Preparo pré-operatório: jejum, tricotomia, hidratação, antibioticoprofilaxia, etc

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Conceituação do pré-operatório

O pré-operatório começa a partir do momento em que há indicação cirúrgica, podendo ser assim delimitado:

Mesmo nos procedimentos emergenciais esse período merece atenção, e os cuidados pré-operatórios devem ser seguidos.

Cuidados pré-operatórios

Podem estar relacionados a demandas específicas da condição clínica do paciente ou particularidades técnicas de certo procedimento. Há, ainda, demandas universais, necessárias a todos os pacientes cirúrgicos.

É responsabilidade do cirurgião determinar quais cuidados devem ser implementados a cada paciente, e qual profissional de saúde deverá ser encarregado de cada um deles.

Preparo psicológico

O momento de comunicar ao paciente a necessidade de tratamento cirúrgico é delicado, e pode ser difícil para alguns pacientes.

A primeira reação da maioria dos pacientes é de medo, o que é normal. No entanto, a falta de conhecimento e a falta de confiança podem agravá-lo. Em consequência, associam-se a ele sentimentos de estresse, ansiedade, e depressão.

Para evitar isso, a decisão cirúrgica deve ser compartilhada: o paciente precisa ter informação sobre os prós e contras do procedimento, para ter capacidade de optar ou não por ele.

Além disso, o cirurgião precisa ser empático e sensível. É preciso entender razões do medo do paciente, que incluem medo:

  • Do desconhecido;
  • Do procedimento cirúrgico;
  • Da anestesia;
  • Da dor e dos vômitos pós-operatórios;
  • Das complicações e sequelas;
  • Da morte.

Para mitigá-las, o cirurgião precisa discutir os medos do paciente, demonstrando-se dedicado e competente para executar a operação. Ademais, o paciente deve compreender que a não realização do procedimento implicaria mais sofrimento, ou ele não seria indicado. Informações que o paciente deve receber incluem dados sobre:

  • O diagnóstico e a operação;
  • Analgesia pós-operatória, incluindo o fato de que ela será prescrita já antes mesmo do pós-operatório;
  • Possibilidades de sequelas (ex.: ostomias, esterilidade, amputações) e reabilitação;
  • Uso de drenos e cateteres;
  • Anestesia e seus avanços;
  • Manutenção de qualidade de vida no pós-operatório.

O paciente deve, portanto, ser informado numa discussão franca e otimista. Ele deve conhecer os aspectos de sua afecção e a indicação cirúrgica, a importância dos exames e preparos pré-operatórios, o sumário do procedimento anestésico-cirúrgico (incluindo suas possíveis sequelas), as consequências da não-realização da cirurgia, o que acontecerá no pós-operatório, e as providências que estão sendo tomadas em relação às suas demandas clínicas específicas.

Finalmente, é recomendado que, ao menos na última consulta pré-operatória, o paciente esteja acompanhado de um familiar ou ente querido.

Preparo inicial

  1. Indicar (ou não) a necessidade de iniciação ou continuação de tratamento clínico pré-operatório, seja ele relacionado à afecção cirúrgica ou à comorbidade do paciente. Para isso, pode-se contar com o auxílio do clínico.
  2. Conhecer os medicamentos em uso pelo paciente, pois pode ser necessário o ajuste pré-operatório de doses.
  3. Avaliar o estado nutricional e imunológico do paciente, indicando, se necessária, suplementação.
  4. Coibir tabagismo, alcoolismo, e uso de outras drogas.
  5. Indicar e iniciar fisioterapia e/ou exercícios físicos específicos.

Medidas de preparo imediato

O preparo imediato é realizado horas antes da operação. Nos últimos anos, tem sido evitada a internação no dia anterior do paciente. A conduta atual é a internação pelo mínimo de tempo possível, embora alguns pacientes possam exigir que certos preparos (ex.: compensação de condições clínicas, lavagem gástrica) sejam realizados em ambiente hospitalar, exigindo um maior tempo de internação.

Jejum

Para minimizar o risco de aspiração de conteúdo gástrico, o paciente deve ficar em jejum pré-operatório. No entanto, esse jejum deve ser feito pelo mínimo tempo necessário. Do contrário, a ROT pode ser prejudicada.

Degermação pré-operatória

Cerca de 1-2 h antes de o paciente ser encaminhado ao bloco cirúrgico, a área de incisão deve ser limpa com solução degermante (PVPI ou clorexidina).

Tricotomia pré-operatória

Como altera a microbiota da pele, e pode causar lesões, deve ser evitada. Entretanto, ela pode ser necessária em áreas com muitos pelos, que atrapalhariam a operação e poderiam funcionar, inclusive, como corpos estranhos. Pata minimizar os riscos, recomenda-se que:

  • Não se tricotomize cílios e sobrancelhas;
  • Seja realizada, no máximo, 2 h antes da cirurgia;
  • A área de tricotomia seja limitada, não incluindo a vizinhança do sítio cirúrgico;
  • A tonsura (corte) seja preferida à tricotomia elétrica, e a tricotomia elétrica seja preferida à tricotomia com lâmina.

Lavagem intestinal

É realizada com uso de solução glicerinada, que dissolve as fezes já formadas. Costumava ser uma rotina do pré-operatório de operações intestinais, porém, isso é dificultado pela internação do paciente no dia da operação, então tem sido feita de forma mais restritiva (pacientes com incontinência fecal ou constipação). Seus objetivos são:

  • Evitar a expulsão involuntária de fezes durante o ato cirúrgico, especialmente em pacientes idosos e com incontinência fecal;
  • Prevenir que o paciente tenha vontade de evacuar no pós-operatório imediato;
  • Evitar que fezes não eliminadas fiquem muito ressecadas e sejam muito difíceis de serem evacuadas (mais provável em pacientes constipados).

Esvaziamento vesical

Todos os pacientes são solicitados que urinem imediatamente antes do encaminhamento ao bloco cirúrgico. Isso evita que o paciente sinta urgência urinária no momento da operação, e que desenvolva uma retenção urinária no pós-operatório, o que exigiria cateterismo vesical.

Apesar do risco de infecção, alguns pacientes têm indicação profilática de cateterismo, que são aqueles:

  • Submetidos a operações prolongadas (> 4 h);
  • Com risco significativo de retenção urinária no pós-operatório (ex.: hiperplasia prostática, estenose de uretra);
  • Com necessidade de monitorização rigorosa do débito urinário (ex.: idosos, desnutridos, cardiopatas);
  • Submetidos a operações pélvicas, em que a distensão da bexiga dificulte a exposição do sítio cirúrgico;
  • Submetidos a cistorrafia.

Hidratação venosa pré-operatória

  • Indicada a pacientes:
    • Desidratados;
    • Complicados (obstrução intestinal, peritonite, hemorragia, icterícia);
    • Submetidos a preparo de cólon;
    • Nos extremos de idade (recém-nascidos e idosos);
    • Obesos.
  • Deve ser feita cuidadosamente (risco de excesso de hidratação) em pacientes:
    • Com ICC;
    • Nefropatas crônicos;
    • Gravemente desnutridos.

Cateterismo venoso

A maioria dos pacientes pode ser hidratada e medicada por meio de um acesso venoso periférico. O acesso venoso central é indicado em pacientes que necessitem:

  • Monitorização da pressão venosa central;
  • Administração de certos medicamentos durante e após a operação (ex.: aminas simpatomiméticas);
  • Administração rápida de líquidos e hemoderivados;
  • Acesso alternativo por dificuldade de punção de veias periféricas (ex.: submetidos a quimioterapia e a longas internações);
  • Jejum pós-operatório prolongado;
  • Hidratação venosa por vários dias.

Preparo do cólon

Trata-se da remoção mecânica de fezes do intestino grosso, que já foi uma rotina nas cirurgias intestinais. Como vantagens, esse procedimento diminui a contaminação cirúrgica e a pressão intraluminal, o que diminui a ocorrência de deiscências e fístulas anastomóticas.

Atualmente, as indicações para esse processo são:

  • Absoluta: esofagocoloplastia;
  • Relativas:
    • Operações sobre o reto;
    • Cirurgia laparoscópica.

As etapas do preparo são:

  • Preparo mecânico (remover as fezes já formadas):
    • Dieta líquida, sem resíduos;
    • Laxativos, catárticos, e enemas;
  • Preparo químico (descontaminação seletiva do cólon): ingestão oral de antibióticos na véspera da operação.

O preparo químico tem tido sua utilidade questionada. No entanto, é bem validada a utilidade de antibioticoprofilaxia endovenosa algumas horas antes do início da operação, normalmente com:

  • Gentamicina + Metronidazol;
  • Ceftriaxona + Metronidazol;
  • Cefuroxima + Cefoxetina.

Educação para o pós-operatório

Na educação para o pós-operatório, o paciente deve receber orientações simples, mas que sejam relevantes para prevenção de complicações importantes (ex.: TVP, atelectasia).

Como o paciente tem mais energia no pré-operatório, ele deve receber essas orientações antes da operação. As principais são:

  • Respeito à posição de leito prescrita;
  • Necessidade de mudança de decúbito no leito e/ou movimentação ativa e passiva de membros inferiores;
  • Deambulação precoce;
  • Importância da fisioterapia e reeducação respiratória;
  • Realização de inspirações profundas periódicas;
  • Contenção da ferida abdominal em caso de tosse voluntária;
  • Respeito à prescrição de jejum e à dieta liberada.

Reservas cirúrgicas

Tratam-se das condutas que o cirurgião e sua equipe precisam tomar para garantir que todos os equipamentos e materiais necessários estejam disponíveis ao paciente no momento da operação.

Assim como todo o processo pré-operatório, dependem das demandas do procedimento e do paciente específico. Para todos os problemas que podem ser apresentados, as soluções precisam estar disponíveis.

Por isso, antes mesmo da internação do paciente, o cirurgião tem a responsabilidade (que pode ser delegado à sua equipe, embora ele deva realizar a conferência, por ser judicialmente responsável por possíveis negligências) de realizar e verificar as reservas necessárias.

As principais reservas cirúrgicas são:

  • Hemocomponentes: necessários a operações ou pacientes de alto risco de sangramento. O cirurgião precisa especificar quais os componentes e volumes necessários.
  • CTI: uma vaga deve ser garantida aos pacientes com risco de evoluir com instabilidade, o que é mais frequente em operações:
    • Cardíacas;
    • Neurocirurgias (especialmente com craniotomia);
    • De transplante;
    • Bariátricas (especialmente em obesos mórbidos);
    • Em idosos ou pacientes com comorbidades graves.
  • Órteses e próteses: são dispositivos, por vezes de alto custo, implantados durante as cirurgias. Incluem:
    • Órteses (favorecem melhor desempenho de um órgão, temporária ou permanentemente):
      • Marca-passos;
      • Drenos de sucção convencional;
      • Cateteres venosos centrais implantáveis;
      • Aparelhos de surdez;
      • Muletas;
    • Próteses (substituem um órgão ou parte dele, temporária ou permanentemente):
      • Válvulas cardíacas;
      • Próteses de quadril;
      • Telas de polipropileno;
      • Lentes intraoculares;
      • Pernas mecânicas.
  • Equipamentos;
  • Materiais não-padronizados: devem ser informados ao hospital com antecedência, para que a aquisição possa ser feita.
  • Corte de congelação: exame anátomo-patológico intra-operatório, realizado especialmente em procedimentos oncológicos, para avaliar as margens.
  • Exames de imagem peroperatórios.

Preparos especiais

Tratam-se de processos empregados em operações que possuem circunstâncias particulares. Vários deles serão discutidos ao longo da disciplina, mas aqui serão discutidos alguns preparos especiais em cirurgia digestiva.

Pacientes com estenose pilórica

A estenose pilórica é um diagnóstico sindrômico marcado por:

  • Náuseas e vômitos;
  • Plenitude pós-prandial;
  • Saciedade precoce;
  • Emagrecimento.

Etiologias capazes de causá-la são de tratamento majoritariamente cirúrgico, e incluem:

  • Úlcera péptica;
  • Carcinoma gástrico;
  • Antrite corrosiva;
  • Estenose hipertrófica congênita;
  • Compressões extrínsecas.

As principais repercussões clínicas da estenose pilórica são secundárias à estase gástrica, que leva a vômitos prolongados e repetidos, causando:

  • Risco de aspiração;
  • Desnutrição proteico-calórica:
    • Deficit de vitamina K e hipoprotrombinemia;
  • Desidratação e hipovolemia:
    • Distúrbios eletrolíticos:
      • Hiponatremia;
      • Hipocloremia;
      • Hipopotassemia;
    • Alcalose metabólica.

No pré-operatório de pacientes com essa condição, é necessário:

  • Diagnosticar e tratar distúrbios hidroeletrolíticos e ácido-básicos;
  • Avaliar e tratar condições nutricionais;
  • Repor a vitamina K;
  • Em operações de urgência:
    • Repor o glicogênio hepático (com GIK);
    • Reserva de hemocomponentes (compensação do deficit de vitamina K).
  • Cateterizar, aspirar, e lavar o estômago com sonda nasogástrica (diminuir o risco de aspiração e a contaminação);
  • Avaliar laboratorialmente na véspera da operação:
    • Eletrólitos;
    • Creatinina;
    • RNI;
  • Realizar a manobra de Sellick (compressão cricoide) para diminuir o risco de aspiração;
  • Iniciar antibioticoprofilaxia (cefalosporinas de primeira geração).

Pacientes com megaesôfago

É um dos principais distúrbios motores do esôfago, de etiologia chagásica e idiopática. Tem implicações parecidas com a estenose pilórica, mas a estase ocorre no esôfago. Como é recomendado o tratamento cirúrgico, justificam-se medidas como:

  • Avaliação e terapia nutricional;
  • Avaliação do estado de hidratação;
  • Dieta líquida e lavagem esofágica;
  • Manobra de Sellick.

Referência(s)

Aula do professor Marco Antônio Rodrigues.


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