Aspectos gerais sobre rastreio de cânceres
Prevenção é todo ato que tem impacto na redução de mortalidade e morbidade nas pessoas por determinada doença. A propedêutica do câncer ginecológico pode tomar as formas de:
- Prevenção primária: impede que a doença se estabeleça;
- Prevenção secundária: impede que a doença evolua ao ponto de se tornar sintomática;
- Prevenção terciária: limita as consequências de doenças sintomáticas.
Ao decidir rastrear uma doença, é preciso que ela seja tratável, suficientemente prevalente e grave, e tenha testes acurados, custo-efetivos, e toleráveis disponíveis.
No rastreio, realiza-se primeiro testes de alta sensibilidade e, depois, um exame confirmatório, de alta especificidade.
Pode ser oportunístico (oferecido a todas as mulheres que cheguem a um serviço de saúde) ou organizado, com etapas e periodicidade definidas, com seguimento de cada paciente. O rastreio organizado é, obviamente, mais efetivo.
Por fim, todo programa de rastreio deve ter riscos (sobrediagnóstico, sobretratamento, falsos positivos, ansiedades) e benefícios (redução da mortalidade, diagnóstico precoce, tratamentos menos agressivos) pesados antes de estabelecido.
Rastreio do câncer de mama
É o segundo câncer mais prevalente em mulheres (atrás apenas do câncer de pele não melanoma), e o câncer que mais mata mulheres. No entanto, a partir da década de 90, a mortalidade tem caído, graças ao incremento no rastreio e ao avanço dos tratamentos.
Por ter evolução normalmente lenta (8-10 anos para atingir 1 cm), pode ser detectado por exames de imagem antes da manifestação de sintomas e/ou sinais (soujourn time: intervalo de tempo entre o surgimento do tumor e a manifestação clínica). No entanto, sua evolução é muito variável, e não se pode determinar qual será a história de uma lesão encontrada. Por isso, todo câncer rastreado deve ser tratado.
Mamografia
É o padrão ouro no rastreio do câncer de mama, sendo mais sensível nas fases iniciais da doença.
A efetividade do rastreio depende do seguimento de longo prazo da população, e os programas atuais estimam uma taxa de sobrediagnóstico entre 10-30%.
As recomendações atuais para mulheres de risco habitual são:
Início | 50 anos | 45 anos | 40 anos |
---|---|---|---|
Término | 69 anos | Expectativa de vida < 10 anos | 74 anos ou expectativa de vida < 7 anos |
Variáveis que afetam o rastreio mamográfico
- Faixa etária: o comportamento epidemiológico do câncer de mama é variável em diferentes países, sendo que, nos países em desenvolvimento, cânceres em mulheres mais jovens que 50 anos são mais comuns que em países desenvolvidos;
- Densidade mamária: quanto mais jovem a mulher, maior a densidade de sua mama, sendo que a sensibilidade da mamografia é menor em mamas densas, embora elas tenham mais risco de desenvolver cânceres que mamas lipossubstituídas de mesma idade;
- Intervalo de rastreio: não há estudos que comparem a eficácia de diferentes intervalos de rastreio, então a estratégia é baseada no comportamento biológico do câncer de mama.
Conduta diante dos exames
Segundo o sistema BI-RADS, para mulheres entre 50-69 anos:
Categoria BI-RADS | Significado | Conduta |
---|---|---|
0 | Amostra incompleta ou inconclusiva | Realizar novo exame |
1 | Sem achados | Rotina de rastreio |
2 | Achados benignos | |
3 | Achados provavelmente benignos | Controle radiológico por 3 anos (semestral no 1º ano e anual nos 2º e 3º anos). Confirmando estabilidade da lesão, volta-se à rotina. Eventualmente, biópsia |
4 | Achados suspeitos de malignidade | Biópsia e histopatológico |
5 | Achados altamentesuspeitos de malignidade | |
6 | Câncer (comprovado por biópsia) | Tratamento específico |
Rastreio do câncer de colo de útero
É o terceiro câncer mais comum em mulheres (segundo, em algumas regiões), sendo a prevalência maior em países em desenvolvimento. Nestes países, a incidência tem aumentado, enquanto, nos países desenvolvidos, ela tem se mantido estável.
Fatores independentes de risco incluem tabagismo, condições de imunossupressão, e situações ligadas à vida sexual, tais como:
- Início precoce das atividades sexuais (antes dos 12 anos);
- Múltiplos parceiros;
- História de ISTs;
- Relações extraconjugais;
- Multiparidade;
- Uso prolongado de anticoncepcionais orais (pelo relaxamento com uso de preservativo).
Vírus HPV
O câncer de colo de útero está associado ao vírus HPV em 99,7% dos casos. O risco de infecção para homens e mulheres sexualmente ativos é de 50-80%, sendo a mais transmissível das ISTs, e mais facilmente transmitido de mulheres para homens que o contrário. Apesar disso, o sistema imune consegue combater o vírus em 91% das infecções.
No entanto, o HPV é o segundo carcinógeno mais comum em seres humanos, atrás apenas do tabaco. Uma vez estabelecida a infecção no colo normal, a depuração do vírus e/ou sua própria patogenicidade pode causar lesões, que podem progredir para um câncer, em um processo de cerca de 10 anos. Todavia, algumas lesões pré-cancerosas regridem espontaneamente, criando riscos de sobrediagnóstico e sobretratamento.
Vacinação
Trata-se de importante medida de prevenção. Atualmente, existem as versões quadri, nona, e bivalente. No Brasil, aplica-se a quadrivalente nos seguintes grupos:
- 2 doses em meninos e meninas de 9-14 anos;
- 3 doses em homens e mulheres de 9-45 anos com HIV, história de transplante, ou malignidade ativa.
Estratégias para rastreio
As estratégias para rastreio e diagnóstico são, na ordem em que se realiza:
- Citologia oncótica/Tipagem de HPV (no Brasil, prevalece a citologia oncótica);
- Colposcopia;
- Biópsia.
Citologia oncótica
A citologia deve coletar material do ectocérvice (espátula) e do endocérvice (escova). Uma técnica adequada de coleta e a combinação a outros testes (ex.: tipagem de HPV) aumenta a sensibilidade e a especificidade. Não é indicada a realização (conjunta ou não) de citologia monocamada, pois não há evidência que ela diminua a mortalidade por câncer de colo de útero.
O tropismo do HPV é pela zona de transição entre os epitélios glandular e escamoso (epitélio metaplásico ou JEC, região em que inflamação é fisiológica). Caso esse epitélio esteja presente na amostra, ela é considerada satisfatória. Caso o exame contenha apenas células escamosas, ele precisará ser repetido dentro de 1 ano.
Em mulheres na menopausa, a vagina atrófica pode provocar sangramentos que prejudicam a qualidade da amostra. Nesses casos, é ideal prescrever um curso de 21 dias de estrogênio intravaginal, e realizar a CTO 5 dias após seu término.
As recomendações atuais para mulheres de risco habitual são:
INCA/MS | ACOG | |
---|---|---|
Início | 25 anos, após início das relações sexuais | 21 anos, após início das relações sexuais |
Periodicidade | 1 vez a cada 3 anos após 2 exames anuais consecutivos negativos | 21-29 anos: trienal ≥ 30 anos: semelhante ao brasil |
Término | 64 anos, caso haja 2 exames negativos nos últimos 5 anos | 65-70 anos, semelhante ao Brasil |
Tipagem de HPV | Não realizar | Co-teste ou tipagem primária a partir dos 30 anos (ou antes, se detectada lesão) a cada 5 anos (substituem CTO trienal) |
Mulheres histerectomizadas com remoção da cérvice | Não realizar | Não realizar |
Mulheres sem história de atividade sexual | Não realizar | |
Mulheres imunossuprimidas | Realizar CTO após início da atividade sexual, semestrais no primeiro ano e, se normal, manter seguimento anual | |
Mulheres com mais de 64 anos que nunca tenham realizado o exame | Realizar 2 exames com intervalo de 1-3 anos. Se vierem normais, ela está dispensada do rastreio |
A conduta diante de exames alterados é:
Diagnóstico citopatológico (Bethesda) | Faixa etária | Conduta | Classificação de Richart |
---|---|---|---|
Células escamosas atípicas de significado indeterminado possívelmente não neoplásicas (ASC-US) | < 25 anos | Repetir em 3 anos | Atipias |
25-29 anos | Repetir em 1 ano | Atipias | |
≥ 30 anos | Repetir em 6 meses | Atipias | |
Células escamosas atípicas de significado indeterminado não podendo afastar lesão de alto grau (ASC-H) | Qualquer | Colposcopia | Atipias |
Células glandulares atípicas de significado indeterminado (AGC) | Qualquer | Colposcopia | Atipias |
Células atípicas de origem indefinica (AOI) | Qualquer | Colposcopia | Atipias |
Lesão de baixo grau (LSIL) | < 25 anos | Repetir em 3 anos | NIC I e NIC II |
≥ 25 anos | Repetir em 6 meses | NIC I e NIC II | |
Lesão de alto grau (HSIL) | Qualquer | Colposcopia | NIC III (carcinoma in situ) |
Lesão intraepitelial de alto grau não podendo excluir microinvasão | Qualquer | Colposcopia | – |
Carcinoma escamoso invasor | Qualquer | Colposcopia | Carcinoma escamoso invasor |
Adenocarcinoma in situ (AIS) ou invasor | Qualquer | Colposcopia | Adenocarcinoma |
Além de descrição de achados citopatológicos, o laudo da CTO também traz informações sobre flora bacteriana. Caso não haja queixas, a flora anormal só deve ser tratada caso constitua-se de Actinomyces em usuárias de DIU (risco de abdome agudo).
Referência(s)
- Aulas dos professores Clécio Ênio Murta de Lucena, Eduardo Batista Cândido, e Fabiene Bernardes Castro Alves;
- LUONG, David. Breast imaging-reporting and data system (BI-RADS) assessment category 6. Radiopaedia, 2021. Disponível em: https://radiopaedia.org/articles/breast-imaging-reporting-and-data-system-bi-rads-assessment-category-6. Acesso em: 17, mai. 2022.
- Parâmetros técnicos para rastreamento do câncer de mama. Instituto Nacional de Câncer, 2021. Disponível em: https://www.inca.gov.br/sites/ufu.sti.inca.local/files/media/document/parametrostecrastreamentocamama_2021_1.pdf. Acesso em: 17, mai. 2022.