A saúde do idoso está diretamente relacionada a sua funcionalidade, que engloba sua independência (capacidade de realizar sozinho suas atividades de vida diária [AVDs]) e sua autonomia (capacidade individual de decisão).
Para tanto, é preciso que alguns domínios de sua vida funcionem harmoniosamente:
- Para autonomia:
- Cognição: capacidade mental de compreensão e resolução dos problemas do cotidiano, incluindo memória, função executiva, linguagem, praxia, gnosia, e reconhecimento visuoespacial;
- Humor: motivação necessária para os processos mentais;
- Para independência:
- Mobilidade: capacidade de deslocamento, dependente de postura, marcha, capacidade aeróbica, e continência esfincteriana;
- Comunicação: capacidade de se relacionar com o meio, dependente de visão, audição, e fala.
As grandes síndromes geriátricas, conhecidas como “7 i’s da geriatria”, constituem situações clínicas de grande prevalência que têm como consequência a perda de funcionalidade.
Incapacidade cognitiva
- Descreve comprometimento das funções encefálicas superiores, desde que haja prejuízo ao funcionamento (quando não há, o diagnóstico é de transtorno cognitivo leve).
- Para avaliar a presença de comprometimento funcional, é recomendado empregar escalas padronizadas, como Katz (AVDs básicas) e Lawton-Brody (AVDs instrumentais). Já o comprometimento cognitivo pode ser avaliado pelo Mini Exame do Estado Mental (MEEM), com pontos de corte de 18 para indivíduos analfabetos, 23 para indivíduos com 1-3 anos de escolaridade, 25 para 4-7, e 26 para 8 ou mais.
- As principais etiologias são:
- Demência: quadro de prejuízo à memória e a ao menos um outro domínio cognitivo, com comprometimento das AVDs. Após diagnóstico sindrômico, deve ser feito diagnóstico etiológico, principalmente para causas reversíveis de demências;
- Depressão: doença psiquiátrica marcada por tristeza e anedonia, podendo cursar com prejuízo cognitivo. Em idosos, pode ser avaliada pela Escala Geriátrica de Depressão (GDS);
- Delirium: estado confusional agudo, causado por comprometimento transitório da atividade cerebral, secundário à uma causa orgânica;
- Outras doenças psiquiátricas: várias delas, como esquizofrenia e déficit intelectual, podem mimetizar quadros de incapacidade cognitiva.
- Causas de incapacidade podem coexistir no mesmo paciente. Devem ser diagnosticadas pelo DSM.
- A doença de Alzheimer é a mais frequente causa de demência. Sobre ela:
- Inicialmente, o paciente tem desorientação espacial e perda de memória recente. As capacidades funcional e cognitiva vão declinando, e o paciente começa a apresentar insônia, confusão mental, agitação, afasia, e apraxia. No estágio avançado, surgem distúrbios motores graves;
- O óbito costuma ocorrer 10-15 anos após o início da doença, normalmente por infecção;
- O tratamento farmacológico é feito principalmente com inibidores da acetilcolinesterase (donepezil, rivastigmina, e galantamina) e antagonistas glutamatérgicos (memantina). Para além desses agentes, que atrasam diretamente o progresso da doença, pôde-se empregar outros, como antidepressivos e antipsicóticos, para alívio sintomático.
Iatrogenia
- É definida como alterações patogênicas provocadas pela prática médica, mesmo que não haja erro médico (incluem, portanto, efeitos colaterais esperados).
- Tipos:
- Iatrofarmacogenia: decorre dos efeitos colaterais de medicamentos e de suas interações (polifarmácia);
- Iatrogenia por internação hospitalar: pode potencializar riscos de declínio funcional por subnutrição, imobilidade, úlcera de pressão, e infecção hospitalar;
- Iatrogenia da palavra: associada ao desconhecimento de técnicas adequadas de comunicação, especialmente de más notícias;
- Iatrogenia do silêncio: associada à dificuldade de ouvir adequadamente o paciente e sua família;
- Subdiagnóstico: tendência de atribuir queixas apresentadas pelos idosos à idade;
- Cascata propedêutica: solicitação excessiva de exames, levando a intervenções desnecessárias;
- Distanásia: prolongamento artificial da vida sem perspectiva de reversibilidade, com sofrimento para o paciente e sua família;
- Prescrição de intervenções fúteis e/ou sem comprovação científica: impõem risco desnecessário ao paciente sem perspectiva de benefício;
- Iatrogenia do excesso de intervenções reabilitadoras: similar à polifarmácia, mas provocada por intervenções não farmacológicas da equipe multidisciplinar.
- A iatrogenia pode ser prevenida e potencialmente revertida com maior conhecimento por parte dos profissionais de saúde acerca das alterações fisiológicas do envelhecimento.
- Representa a 5ª principal causa de morte nos idosos.
Incontinência urinária
- Definida como queixa de perda involuntária de urina.
- Prevalência aumenta com a idade, indo de 12,2% em mulheres de 60-64 anos a 20,9% nas de 85 anos. Atinge 15-30% dos idosos que vivem em casa e pelo menos 50% dos que vivem em instituições de longa permanência, sendo aproximadamente 1/3 das mulheres e 1/5 dos homens com mais de 60 anos de idade.
- Tipos:
- De estresse: perda de urina involuntária ao esforço, espirro, ou tosse. Em mulheres, costuma ser causada por fraqueza do assoalho pélvico e, em homens, por prostatectomia radical;
- De urgência: perda involuntária de urina após urgência miccional, frequentemente associada a noctúria e/ou poliaciúria;
- Mista: combina elementos das incontinências de estresse e de urgência;
- Por transbordamento: gotejamento e/ou perda de urina contínua, secundários ao esvaziamento vesical incompleto.
- Em homens, é difícil estimar a prevalência dos subtipos de incontinência, pois estes são afetados pelo tratamento de doenças prostáticas. Já em mulheres, a incontinência de estresse é mais prevalente que a mista, que é mais frequente que a de urgência, sendo que a de urgência aumenta sua prevalência com a idade.
- A anamnese deve incluir:
- Situações que induzem perda de urina;
- História obstétrica;
- História cirúrgica;
- Doenças pregressas;
- Uso de medicamentos.
- O exame físico, em homens, deve avaliar a próstata e, em mulheres, o assoalho pélvico.
- A propedêutica requer exame de urina rotina e urocultura, e, na maioria dos pacientes, estudo urodinâmico.
- O tratamento inicial é comportamental, ensinando o paciente a mudar hábitos urinários, técnicas para evitar a perda de urina, e alterações alimentares. Em caso de incontinência mista ou de urgência, podem ser empregados medicamentos anticolinérgicos e, na de estresse e na por transbordamento, há opção de cirurgia.
Instabilidade postural
- A instabilidade postural pode causar quedas, um dos maiores problemas da geriatria. Quando ocorrem, é necessário conhecer as condições que a predispuseram, como ocorreram, quais sinais e sintomas as antecederam, se o idoso tem comorbidades, se conseguiu se levantar sozinho, e se houve fraturas.
- A incidência anual de quedas é de 28-35% em idosos de 65 anos, e 32-42% nos de 75, chegando a 50% em instituições de longa permanência. Entre os que sofrem quedas, 2/3 terão queda no ano subsequente. Constituem a 6ª principal causa de morte em idosos, e 40% de suas internações. Provocam lesões em 40-60% das vezes, sendo 5% contusões maiores e fraturas, 5-6% hematomas subdurais, e 30-50% escoriações e contusões menores. A fratura de fêmur, que ocorre em 1% dos idosos, é importante causa de morbimortalidade.
- O medo de cair novamente pode impedir o idoso de deambular normalmente.
- O equilíbrio corporal é mantido pela integração entre informações sensoriais captadas pela visão, pelo sistema vestibular, e pelos propriorreceptores. Alterações nesses sistemas, em conjunto com fraqueza muscular em MMII, podem tirar do idoso a capacidade de responder apropriadamente a distúrbios na estabilidade postural, devido ao tempo mais longo de reação e às restrições de mobilidade articular.
- Alterações de marcha podem ser divididas em doenças dos níveis sensório-motor:
- Inferior: disfunções dos sistemas sensoriais aferentes, doenças osteomusculares;
- Médio: hemiparesia espástica, mielopatia cervical, parkinsonismo, ataxia cerebelar;
- Superior: apraxia vascular, hidrocefalia de pressão normal, tumores cerebrais.
- Drogas que agravam a instabilidade postural incluem antidepressivos tricíclicos, anticonvulsivantes, AINEs, anti-hipertensivos, antiarrítmicos, alguns antibióticos, hipoglicemiantes orais, e corticosteroides.
Imobilidade
- O conceito de imobilidade é variável, mas entendido como qualquer limitação do movimento, com gravidade variável, e, frequentemente, progressiva.
- No grau máximo (síndrome de imobilização/imobilidade completa), o idoso é completamente dependente, com défice cognitivo avançado, rigidez e contraturas generalizadas múltiplas, afasia, disfagia, incontinência urinária e fecal, e úlceras de pressão. Tais pacientes necessitam de cuidadores em tempo integral.
- O quadro de imobilidade completa é a etapa final da história natural de várias das doenças que acometem idosos, pois todos os sistemas fisiológicos perdem progressivamente sua função. Esse quadro deve, entretanto, ser evitado a todo custo.
- Imobilidade pode associar-se a todas as grandes síndromes geriátricas, num ciclo vicioso em que uma condição contribui para o agravamento da outra.
- Consequências da imobilidade nos sistemas fisiológicos:
- Sistema cardiovascular: hiporresponsividade barorreceptora (hipotenção ortostática), intolerância ortostática (taquicardia, náusea, sudorese, e síncope), redistribuição do volume circulante dos MMII para a circulação central, redução da capacidade aeróbica, TVP;
- Sistema respiratório: redução do volume corrente e da capacidade vital, hipersecreção brônquica, tosse ineficaz, atelectasia, pneumonia, retenção de secreção, embolia pulmonar, insuficiência respiratória;
- Sistema digestório: anorexia secundária a restrição dietética, desidratação, aspiração pulmonar por engasgo, tosse ou refluxo por posicionamento inadequado, constipação intestinal, fecaloma;
- Sistema geniturinário: aumento do volume residual da bexiga, alto risco de retenção urinária, alto risco de incontinência urinária de urgência, transbordamento, e/ou funcional, alto risco de ITU (aguda ou recorrente), alto risco de nefrolitíase (hipercalciúria da imobilidade e pouca ingestão hídrica);
- Pele: intertrigo em regiões de dobras, dermatite de fraldas, escoriações, lacerações, e equimoses(por manipulação inadequada do idoso), xerodermia, prurido cutâneo, úlceras de pressão;
- Sistema locomotor: redução do tônus e da força muscular (3-5%/dia), encurtamento e atrofia muscular, redução da elasticidade das fibras colágenas (hipertonia), encurtamento muscular e tendinoso, contraturas.
Incapacidade comunicativa
- É a partir da comunicação que o indivíduo interage com seu ambiente. Portanto, a perda dessa capacidade resulta em perda de independência, sentimento de desconexão, e restrição da participação social.
- Aproximadamente 20% da população acima de 65 anos apresenta dificuldades comunicativas.
- Habilidades comunicativas compreendem:
- Linguagem;
- Audição;
- Motricidade oral;
- Voz/Fala;
- Visão.
Insuficiência familiar
A família é a principal instituição cuidadora dos idosos, especialmente daqueles que apresentam fragilidades. No entanto, hoje em dia, há cada vez mais obstáculos a esse cuidado:
- A transição demográfica implica que idosos têm cada vez menos filhos;
- Demandas laborais e participação da mulher no mercado de trabalho diminuem a atenção dada pelos filhos aos idosos;
- Conflitos intergeracionais;
- Dimensões das habitações, hoje em dia, dificultam, por si só, o cuidado a pacientes com grandes síndromes geriátricas.
Referência(s)
MORAES, Edgar Nunes de; MARINO, Marília Campos de Abreu; SANTOS, Rodrigo Ribeiro. Principais síndrome geriátricas. Rev. méd. Minas Gerais, n. 20(1), p. 54-66, 2010. Disponível em: https://pesquisa.bvsalud.org/portal/resource/pt/lil-545247. Acesso em: 13 mar. 2023.