Compreendem estenose e insuficiência (regurgitação) das valvas mitral e aórtica. Não é infrequente que múltiplas valvopatias estejam presentes no mesmo indivíduo.
Estenose aórtica
Etiologias
- Valva aórtica bicúspide e outras malformações congênitas;
- Calcificação valvar aórtica (degenerativa, em idosos);
- Doença reumática.
Fisiopatologia
Apresentação clínica
Sintomas
Desenvolvem-se, em média, aos 50-70 anos:
- Dispneia de esforço progressiva;
- Angina;
- Síncope;
- IC (estenose grave).
Sinais
- PA: possivelmente diminuída;
- Pulso carotídeo parvus et tardus: pulso de elevação lenta, pico tardio, e baixa amplitude. Indica estenose severa;
- Ictus cordis: palpável, deslocado à esquerda, com sístole de duração aumentada;
- Bulhas cardíacas:
- B2:
- Desdobramento fisiológico indica flexibilidade dos folhetos da valva aórtica, e doença menos grave;
- Com doença grave, o componente A2 pode desaparecer, e o P2 pode ser sobreposto pelo sopro (hipofonese de B2, desdobramento paradoxal);
- B4 pode estar presente;
- B2:
- Sopro:
- Fase no ciclo cardíaco: pico mesossistólico (ejeção do sangue pela valva estenosada);
- Local de ausculta: base, com irradiação para as carótidas e para o ápice;
- Características: rude;
- Intensidade:
- Geralmente grau II, sendo III um sinal de gravidade;
- À medida que a doença progride, pode diminuir;
- Caso seja variável entre um batimento e outro, sugere FA;
- Aumenta ao agachamento (aumento do volume sistólico);
- Diminui à manobra de Valsava (diminuição do fluxo transvalvar);
- Diminui ao exercício isométrico.
Insuficiência/Regurgitação aórtica
Etiologias
- Doença valvar (insuficiência aórtica primária):
- Fechamento incompleto ou prolapso de valva;
- Endocardite infecciosa;
- Trauma torácico;
- Doença reumática;
- Congênita;
- Doenças autoimunes.
- Doenças (dilatação) da aorta ascendente (insuficiência aórtica secundária).
Fisiopatologia
Apresentação clínica
Sintomas
Sintomas surgem por volta dos 40-50 anos, apenas quando já há importante cardiomegalia e disfunção de VE. Incluem:
- Dispneia de esforço;
- Ortopneia;
- Dispneia paroxística noturna;
- Angina;
- Diaforese;
- Desconforto torácico pela sensação do batimento cardíaco;
- Taquicardia;
- Palpitações.
Sinais
- PA: elevação da PAS e diminuição anormal da PAD, com sons de Korotkoff audíveis até o 0 (pressão divergente, sinal de Hill);
- Sinal de Musset: movimento anteroposterior da cabeça a cada batimento;
- Sinal de Mueller: pulsações sistólicas na úvula;
- Pulsos arteriais:
- Pulso de Corrigan (em martelo d’água): aumento e queda súbita de amplitude;
- Sinal de Quincke: pulsações capilares nos leitos ungueais;
- Sinal de Duroziez: sopro sistólico na artéria femoral ao comprimi-la proximalmente, e sopro diastólico durante sua compressão distal;
- Sinal de Traube (tiro de pistola): sons explosivos na ausculta da artéria femoral;
- Ictus cordis: difuso, hiperdinâmico, deslocado infero-lateralmente;
- B3 pode estar presente (aumento do volume diastólico final).
- Sopros:
- Diastólico:
- Fase no ciclo cardíaco: proto ou holodiastólico (a depender da severidade da doença), iniciando-se após A2;
- Local de ausculta: BEE entre 3º e 4º EICs (doença primária), ou BED (doença secundária);
- Características: crescendo-decrescendo, agudo, em ruflar, podendo ser rude na doença grave, ou musical quando há perfuração de cúspide aórtica;
- Intensidade aumenta com o paciente sentado, inclinado para frente, prendendo a respiração após expirar;
- Sistólico:
- Local de ausculta: irradia para as carótidas;
- Características: agudo, menos áspero que o sopro diastólico;
- Sopro de Austin-Flint: sopro telediastólico apical, correspondente ao fluxo de sangue regurgitado retornando à valva mitral, indicando doença grave.
- Diastólico:
Estenose mitral
Etiologias
- Doença reumática;
- Calcificação de valva mitral (degenerativa, em idosos);
- Congênita;
- Irradiação torácica.
Fisiopatologia
Apresentação clínica
Sintomas
Frequentemente surgem após alguma condição que provoque taquicardia ou aumento do fluxo através da valva:
- Dispneia, inicialmente somente ao esforço;
- Ortopneia e dispneia paroxística noturna (diminuem com a progressão da doença e o consequente desenvolvimento de mecanismos compensatórios);
- Palpitações (especialmente na FA);
- Edema pulmonar;
- Angina;
- IC direita;
- AVE (especialmente na FA);
- Hemoptise.
Sinais
- Na doença avançada, estão presentes concomitantemente sinais de FA:
- Hipertensão pulmonar;
- Regurgitação tricúspide;
- IC direita;
- Hipoperfusão sistêmica;
- Bulhas cardíacas:
- B1: hiperfonética quando a valva mitral é maleável, mas diminui com fibrose e calcificação;
- Pode ser palpável;
- Associa-se a estalido de ejeção, ambos indicando abertura rápida e forçosa dos folhetos mitrais sob alta pressão no AE;
- Quanto maior a pressão no AE, mais precoce a abertura, de modo que, quanto menor o intervalo A2-M1, mais severa a estenose;
- B2 pode ser hiperfonética;
- B3 pode estar presente (telediastólica);
- B1: hiperfonética quando a valva mitral é maleável, mas diminui com fibrose e calcificação;
- Sopro:
- Fase no ciclo cardíaco: mesodiastólico, com aumento progressivo (contração atrial, exceto em pacientes com FA);
- Local de ausculta: ápice;
- Características: grave;
- Intensidade:
- Aumenta com o paciente em decúbito lateral esquerdo;
- Não correlaciona-se com gravidade da doença (duração correlaciona-se);
- Diminui ou não se altera à inspiração (manobra de Rivero Carvallo), diferentemente dos sopros de origem tricúspide;
- Pode haver sopro de valvopatias tricúspide concomitantes.
Comorbidades
Fibrilação atrial
- Piora o estado de compensação hemodinâmica e aumenta o risco de AVE.
- Causada por estiramento e inflamação do AE, causando remodelamento estrutural e elétrico.
- Prevalência aumenta com a idade.
- Pacientes devem ser anticoagulados, mas o manejo do ritmo é mais difícil. Ivabradina é usada com esse fim. É preferível cardioverter após intervenção cirúrgica.
Hipertensão pulmonar
- Prevalência aumenta com a idade e a severidade da doença.
- Em geral, há melhora com substituição de valva mitral, caso não tenha havido remodelamento significativo de vasos sanguíneos.
Gestação
- A gestação provoca taquicardia e aumento do débito cardíaco, especialmente no 2º trimestre. Isso desencadeia surgimento ou piora de sintomas.
- Após o parto, o alívio da compressão da veia cava inferior e a autotransfusão de sangue da circulação útero-placentária aumentam o retorno venoso, aumentando a pressão no AE, e podendo causar insuficiência cardíaca.
- Manejo clínico da FA e da hipertensão pulmonar é importante. Pode-se empregar BCCs, mas amiodarona é contraindicada. Diuréticos alteram a perfusão útero-placentária, mas não observa-se muitos efeitos adversos. A anticoagulação não deve ser feita com varfarina.
Insuficiência/Regurgitação mitral
Etiologias
- Doença reumática;
- Doenças autoimunes;
- Endocardite infecciosa;
- Degenerativa (Marfan, Ehlers-Danlos, calcificação);
- Congênita.
Fisiopatologia
Apresentação clínica
Os pulsos arteriais estavam normais. Apresentava ictus cordis no 5º espaço intercostal esquerdo, na linha hemiclavicular esquerda, com 2 cm de extensão. B1 hipofonética. Na região apical detectou-se sopro holossistólico grau III/VI, em platô, irradiando para axila esquerda, com terceira bulha
Sintomas
A doença pode permanecer assintomática até seus estágios mais severos, embora possa haver pequena intolerância ao esforço. O restante dos sintomas estão associados a disfunção ventricular, hipertensão pulmonar, e/ou FA.
Sinais
- Pulsos arteriais: de características normais, porém menor amplitude, e vigoroso;
- Pulso carotídeo parvus et tardus: pulso de elevação lenta, pico tardio, e baixa amplitude. Indica estenose severa;
- Ictus cordis: palpável, deslocado à esquerda, com sístole de duração aumentada;
- Bulhas cardíacas:
- B1 hipofonética;
- B2:
- Desdobramento amplo (A2 precoce), como consequência de diminuição da resistência à ejeção pelo VE;
- Hiperfonese de P2 quando há hipertensão pulmonar severa;
- Pode haver hipofonese de A2, que fica “ofuscada” pelo sopro;
- Sopro:
- Fase no ciclo cardíaco: tele ou holossistólico;
- Local de ausculta: ápice, com irradiação para a axila esquerda e região infraescapular esquerda;
- Características: em platô, em ruflar, agudo;
- Intensidade:
- Quando holossistólico, diminui ao ortostatismo, aumenta ao agachamento;
- Quando telessistólico, aumenta ao ortostatismo, diminui ao agachamento;
- Diminui à manobra de Valsalva;
- Aumenta ao exercício isométrico.
Estadiamento
A AHA/ACC estadia todas as valvopatias da mesma forma, por meio de parâmetros distintos (ex.: fração de ejeção, velocidade de fluxo sanguíneo) para cada uma. São os estágios:
- Estágio A: em risco de valvopatia;
- Estágio B: valvopatia progressiva (leve a moderada);
- Estágio C: valvopatia grave, assintomática;
- Estágio D: valvopatia grave, sintomática.
A deterioração clínica é rápida após o estabelecimento de sintomas.
Ecocardiograma
- É o exame de escolha para todas as valvopatias, embora outros exames (ex.: angiografia, RM, TC) possam ter indicações específicas.
- Permite avaliação de anatomia, severidade, e causa (em alguns casos).
- Empregado no diagnóstico e no acompanhamento.
- Doppler acrescenta à acurácia do método, pois permite visualização da velocidade e de outras características do fluxo sanguíneo com maior clareza.
- Pode ser feito por via transtorácica na maioria dos casos, sendo a transesofágica indicada apenas quando a primeira for inconclusiva (mais frequente na insuficiência aórtica, pois acomete a base).
Tratamento
O tratamento das valvopatias é semelhante, pois não há manejo clínico específico, devendo ser manejadas comorbidades e sintomas. Sem intervenção cirúrgica, a maioria delas progredirá para estágios avançados.
A cirurgia de escolha é a substituição da valva acometida, por prótese biológica ou mecânica. No caso das estenoses, a cirurgia pode ser aberta (melhores desfechos, mas maior risco) ou transcateter. Para elas também há a possibilidade de valvoplastia no balão, que é apropriada na estenose mitral, mas apenas paliativa na aórtica.
Deve-se indicar cirurgia quando os benefícios forem maiores que os riscos, o que, em geral, ocorre na doença estágio C ou D, ou quando o paciente será submetido a cirurgia cardíaca por outros motivos.
Referência(s)
- Libby P, Bonow RO, Mann DL, Tomaselli GF, Bhatt DL, Solomon SD. Braunwald’s Heart Disease: A Textbook of Cardiovascular Medicine. 12th ed. Philadelphia: Elsevier – Health Science; 2021;
- Silva RMFL da. Tratado de Semiologia Médica. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan; 2014.