Resumo de clínica médica: distúrbios ácido-básicos (fisiologia do pH arterial, diagnóstico, fisiopatologia, e tratamento)

a nurse drawing her own blood
Compartilhe com seus amigos

  • 1 ano atrás
  • 5minutos

Distúrbios ácido-básicos são definidos por alteração no pH arterial, podendo essa ser alcalemia ou acidemia, que traduzem-se, respectivamente, em alcalose e acidose, podendo ambas serem metabólicas e/ou respiratórias.

Fisiologia

O pH arterial normal é mantido entre 7,35 e 7,45 por mecanismos regulatórios respiratórios e renais, com excreção ou retenção de ácidos (CO2) e bases (HCO3). O pH é dado pela equação de Henderson-Hasselbalch:

pH=6,1\times log\frac{[HCO^3_-]}{0,03\times paCO_2}

A paCO2 normal é de 38 ± 2 mmHg, mantida por um balanço entre produção e excreção de CO2. Desbalanços ocorrem mais frequentemente por alterações ventilatórias (excretórias), sendo que:

  • Baixa excreção de CO2 → Hipercapnia;
  • Alta excreção de CO2 → Hipocapnia.

A [HCO3-] normal é de 24 ± 2 mmol/L.

Tipos

Simples

Tratam-se de distúrbios que ocorrem individualmente, sejam acidose ou alcalose, respiratória ou metabólica.

Alterações respiratórias (i.e. da paCO2) causam respostas metabólicas compensatórias (i.e. da [HCO3-]), e vice-versa. Ou seja: uma acidose metabólica gera uma alcalose respiratória, uma alcalose metabólica gera uma acidose respiratória, e assim por diante. As respostas previstas são as seguintes:

DistúrbioCompensação previstapH[HCO3-]paCO2
Acidose metabólica∆ paCO2 = 1,25* ∆ [HCO3-] ou paCO2 = (1,5 *[HCO3-]) + 8 ± 2BaixoBaixoBaixo
Alcalose metabólica∆ paCO2 = 0,75 * ∆ [HCO3-] ou paCO2 = [HCO3-] + 15AltoAltoAlto
Acidose respiratória aguda∆ [HCO3-] = 0,1 * ∆ paCO2BaixoAltoAlto
Alcalose respiratória aguda∆ [HCO3-] = 0,2 * ∆ paCO2AltoBaixoBaixo
Acidose/Alcalose respiratória crônica∆ [HCO3-] = 0,4 * ∆ paCO2BaixoAltoAlto
Alcalose respiratória crônica∆ [HCO3-] = 0,4 * ∆ paCO2AltoBaixoBaixo

Caso os valores medidos laboratorialmente estejam diferentes dos previstos, ou caso as mudanças na paCO2 e na [HCO3-] sejam em sentidos opostos (i.e. um aumenta, o outro diminui), trata-se de distúrbio misto.

Essas respostas não chegam a normalizar o pH, exceto no caso da alcalose respiratória crônica, em que isso pode acontecer.

Mistos

Tratam-se de distúrbios ácido-base distintos que coexistem, não apenas respostas compensatórias. Nesses pacientes, o pH arterial pode estar normal, ou alterado na “direção oposta” à que se esperaria no distúrbio primário.

Diagnóstico

Patogênese

Acidose metabólica

Três mecanismos produzem acidose:

  • Aumento na produção de ácido;
  • Perda de [HCO3-];
  • Diminuição da excreção renal de ácido.

Além dessa categorização, também pode-se categorizar acidoses metabólicas conforme o AG, elevado ou normal (com hipercloremia comparada à natremia):

Alcalose metabólica

Ocorre quando há aumento da [HCO3-], em situações como:

  • Perda gastrointestinal de H+;
  • Hipocalemia (entrada de H+ no compartimento intracelular);
  • Administração exógena de HCO3-.

No entanto, precisa haver deficiência concomitante na excreção de HCO3-. Isso pode ocorrer por:

  • Depleção de volume (ex.: diuréticos, vômito);
  • Redução no volume sanguíneo arterial efetivo (leva os rins a reter Na+, e, consequentemente, HCO3-, que é excretado junto a ele);
  • Doença renal, aguda ou crônica;
  • Hipocloremia (bloqueia secreção tubular de HCO3-).

Distúrbios respiratórios

Tratamento

Acidose metabólica

O tratamento varia conforme a causa base, que deve ser revertida. O manejo enquanto isso não ocorre varia conforme o tempo de progressão do distúrbio.

Aguda

  • Administração de HCO3-, na forma de NaHCO3, deve ser feita quando pH arterial < 7,1, ou quando há lesão renal aguda severa (oligúria ou aumento de 2x na creatinina sérica).
    • Meta: pH > 7,2 ou [HCO3-] > 16 mEq/L.
    • O impacto da administração de soluções hipertônicas de NaHCO3 é difícil de se prever. Por isso, deve-se fazê-lo com medidas seriadas de pH arterial.
    • Caso mais de 2 ampolas de NaHCO3 a 7,5% sejam necessárias, infunde-se água destilada para evitar hipernatremia.
  • Alternativamente, pode-se utilizar trometamina como agente alcalinizante. A vantagem é que não se gera CO2, mas pode ocorrer acúmulo renal, com hipercalemia, hipoglicemia, e depressão respiratória por rápida alcalinização do SNC.

Crônica

  • A administração de HCO3- pode:
    • Aliviar dispneia;
    • Preservar função muscular e metabólica;
    • Diminuir probabilidade de nefrolitíase;
    • Desacelerar progressão de DRC.
  • Pode-se administrar sais de Na+ ou K+, como NaHCO3, KHCO3, ou sais de citrato ou lactato. A dose inicial é de 50-100 mEq, a ser titulada conforme necessidade.

Alcalose metabólica

Deve corrigir a geração de HCO3- e a deficiência na sua excreção, por meio do tratamento da causa base.

  • Geração de HCO3-:
    • Interromper administração exógena de HCO3- e/ou de seus precursores (ex.: citrato, lactato);
    • Evitar perdas gastrointestinais;
    • Interromper uso de diuréticos;
    • Corrigir hipocalemia (com KCl).
  • Deficiência na excreção de HCO3-:
    • Administrar solução salina isotônica (caso haja depleção em paciente não edemaciado);
    • Administrar KCl, com ou sem amilorida (caso haja depleção em paciente edemaciado);
    • Preferir acetazolamida como diurético;
    • Diálise (em paciente com doença renal).

Caso o distúrbio seja severo e o paciente tenha doença renal sem possibilidade de diálise, pôde-se administrar HCl ou algum de seus precursores (ex.: NH4Cl).

A administração incorreta do HCl pode necrosar tecidos, e o NH4Cl pode causar toxicidade de duas formas: deficiência na excreção de ureia, seu metabólito, e elevação da [NH4+].

Distúrbios respiratórios

São causados por hipo (acidose) ou hiperventilação (alcalose), e o tratamento deve ser da causa-base, com a ressalva de que, quando agudos, podem ameaçar a vida (especialmente a acidose).

Referência(s)

  • Berend K, de Vries AP, Gans RO. Physiological approach to assessment of acid-base disturbances. N Engl J Med. 2014 Oct 9;371(15):1434-45. doi: 10.1056/NEJMra1003327. Erratum in: N Engl J Med. 2014 Nov 13;371(20):1948. PMID: 25295502;
  • Emmet M, Szerlip H. Approach to the Adult with Metabolic Acidosis [Internet]. UpToDate. 2023 [cited 2023 Jul 28]. Available from: https://www.uptodate.com/contents/approach-to-the-adult-with-metabolic-acidosis;
  • Berend K, de Vries AP, Gans RO. Physiological approach to assessment of acid-base disturbances. N Engl J Med. 2014 Oct 9;371(15):1434-45. doi: 10.1056/NEJMra1003327. Erratum in: N Engl J Med. 2014 Nov 13;371(20):1948. PMID: 25295502;
  • Loscalzo J, Kasper DL, Longo DL, Fauci AS, Hauser SL, Jameson JL. Harrison’s Principles of Internal Medicine. 21st ed. McGraw Hill; 2022.
  • Mehta A, Emmett M. Treatment of Metabolic Alkalosis [Internet]. UpToDate. 2022 [cited 2023 Jul 28]. Available from: https://www.uptodate.com/contents/treatment-of-metabolic-alkalosis.

Compartilhe com seus amigos