Resumo de clínica médica – Princípios de oncologia: biologia, rastreio, fatores de risco, tratamento, e manejo clínico do câncer

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O câncer é uma das doenças mais prevalentes de todo o mundo, marcada por mutações celulares que provocam o crescimento descontrolado de um grupo de células, caracterizando neoplasia.

Biologia

  • O que diferencia o tumor maligno do benigno?
    • Agressividade: seu crescimento e sua divisão não respeitam limites normais;
    • Invasão: capaz de invadir e destruir tecidos adjacentes;
    • Metástase: espalha-se para outros locais.
  • O câncer é uma doença genética, ou seja, resulta de mutações genéticas celulares que provocam malignização. Tais mutações podem ser provocadas por carcinógenos, aleatórias, ou herdadas. No entanto, essas mutações serão herdadas apenas se ocorrerem em células germinativas.
  • Há dois tipos de mutações carcinogênicas: ativação de oncogenes (quando inativos, chamados proto-oncogenes, responsáveis por induzir crescimento celular) e desativação de genes supressores de tumor.
  • A célula cancerosa está constantemente na fase de divisão do ciclo celular. Há vários pontos de checagem nesse ciclo (regulados por genes supressores de tumor), que reparam a célula, caso haja mutações. Para que ocorra o câncer, esse mecanismo precisa falhar. No entanto, quimioterápicos têm como alvo as fases da divisão celular, de modo que células que se proliferam mais rapidamente serão mais atingidas.
  • Os marcos da carcinogênese (hallmarks of cancer) são os mecanismos da célula tumoral de evasão ao controle do ciclo celular exercido pelas defesas do organismo:
Marcos da carcinogênese (fonte).
  • Hoje, entende-se o câncer como doença sistêmica. Ou seja, embora o tumor esteja localizado numa área, micro-metástases podem ocorrer precocemente. Além disso, essas metástases são viabilizadas por influências do câncer sobre o organismo.

Epidemiologia

  • Por sua baixa mortalidade, o carcinoma basocelular e o carcinoma espinocelular (cânceres de pele não melanoma) são excluídos da maioria das casuísticas de câncer.
  • 20% das pessoas terá câncer em algum momento da vida, sendo que 1 em cada 8 homens e 1 em cada 11 mulheres morrerão por câncer.
  • A OMS monitora a incidência e a prevalência do câncer no Global Cancer Observatory (Globocan). No entanto, ele retira seus dados das bases de cada país, portanto, países com piores estatísticas não serão precisamente representados.
  • Cânceres mais comumente diagnosticados:
    • Câncer de mama (11,7%) (mais comum entre mulheres);
    • Câncer de pulmão (11,4%);
    • Câncer colorretal (10,0%);
    • Câncer de próstata (7,3%) (mais comum entre homens);
    • Câncer de estômago (5,6%).
  • Cânceres que mais causam morte por câncer:
    • Câncer de pulmão (18,0%);
    • Câncer colorretal (9,4%);
    • Câncer hepático (8,3%);
    • Câncer de estômago (7,7%);
    • Câncer de mama (6,9%).
  • À medida que a renda dos países aumenta, o impacto de infecções sobre a mortalidade vai caindo, e o de cânceres e de doenças cardiovasculares, aumentando. Nos países de alta renda, o câncer é mais relevante que a doença cardiovascular.
Fonte: INCA/MS.

Principais fatores de risco do câncer

Carcinógenos mais comuns na população incluem:

  • Infecções:
    • H. pylori: estômago;
    • HPV:
      • Colo de útero;
      • Genitais;
      • Ânus;
      • Orofaringe;
    • HBV e HCV: fígado.
  • Etilismo:
    • Esôfago;
    • Cólon e reto;
    • Fígado;
    • Mama.
    • Orofaringe;
  • Obesidade:
    • Mama;
    • Corpo de útero;
    • Cólon;
    • Rins;
    • Vias biliares;
    • Pâncreas;
  • Tabagismo:
    • Pulmão;
    • Bexiga;
    • Rins;
    • Cabeça e pescoço;
    • Esôfago;
    • Estômago;
    • Pâncreas;
    • Colo de útero.

Rastreio

  • O câncer é a 2ª principal causa de morte no Brasil. Segundo o Ministério da Saúde, 60% dos casos são diagnosticados Em estágio avançado. No entanto, 34% dos cânceres em homens e 35% em mulheres são evitáveis, bem como 46% e 39% das mortes, respectivamente. O rastreamento, como estratégia de prevenção primária ou secundária, possui importante papel na redução da morbimortalidade.
  • Para uma estratégia de rastreio ser eficaz, é importante que a doença que se visa rastrear seja prevalente e evitável. No caso do câncer, em geral, esses seriam cânceres de progressão lenta.

Cânceres cujo rastreio é recomendado

Câncer colorretal

  • Pode ser rastreado de diversas formas, todas com benefício similar sobre a mortalidade, devendo a estratégia ser individualizada:
    • Pesquisa de sangue oculto nas fezes (FOBT) a cada 1 ano;
    • Retossigmoidoscopia, enema baritado, ou colonoscopia virtual a cada 5 anos;
    • Colonoscopia a cada 10 anos.
  • A colonoscopia, por detectar e tratar pólipos, pode servir como prevenção primária.
  • A USPSTF recomenda rastreio dos 45 aos 75 anos, podendo ser continuado até os 85 conforme individualização, mas fica contraindicado após essa idade.
  • O MS preconiza rastreio com FOBT anual e, se positivo, colonoscopia. O público-alvo é de 50-75 anos.

Câncer de colo do útero

  • Pode ser rastreado pela citologia oncótica (Papanicolau) ou pela pesquisa de DNA de HPV.
    • A citologia oncótica tem eficácia consolidada sobre incidência e morbimortalidade.
    • A pesquisa de DNA do HPV é mais sensível que a citologia oncótica, e mais eficaz em diminuir a incidência de câncer, especialmente na população acima de 30 anos, mas ainda não foi comprovado benefício sobre mortalidade.
  • A detecção de lesões pré-cancesosas pode servir como prevenção primária.
  • O MS recomenda início rastreio com exame citopatológico em mulheres de 25 anos que já tenham iniciado atividade sexual. Os primeiros exames são anuais e, após 2 exames inalterados, os seguintes são feitos a cada 3 anos. Interrompe-se o rastreio aos 64 anos em mulheres com 2 exames negativos consecutivos nos últimos 5 anos e sem história de neoplasia cervical.
  • O ACOG e a USPSTF recomendam o rastreio dos 21-65 anos, com mesma frequência no caso de uso de exame citopatológico. Entretanto, recomendam, como alternativa, o coteste (exame citopatológico e pesquisa de DNA do HPV) a cada 5 anos em mulheres acima de 30 anos. O rastreio só deve ser interrompido aos 65 anos caso todos os exames dos 10 anos anteriores tenham sido normais.

Câncer de mama

  • Rastreio é realizado com mamografia bienal.
  • RM, USG, exame clínico das mamas, e autoexame não são eficazes no rastreio, mas são úteis na avaliação de mulheres sintomáticas. Excepcionalmente, a RM está indicada para pacientes de alto risco hereditário mais jovens que 40 anos.
  • A USPSTF recentemente alterou sua recomendação para iniciar o rastreio aos 40 anos. Ele deve ser encerrado aos 74 anos.
  • O MS disponibiliza a mamografia bienal dos 50 aos 69 anos.
  • A NCCN recomenda que o rastreio seja anual, e suspenso apenas quando a expectativa de vida da paciente for muito pequena.
  • A redução na mortalidade pode chegar a 25%.

Câncer de pulmão

  • 90% dos pacientes são fumantes.
  • RX de tórax e citologia de escarro são ineficazes na redução da mortalidade.
  • TC de baixa dose é o método de escolha. Deve-se rastrear pacientes tabagistas (ou que tenham parado nos últimos 15 anos), com carga tabágica ≥ 30 anos-maço de 55-74 anos, todos os anos.
  • O MS não recomenda o rastreio.

Câncer hepático

  • Em pacientes cirróticos ou com hepatite B, o rastreio é recomendado pela AASLD.
  • Deve ser feito a cada 6 meses com USG abdominal, asssociada ou não à dosagem de AFP sérica (esta última de benefício incerto).

Cânceres cujo rastreio deve ser individualizado

Câncer de pele

  • É o mais prevalente do mundo (25% dos tumores malignos), quando considera-se também cânceres não melanomas.
  • Não há ensaios clínicos avaliando a eficácia do rastreio.
  • Na APS, o diagnóstico deve ser suspeitado a partir da observação visual de lesões. A acurácia desse método varia conforme o treinamento do examinador. Embora não haja evidência da eficácia de observação oportunística, os malefícios são pouco prováveis.
  • O MS recomenda que pacientes sejam orientados quanto ao reconhecimento de sinais de alerta e sobre a importância do uso de proteção solar.

Câncer de próstata

  • Rastreio é controverso.
    • Prós:
      • O câncer de próstata é responsável por alta morbimortalidade anual;
      • O tempo de sobrevida de homens que diagnosticam o câncer confinado à próstata em 5 anos é próximo de 100%, enquanto em homens com doença metastática é de cerca de 30%;
      • Os exames de rastreamento possuem baixo custo e fácil aplicabilidade.
    • Contras:
      • Estudo PLCO não comprovou impacto em mortalidade com o rastreamento;
      • A maioria dos pacientes sem rastreio, mesmo que desenvolva câncer de próstata, morrerá de outra causa;
      • Tratamentos (cirurgia, radioterapia, e bloqueio hormonal) podem levar a disfunção sexual, urinária, e/ou intestinal.
  • Caso opte-se pelo rastreio, deve ser iniciado aos 50 anos (45, em indivíduos com história familiar positiva e/ou negros), e encerrado quando a expectativa de vida do paciente for < 15 anos. É feito com combinação de toque retal e dosagem de PSA, a cada 1-2 anos.
  • O MS não recomenda o rastreio populacional, a USPSTF defende a decisão compartilhada.

Câncer de esôfago

  • Rastreio é feito por cromoendoscopia (endoscopia com teste de lugol).
  • É eficaz em pacientes de alto risco, mas não há estudos que apontem benefício para a população de risco habitual.

Câncer gástrico

  • Rastreio é feito com endoscopia digestiva alta (EDA) ou RX contrastada com bário.
  • No Japão, região de alta incidência, o rastreio foi efetivo em reduzir a mortalidade, mas não houve benefício em regiões de baixa incidência, como o Brasil.

Câncer de tireoide

  • Rastreio pode ser feito por palpação do pescoço, USG cervical, ou associação de ambos.
  • A USPSTF não encontrou benefícios sobre morbimortalidade no rastreio populacional ou de grupos de alto risco, e há o risco de sobrediagnóstico, pois vários desses cânceres são indolentes.
  • O rastreio com USG em pessoas expostas a radiações ionizantes deve ser individualizado.

Cânceres cujo rastreio não é recomendado

  • Câncer endometrial;
  • Câncer pancreático (obs.: ainda se está estudando se pode haver benefício);
  • Câncer ovariano;
  • Câncer renal;
  • Câncer vesical.

Tratamento sistêmico

Sendo o câncer uma doença sistêmica, com micrometástases, dificilmente a cirurgia ou a radioterapia serão capazes de erradicá-lo sozinha. Assim, outras modalidades de tratamento são necessárias.

Avaliação do tratamento

  • Os desfechos buscados são:
    • Sobrevida livre de doença/recorrência;
    • Sobrevida livre de progressão;
    • Sobrevida global.
  • Resposta pode ser:
    • Completa;
    • Parcial;
    • Ausente (progressão de doença).

Quimioterapia

  • Tem por princípio a citotoxicidade, ou seja, a ação direta sobre células. Embora atinja preferencialmente às células cancerígenas, de rápida divisão, não é completamente seletiva.
  • Quando combinada à cirurgia, pode ser:
    • Neoadjuvante: realizada antes da cirurgia, visa facilitar a ressecção cirúrgica e erradicar a doença micrometastática.;
    • Adjuvante: realizada após a cirurgia, visa erradicar a doença micrometastática.
  • Quando combinada à radioterapia, pode ser:
    • De indução: realizada antes da radioterapia, visa reduzir o volume da doença locorregional e diminuir o risco de metástase;
    • Concomitante: realizada junto da radioterapia.
  • Pode ter finalidade:
    • Curativa;
    • Paliativa;
    • De manutenção.
  • Pode ser endovenosa ou oral.
  • Alguns agentes:
ClasseExemplosMecanismoPrincipais usos
Mostardas nitrogenadas• Mefalan
• Clorambucil
Alquilam o DNANeoplasias hematológicas
Oxazafosforinas• Ciclofosfamida
• Ifosfamida
• Troposfamida
Alquilam o DNA
AlquilssufonatosBussulfanoAlquilam o DNANeoplasias hematológicas
Nitrosureias• Carmustina (BCNU)
• Lomustina (CCNU)
• Semustina
• Fotemustina
• Estreptozotocina
• Bendamustina
Alquilam o DNA• Leucemia linfocítica crônica
• Tumores das ilhotas pancreáticas
• Tumores cerebrais
Tetrazinas• Dacarbazina
• Temozolomida
Alquilam o DNA• Glioma
• Melanoma
• Sarcomas de partes moles
• Linfoma de Hodgkin
Aziridinas• Tiotepa
• Mitomicina
Alquilam o DNA
Compostos de platina• Cisplatina
• Carboplatina
• Oxaliplatina (1,2-diaminociclohexano de platina)
São ativados intracelularmente para produzir intermediários reagentes que formam ligações covalente com nucleotídeosTumores de células germinativas
AntimetabólitosPor serem semelhantes a purinas e pirimidinas, incorporam-se ao DNA/RNA para causar quebras ou terminação prematura de cadeias
Antifolatos• Metotrexato
• Pemetrexed
Inibe a dihidrofolato redutase (DHFR), em conjunto ou não com a timidilato-sintase, impedindo a regeneração de folatos oxidados e reduzindo a síntese de timidina
Inibidores da timidilato-sintase• Fluorouracil (5-FU)
• Raltitrexed
Inibem a timidilato-sintase, reduzindo a síntese de timidina
AntipirimidinasInterferem com a síntese de pirimidinas
Antipurinas• 6-mercaptopurina
• 6-tioguanina
Inibem a síntese de purinas e integram o DNA
Arabinosidas• Citosina arabinosida
• Gencitabina
• Fludarabina
Inibem a DNA polimeraseLeucemias
Antraciclinas• Daunorobicina
• Doxorrubicina
Intercalam-se com o DNA, formam radicais livres, e inibem a topoisomerase• Câncer de ovário
• Câncer de mama
• Sarcoma de Kaposi
Inibidores da topoisomerase I• Topotecan
• Irinotecan
Inibem a topoisomerase, prejudicando a estrutura tridimensional do DNA• Câncer de ovário
• Câncer colorretal
Inibidores da topoisomerase II• Etoposida
• Teniposida
Inibem a topoisomerase, prejudicando a estrutura tridimensional do DNA• Câncer de ovário
• Câncer colorretal
Ligantes da tubulinaEribulinaInibem o funcionamento das tubulinas, microtúbulos essenciais à função celularCâncer de mama
Taxanos• Paclitaxel
• Docetaxel
Inibem o funcionamento das tubulinas, microtúbulos essenciais à função celular
Alcaloides da vinca• Vincristina
• Vindesina
• Vinorelbina
• Vinblastina
Inibem o funcionamento das tubulinas, microtúbulos essenciais à função celular

Terapias alvo

  • Diferentemente da quimioterapia citotóxica, têm como alvo defeitos celulares que são específicos a células malignas. Por isso:
    • Cada medicamento exige que a célula cancerosa tenha uma mutação específica;
    • A resposta é mais durável que à quimioterapia;
    • O perfil de toxicidade é distinto.
  • Podem ser inibidores de pequenas moléculas (ex.: tirosina quinase) ou anticorpos monoclonais direcionados a receptores celulares de superfície ou a enzimas intracelulares (ex.: HER2).

Imunoterapia

  • Baseia-se no princípio da imunovigilância do câncer, ou seja, na capacidade do sistema imune de eliminar células cancerígenas.
  • Inibe checkpoints do sistema imune, bloqueando vias regulatórias de linfócitos T, que se tornam, por isso, ativos contra os tumores.
  • Tem resposta clínica durável em vários pacientes, inclusive aqueles previamente considerados incuráveis. Em geral, são mais beneficiados aqueles cujos tumores tem maior carga mutacional.
  • Pode haver piora transitória do câncer antes da melhora.
  • Tem como efeitos adversos reações autoimunes, que podem ser graves, acontecendo dias ou até meses após o tratamento. Qualquer órgão do corpo pode ser comprometido caso uma reação do tipo ocorra.

Hormonioterapia

  • Alguns tumores são hormônio-dependentes.
  • Hormonioterapia pode:
    • Interromper produção hormonal;
    • Bloquear receptor hormonal;
    • Substituir hormônio por agente quimicamente similar que não possa ser utilizado por células tumorais.
  • Usos mais comuns são nos cânceres de próstata e de mama.

Suporte clínico ao paciente oncológico

Dor

  • A dor é comum no câncer, especialmente na doença avançada. Quando subtratada, afeta atividades, motivação, interação com entes queridos, qualidade de vida, e até mesmo sobrevida.
  • Dor pode ser nociceptiva (ex.: cirurgias, metástases ósseas, acometimento visceral, compressão medular) ou neuropática (ex.: quimioterapia, radioterapia).
  • Objetivos do manejo da dor (5 A’s):
    • Analgesia: alívio ótimo da dor;
    • Atividades: impedir que a dor afete atividades de vida diária;
    • (Efeitos) adversos: minimizar efeitos colaterais e interações medicamentosas;
    • Abuso: evitar uso irregular da medicação;
    • Afeto: cuidar da relação entre dor e humor.
  • Algortimo da OMS:
    1. Paracetamol, AINEs, e dipirona;
    2. Opioides fracos (ex.: codeína);
    3. Opioides fortes (ex.: morfina);
    4. Tratamento invasivo:
      • Radioterapia;
      • Bloqueio de nervos;
      • Infusão regional de analgésicos;
      • Ablação guiada por imagem;
      • Cordotomia.
  • Efeitos adversos de opioides:
    • Constipação;
    • Náusea e vômitos;
    • Prurido;
    • Delirium;
    • Depressão respiratória;
    • Comprometimento motor e cognitivo;
    • Sedação;
    • Depressão do eixo hipotálamo-hipófise (cronicamente).
  • Alívio da dor passa também por intervenções físicas (fisioterapia, atividade física), espirituais, e psicoterapêuticas.

Fadiga

  • Trata-se de percepção subjetiva de cansaço físico, emocional, e/ou cognitivo, ou exaustão persistente e angustiante relacionada ao tratamento do câncer, não sendo proporcional às atividades realizadas e interferindo na funcionalidade.
  • Subreportada, diagnosticada, e tratada, mas muito comum em pacientes oncológicos, independentemente da modalidade de tratamento e mesmo após este.
  • Fisiopatologia não é bem compreendida.
  • Fatores de risco:
    • Anemia;
    • Dor e seu tratamento;
    • Sofrimento emocional;
    • Distúrbios do sono;
    • Desnutrição;
    • Progressão de doença;
    • Comorbidades.
  • Reabilitação pode incluir terapia física, ocupacional, e medicamentosa (psicoestimulantes e glicocorticoides), com ênfase no cuidado às comorbidades agravantes.

Diarreia

Como quimioterápicos agem em células que se proliferam rapidamente, podem afetar o TGI. A diarreia ocasionada é séria e pode ameaçar a vida (ex.: depleção de volume, hipocalemia, acidose metabólica, hiper ou hiponatremia, sepse), além de prejudicar a adesão ao tratamento. Manejo envolve:

  • Evitar alimentos que piorem a diarreia:
    • Lactose (intolerância pode ser induzida por lesão à mucosa);
    • Comida apimentada;
    • Álcool;
    • Cafeína;
    • Comida com alto conteúdo de fibra;
    • Comida gordurosa;
    • Sucos de laranja e ameixa;
  • Recomendar alimentos de fácil absorção;
  • Reidratar o paciente com água e/ou soro;
  • Interromper medicamentos/suplementos que piorem a diarreia:
    • Laxativos;
    • Emolientes de bolo fecal;
    • Vitamina C em altas doses;
    • Chá verde;
    • Babosa;
    • Metoclopramida e bromoprida;
  • Administrar loperamida.

Náusea e vômito

  • Tem como causas, além do tratamento:
    • Obstrução intestinal parcial ou completa;
    • Disfunção vestibular;
    • Metástases cerebrais;
    • Distúrbios hidroeletrolíticos;
    • Uremia;
    • Gastroparesia;
    • Excesso de secreção;
    • Suspensão rápida de opioides;
    • Ascite maligna.
  • Radioterapia é mais emetogênica quando envolve o corpo todo ou o abdome superior. Já a quimioterapia é dividida de acordo com seu potencial emetogênico (risco de êmese): alto (> 90%), moderado (30-90%), baixo (10-30%), ou mínimo (< 10%).
  • Pacientes recebendo profilaxia ou tratamento para náusea induzida por quimioterapia devem ter a conduta orientada pela droga de maior potencial emetogênico.
  • Náusea induzida por agentes anticancerígenos são diferenciados em:
    • Aguda: alguns minutos a horas após a administração, com resolução em cerca de 24 h;
    • Tardia: após 24 h da administração;
    • Antecipatória: antes da próxima administração, estando associada a condicionamento;
    • De escape: ocorre apesar da profilaxia antiemética;
    • Refratária: ocorre apesar de medicação antiemética de resgate.
  • Antieméticos empregados:
    • Alto potencial emetogênico: antagonistas de receptor de neurocinina 1, antagonistas de 5-HT3, glicocorticoides;
    • Moderado potencial emetogênico: antagonistas de 5-HT3, glicocorticoides;
    • Baixo potencial emetogênico: glicocorticoides.

Hiporexia

  • Associada à síndrome de anorexia-caquexia.
  • Causada por alterações do paladar, xerostomia, lesões orais (quimioterapia, radioterapia, ou própria doença), saciedade precoce, náuseas e vômitos, constipação, depressão, dor, e dispneia.
  • Alimentos frios, doces, e em pequenas porções são mais bem aceitos.
  • Como terapias medicamentosas, pode-se empregar mirtazapina, amitriptilina, e, por curto período (pois são catabólicos), glicocorticoides.

Complicações em oncologia

Compressão de medula espinhal

  • Causada por metástases espinhais ou, em caso de neoplasias hematológicas, disseminação da doença.
  • Pode provocar perda irreversível de função motora, sendo considerada uma urgência.
  • Sinais e sintomas variam conforme local da lesão. Incluem:
    • Dorsalgia (80-95% dos pacientes):
      • Constante, pior à noite ou na manhã;
      • Piora com aumento da pressão abdominal;
    • Paresia e/ou déficits motores (35-75 dos pacientes);
    • Déficits sensoriais;
    • Disfunção intestinal ou miccional;
    • Síndrome da cauda equina.
  • Diagnóstico é com TC e/ou RM.
  • Manejo:
    • Glicocorticoides: promovem analgesia e preservação da função neurológica;
    • Opioides e antidepressivos tricíclicos: necessários para analgesia da maior parte dos pacientes;
    • Cementoplastia: quando há fraqueza vertebral, sem acometimento da medula espinhal, pode-se, de forma minimamente invasiva, injetar cimento nas vértebras;
    • Cirurgia: tratamento definitivo, com melhora da função nerológica e da dor, que precisam ser pesados contra a morbimortalidade cirúrgica;
    • Radioterapia: pode ser feita com ou sem cirurgia, com alívio da compressão.
  • Reabilitação com fisioterapia tem bom prognóstico, mas depende das metas do paciente para seu cuidado de longo prazo.

Neutropenia febril

  • Quimioterapia pode causar neutropenia, que deixa o organismo suscetível a infecções.
  • A presença de febre em paciente neutropênico (neutropenia febril) sugere infecção com grande potencial de agravamento, sendo necessária internação para investigação de etiologia e antibioticoterapia.
  • Alguns quimioterápicos trazem maior risco de neutropenia, sendo útil a administração concomitante a eles de fatores de crescimento/fatores estimulantes de colônias, que podem prevení-la.

Síndrome de lise tumoral

  • Ocorre quando células cancerosas sofrem lise rapidamente no corpo (espontaneamente ou por consequência de tratamento, elevando os níveis de ácido úrico, potássio, e fósforo acima da capacidade de depuração dos rins, provocando distúrbios hidroeletrolíticos.
  • Sintomas:
    • Náusea e vômitos;
    • Anorexia;
    • Fadiga;
    • Colúria, oligúria, ou dor nos flancos;
    • Parestesia, convulsões, ou alucinações;
    • Cãibras e espasmos musculares;
    • Palpitações.
  • Pode ser letal.
  • Diagnóstico é laboratorial.
  • Pacientes com tumores maiores, de divisão rápida, ou altamente responsivos à quimioterapia, bem como portadores de DRC ou desidratados, estão em maior risco.
  • Prevenção é realizada com administração de fluidos, quelantes de potássio, e alopurinol. Tratamento é feito com essas mesmas medidas, podendo incluir, adicionalmente, rasbicurase e/ou diálise.

Tromboembolismos

  • Trombose é uma complicação comum (20% dos pacientes) no câncer, responsável por importante mortalidade e atrasos no tratamento do câncer.
  • Fatores de risco:
    • Relacionados ao câncer:
      • Local primário;
      • Histologia;
      • Grau;
      • Período inicial após o diagnóstico;
    • Relacionados ao tratamento:
      • Cirurgia;
      • Hospitalização;
      • Antiangiogênicos;
      • Acesso venoso central;
      • Eritropoietina;
      • Transfusões;
    • Relacionados ao paciente:
      • Idade;
      • Etnia;
      • Comorbidades;
    • Biomarcadores:
      • Contagem de plaquetas;
      • Contagem de leucócitos;
      • Hemoglobina;
      • Fator tissular;
      • Dímero D;
      • P-selectina;
      • Potencial de geração de trombina.
  • Tromboprofilaxia deve ser avaliada conforme fatores de risco, não devendo ser indicada de rotina. Medicamentos que podem ser empregados incluem:
    • Heparina de baixo peso molecular;
    • Varfarina;
    • NOACs.

Cuidados paliativos

  • A OMS define cuidado paliativo como uma abordagem de melhora na qualidade de vida de pacientes e cuidadores que estejam enfrentando doenças com perigo de vida, prevenindo e aliviando seu sofrimento pela identificação, avaliação, e tratamento de dor e outros problemas físicos, psicossociais, e espirituais.
  • Alguns de seu princípios incluem:
    • Afirmação da vida e visão da morte como um processo normal, que não deve ser nem adiantado nem adiado;
    • Abordagem multidisciplinar para tratar de necessidades de pacientes e suas famílias;
    • Melhora da qualidade de vida, com possível influência positiva sobre o curso da doença;
    • Aplicação no início do curso da doença, junto com terapias que visem ao prolongamento da vida, para aliviar dor e outros sintomas perturbadores.
  • Componentes essenciais incluem:
    • Relação médico-paciente adequada;
    • Avaliação de sintomas, incômodo com eles, e comprometimento da capacidade funcional;
    • Exploração do nível de compreensão do paciente sobre sua doença e prognóstico;
    • Clarificação de metas de tratamento;
    • Suporte em estratégias de enfrentamento;
    • Assistência com decisões médicas;
    • Coordenação do cuidado com outros membros da equipe multidisciplinar.

Conceitos em oncogenética

O câncer é uma doença genética, mas apenas 5-10% dos cânceres são hereditários. A oncogenética é o campo que estuda a influência da genética sobre os cânceres, especialmente, na prática clínica, sobre sua hereditariedade.

Tipos de mutação genética

Substituição de pares de bases

  • Mutação silenciosa: altera uma das bases nitrogenadas de uma sequência do DNA sem alterar, entretanto, o aminoácido gerado por aquela sequência (redundância);
  • Mutação com troca de sentido (missense): alteram o aminoácido gerado pela sequência de DNA;
  • Mutação sem sentido (nonsense): alteração da sequência de DNA transforma uma trinca num stop-codon, cessando a transcrição daquele ponto em diante.

Deleção ou inserção de base

  • Quase sempre patogênicas.
  • Acrescenta-se ou remove-se uma ou maidas bases da sequência de DNA.
  • Algumas dessas podem provocar mudança na matriz de leitura (frameshift), pois as bases são transcritas e traduzidas em trincas.

Outras mutações

  • Mutações em sítios de splicing: provocam a tradução incorreta de íntrons;
  • Defeitos de mismatch repair: impedem correção de erros na transcrição de microssatélites do DNA.

Interpretação das mutações

  1. Benigna;
  2. Provavelmente benigna;
  3. Variante de significado incerto (VUS);
  4. Provavelmente patogênica;
  5. Patogênica.

Indícios de predisposição hereditária ao câncer

Sugerem predisposição hereditária ao câncer os seguintes achados (no paciente ou em 2 ou mais parentes de 1º grau):

  • Câncer precoce, comparado à idade usual de apresentação;
  • Câncer bilateral;
  • Câncer multifocal em órgão único;
  • Mais de um câncer primário no mesmo indivíduo, em diferentes órgãos;
  • Câncer do mesmo tipo em parentes de primeiro grau;
  • Câncer em portadores de anomalia congênita ou doença rara;
  • Câncer de histologia rara;
  • Câncer em sexo usualmente não afetado;
  • Câncer em portador de lesões de pele típicas de síndromes hereditárias;
  • Câncer de mesmo sítio em várias gerações consecutivas (não necessariamente parentes de 1º grau).

Rastreio de cânceres hereditários

Diante da identificação ou suspeita de predisposição hereditária ao câncer, o paciente deve ser encaminhado ao aconselhamento genético. A partir daí, podem ser adotadas medidas específicas de rastreio, planejamento familiar, e redução de risco. Em geral, inicia-se o rastreamento 10 anos antes da idade em que o turmor se apresentou em familiares.

Referência(s)

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