnósticos diferenciais
- Disenteria por Shigella;
- Enterocolite por Salmonella;
- Colite por Clostridioides (megacólon tóxico);
- Colite amebiana;
- Gastroenterite por Campilobacter;
- Esquistossomose aguda;
- Colite isquêmica;
- Colite colagenosa;
- Colite de derivação;
- Tumores colorretais;
- Retite actínica.
Retocolite ulcerativa x Doença de Crohn
Retocolite ulcerativa | Doença de Crohn | |
---|---|---|
Localização | Cólon, especialmente esquerdo, sempre acomete reto | Qualquer porção do TGI, principalmente íleo terminal e cólon direito |
Acometimento | Contínuo | Salteado |
Fístulas | Raras | Frequentes |
Inflamação | Mucosa e submucosa | Transmural |
Ulcerações | Difusas e superficiais | Lineares e profundas |
Sangramento ativo | 98% dos pacientes | 20% dos pacientes |
Dor abdominal | Rara | Frequente |
Lesões anais | Raras | 35-45% dos pacientes |
Displasia e carcinoma | Risco elevado | Risco moderado |
Recidiva pós-colectomia | Rara | 60-70% dos pacientes |
Massa abdominal | Rara | Frequente |
Estenoses | Raras (descartar carcinoma) | Frequentes (benignas) |
Colite aguda | Relativamente frequente | Rara |
Propedêutica complementar
- Endoscopia:
- Retossigmoidoscopia (RCIU);
- Colonoscopia (fundamental na RCIU, na DC é necessário que penetre o íleo);
- EDA (fundamental na DC);
- Enteroscopia com cápsula endoscópica (DC);
- TC ou USG abdominal (especialmente para identificação de complicações infecciosas);
- Enterografia por TC ou RM (DC);
- RX de abdome (abdome agudo);
- Exames laboratoriais:
- Hemograma (anemia frequente);
- Albumina;
- Marcadores inflamatórios:
- PCR;
- VHS;
- Calprotectina fecal;
- Ácido fólico;
- Vitamina B12;
- Função hepática;
- pANCA e ASCA (diagnóstico diferencial na colite indeterminada).
Tratamento
- Como são doenças autoimunes, não têm cura, mas podem ser controladas eficientemente.
- Divide-se em duas fases, objetivando a remissão: indução e manutenção.
Tratamento clínico
- Para controle da reação autoimune, estão disponíveis os medicamentos (dos mais antigos ao mais modernos):
- Corticosteroides (prednisona, budesonida) → Devem ser utilizados apenas na indução, pois têm efeitos colaterais importantes, além do que o paciente progressivamente desenvolve resistência ao seu efeito;
- Aminosalicilatos/Derivados dos 5-ASAs (sulfasalazina, mesalazina);
- Imunomoduladores (azatioprina, mercaptopurina, metotrexato);
- Imunobiológicos (anti-TNF, anti-integrina, anti-IL, anti-JAK).
- Existe também papel de:
- Antibióticos (metronidazol, ciprofloxacino);
- Terapia nutricional.
Retocolite ulcerativa
- Corticosteroides podem ser feitos VO, EV, ou como enemas (acometimento retal importante).
- Para manutenção, mesalazina e imunossupressores são os principais medicamentos.
- Imunobiológicos são empregados na refratariedade.
Doença de Crohn
- Abordagem clássica: step up (inicia-se pelas abordagens menos efetivas, com menos efeitos colaterais, e escalona-se o tratamento conforme a gravidade):
- Antibióticos + Aminosalicilatos;
- Imunomoduladores + Corticosteroides;
- Cirurgia + Imunobiológicos.
- Abordagem atual: step down (inicia-se com tratamentos agressivos e, a partir da melhora dos sintomas, medicações são desescalonadas):
- Imunomoduladores + Imunobiológicos;
- Imunomoduladores + Corticosteroides + Aminosalicilatos;
- Imunomoduladores + Antibióticos + Aminosalicilatos;
- Cirurgia (alguns pacientes talvez possam se beneficiar de abordagem cirúrgica precoce, com a doença localizada).
- Dado o caráter progressivo da doença, existe uma janela de oportunidade de cerca de 18 meses após o início da doença em que a intervenção implicará melhores desfechos no longo prazo.
Tratamento cirúrgico
Não tende a ser curativo na DC, mas na RCUI pode sê-lo, caso seja feita colectomia total. Assim, o objetivo principal é melhora da qualidade de vida.
Retocolite ulcerativa
- Indicações eletivas:
- Intratabilidade clínica;
- Displasia ou malignização;
- Manifestações extraintestinais graves.
- Indicações urgentes:
- Megacólon tóxico;
- Colite fulminante;
- Perfuração;
- Obstrução intestinal (sempre suspeitar neoplasia).
- Cirurgia (proctocolectomia total) pode ser indicada para minimizar risco de carcinoma, sendo fatores de risco:
- Pancolite;
- Tempo prolongado de duração da doença;
- Idade precoce ao diagnóstico.
- A partir de 7-8 anos de evolução, colonoscopia deve ser feita a cada 2 anos, com biópsias de áreas suspeitas.
- Opções cirúrgicas:
- Proctocolectomia total com reservatório íleo-anal (evita ostomização);
- Proctocolectomia com ileostomia definitiva;
- Colectomia total de urgência;
- Colectomia total com íleo-reto-anastomose (caso reto não esteja severamente comprometido).
Doença de Crohn
- Indicações cirúrgicas:
- Complicações:
- Obstrução intestinal;
- Fístulas;
- Perfuração;
- Abscessos;
- Hemorragias;
- Intratabilidade clínica;
- Restauração de função;
- Suspensão de medicamentos;
- Atraso do DNPM;
- Prevenção de carcinoma (em presença de colite).
- Complicações:
- Opções cirúrgicas:
- Ressecções intestinais:
- Enterectomia;
- Ileocolectomia;
- Colectomia;
- Proctocolectomia;
- Plastia de estenose (strictureplasty);
- Drenagem de abscessos;
- Derivações (bypasses) intestinais → Raramente indicadas, porque isolam uma parte do intestino, que é sujeita a malignização;
- Intervenções anoperineais.
- Ressecções intestinais:
Referência(s)
Aula do professor Antônio Lacerda Filho.