Transtornos mentais estão entre as DCNTs mais prevalentes na atenção primária, com prevalência de até 19%. Assim, constituem um problema de saúde pública, que merece atenção de todo profissional médico.
Estruturação da rede de saúde mental no Brasil
A rede de saúde mental brasileira tem por características:
- Base comunitária (ou seja, o paciente não é internado desnecessariamente);
- Integração ao conjunto do sistema de saúde,
- Interface com outros setores (educação, trabalho, assistência social, lazer, etc).
Equipe de saúde da família (ESF)
- Composta por um médico generalista ou de família, um enfermeiro, 1-2 auxiliares de enfermagem, e 4-6 agentes comunitários de saúde (ACS).
- Cada equipe é responsável por 800-1000 famílias de uma região.
- Constitui a porta de entrada do SUS, e o elo entre as famílias e o cuidado à saúde.
Núcleo de apoio à saúde da família (NASF)
- Objetiva aumentar a resolutividade das ESF.
- Tem vários campos de atuação, como saúde do idoso, saúde da mulher, saúde da criança e do adolescente, e saúde mental.
- Funciona a partir de matriciamento, ou seja, os casos são discutidos entre profissionais para manejo compartilhado. Assim, o paciente é acompanhado por ambas as equipes.
- Articulação com serviços especializados.
Centro de atenção psicossocial (CAPS)
- Constitui um serviço de referência para casos graves em crise, que exijam cuidado intensivo ou reinserção psicossocial.
- Permanece integrado à ESF e ao NASF, não podendo o paciente perder o vínculo com a atenção primária.
Manejo de transtornos específicos
Transtornos mentais comuns
- Expressão criada por Goldberg e Huxley em 1992 para designar um conjunto de sintomas comuns que não constituem quadro clínico de transtorno psiquiátrico (ex.: queixas somáticas, fadiga, esquecimento, insônia, irritabilidade, falta de concentração), mas que apresentam morbidade psiquiátrica importante.
- Estima-se prevalência de 24-30% na atenção primária, especialmente em mulheres, idosos, e pessoas com baixa renda ou escolaridade.
- A nomenclatura enfatiza que os pacientes assistidos na apresentação primária não apresentam quadros psiquiátricos prototípicos, mas sim uma sobreposição de sintomas ansiosos, depressivos, e/ou somatoformes.
- São identificados pelo self-reporting questionnaire (SRQ-20), validado no Brasil com sensibilidade de 83% e especificidade de 80% para pontos de corte de 6 para homens e 8 para mulheres.
- Não se deve desprezar esses pacientes como “poliqueixosos”, “problemáticos”, “dando piti”, “histéricos”, “neuróticos”, entre outros termos carregados de estigma.
Transtornos associados ao uso de álcool
- Compõem aproximadamente 4% de toda a carga de morbidade global. Na população brasileira, há prevalência de 12,3% de dependência de álcool (14% em homens e 4% em mulheres).
- A intervenção na atenção primária pode ser eficaz.
- Devem ser triados por escalas como o CAGE e o Alcohol Use Disorders Identification Test (AUDIT).
- Pacientes em que se identifica risco moderado devem receber intervenções breves, aconselhamento, e encaminhamentos para grupos de apoio e/ou serviços secundários.
- A intervenção breve não é eficaz em pacientes já dependentes do álcool, devendo esses pacientes serem encaminhamos.
Esquizofrenia, psicoses, e transtorno bipolar
- O cuidado desses pacientes não pode estar restrito à sua estabilização e controle de sintomas, embora estes sejam primordiais.
- Deve-se priorizar acesso a propedêutica e terapêutica cardiovascular, devido aos efeitos colaterais de antipsicóticos:
- Controle de fatores de risco cardiovasculares (ex.: tabagismo, sedentarismo);
- Avaliação da circunferência abdominal;
- Avaliação da glicemia e do lipidograma;
- Avaliação por ECG para verificar se há prolongamento de QT.
- Em pacientes com queixa de galactosemia, disfunção erétil, ou osteoporose, deve-se avaliar hiperprolactinemia.
- Deve-se priorizar antipsicóticos de 2ª geração em pacientes que sofrem com sintomas extrapiramidais (acaricia, parkinsonismo, distopias agudas, discinesias tardias, etc).
- Pacientes que utilizam antipsicóticos injetáveis de depósito o fazem por risco de baixa adesão ao tratamento, devendo-se, portanto, monitorar mensalmente seu uso, fazer busca ativa, e enfatizar o suporte familiar.
- O risco de suicídio e de abuso de substâncias deve ser sempre avaliado, especialmente em pacientes bipolares.
- Interações medicamentosas devem ser analisadas com cuidado, visto que esses pacientes, principalmente bipolares, estão frequentemente em polifarmácia.
Referência(s)
PRAIS, Hugo Alejandro Cano; VIANA, Bernardo de Mattos. Saúde Mental e Psiquiatria na Atenção Primária à Saúde. In: BARBOSA, Izabela Guimarães; FÁBREGAS, Bruno Cópio; OLIVEIRA, Guilherme Nogueira Mendes de; et al (Orgs.). Psicossomática: Psiquiatria e Suas Conexões. Rio de Janeiro: Editora Rubio, 2014.