Sensopercepção em psiquiatria: o que é? Como se altera? Como examinar? Como se apresenta nos transtornos mentais?

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  • Constitui a primeira etapa da cognição (conhecimento do mundo externo).
  • A sensação é um fenômeno passivo, físico, periférico, e objetivo, resultante das alterações produzidas por estímulos externos sobre os órgãos sensoriais. Já a percepção é um fenômeno ativo, psíquico, central, e subjetivo, originado da integração das impressões sensoriais parciais e da associação delas às representações.
  • Qualidades sensoriais podem ser classificadas em:
    • Exteroceptivas: visuais, auditivas, gustativas, olfativas, e cutâneas (táteis, térmicas, e nociceptivas);
    • Interoceptivas: bem-estar, mal-estar, fome, sede, e sensibilidade visceral;
    • Proprioceptivas: cinestésicas, posição segmentar do corpo, equilíbrio, barestesia, e palestesia.

Alterações quantitativas

Agnosia

  • Constitui um distúrbio de reconhecimento de estímulos externos, sem que haja, no entanto, deficit sensorial.
  • Há alteração da percepção sem prejuízo da sensação.
  • Associado a lesões em áreas associativas corticais.

Hiperestesia

  • Aumento global da intensidade perceptiva: as impressões sensoriais tornam-se mais intensas, mais vívidas, ou mais nítidas.
  • Hipersensibilidade a estímulos sensoriais comuns, que, patologicamente, se tornam desagradáveis.

Hipoestesia

Diminuição global da intensidade perceptiva (mundo parece mais escuro, sons mais abafados, cheiros menos fortes, etc).

Anestesia

Abolição completa da sensibilidade.

Alucinação negativa

Aparente ausência de registro sensorial de determinado objeto presente no campo sensorial do paciente, apesar de os órgãos sensoriais estarem íntegros.

Macropsia

Objetos parecem aumentados de tamanho.

Micropsia

Objetos parecem diminuídos de tamanho.

Dismegalopsia

Objetos parecem deformados, com algumas partes aumentadas ou diminuídas.

Alterações qualitativas

Ilusão

  • Percepção falseada ou deformada de um objeto real e presente, no lugar do qual um outro objeto é percebido.
  • Pode ocorrer em situações fisiológicas.
  • Imagem ilusória é percebida como um objeto real.

Ilusão por desatenção

Elementos representativos são introduzidos para completar ou corrigir estímulos externos escassos ou incorretos (ex.: completar uma frase ouvida de forma fragmentária). Quando se presta mais atenção, a ilusão desaparece.

Ilusão catatímica

Um afeto intenso (relacionado a desejo ou temor) deforma um objeto (ex.: pessoa, ao caminhar à noite, confunde uma árvore com a figura de um assaltante). Também desaparece com a atenção.

Ilusão oniroide

Relacionada a um quadro de rebaixamento de consciência.

Pareidolia

  • Fenômeno não patológico.
  • Consiste numa imagem criada a partir de percepções de elementos sensoriais incompletos ou imprecisos (ex.: ver figuras humanas em manchas ou relevos de paredes).

Alucinação

  • Interpretar-se como estando no campo perceptual um objeto que de fato não está.
  • Distinguem-se das ilusões por não originar-se de transformações de percepções reais.

Alucinação verdadeira

  • Apresenta todas as características de uma imagem perceptiva real, incluindo corporeidade e localização no espaço objetivo externo.
  • São aceitas pelo juízo de realidade, por mais que pareçam estranhas ou especiais ao próprio paciente.

Pseudoalucinação

  • Não possuem corporeidade.
  • Podem ser ou não nítidas, estáveis, e/ou influenciáveis pela vontade.
  • Assim como na alucinação verdadeira, há plena convicção quanto à realidade do fenômeno.
  • Não é um termo consensual entre psicopatologistas, e raramente é utilizado entre psiquiatras.

Alucinose

  • Objeto é localizado no espaço objetivo externo, mas é reconhecido pelo indivíduo como algo patológico.
  • São também chamadas de alucinações neurológicas, já que estão relacionadas a distúrbios de origem orgânica.

Formas especiais de vivências alucinatórias

Alucinação liliputiana

Visão de personagens ou animais minúsculos.

Alucinação guliveriana

Visão de personagens ou animais gigantescos.

Alucinação extracampina

Observação de objetos fora do campo perceptivo (ex.: ver uma pessoa que está atrás de sua cabeça).

Alucinação funcional

Desencadeada por estímulos funcionais reais da mesma modalidade (ex.: alucinações auditivo-verbais que surgem com o som de um jorro de água, e desaparecem com sua cessação).

Sonorização do pensamento

Indivíduo ouve o próprio pensamento no espaço objetivo externo.

Autoscopia

Visão do próprio corpo projetada no espaço externo, geralmente acompanhada de medo.

Alucinação hipnagógica

  • Ocorre quando o indivíduo está adormecendo.
  • Possui características oníricas.
  • Indivíduo mantém a crítica quanto à irrealidade das imagens.

Alucinação hipnopômpica

  • Ocorre quando o indivíduo está despertando.
  • Possui características oníricas.
  • Indivíduo mantém a crítica quanto à irrealidade das imagens.

Alucinação reflexa

Alucinação de uma modalidade sensorial desencadeada por estímulo sensorial real de outra modalidade.

Alucinação imperativa

Alucinação auditiva caracterizada por voz que dá ordens ao paciente.

Sinestesia

Um estímulo sensorial de uma modalidade é percebido como uma sensação em outra modalidade (ex.: ver sons e ouvir cores).

Exame da sensopercepção

  • Perguntas diretas ao paciente quanto a “ouvir vozes” ou “ver coisas” têm valor limitado, sendo preferível a observação do comportamento do paciente.
  • Indícios comportamentais de atividade alucinatória:
    • Atenção comprometida;
    • Mudanças súbitas da posição da cabeça e desvios súbitos do olhar;
    • Fisionomia de terror ou de beatitude;
    • Proteção de olhos, ouvidos, narinas, órgãos genitais, entre outros com as mãos ou algum material;
    • Falar sozinho, dar respostas incoerentes em relação a perguntas, risos imotivados;
    • Olhar fixo em determinada direção;
    • Movimentos defensivos com as mãos;
    • Recusa sistemática de alimentos;
    • Movimentos das mãos como que afastando algo da superfície do corpo.

Sensopercepção nos principais transtornos mentais

Esquizofrenia

  • Apresenta riqueza alucinatória, especialmente na forma paranoide.
  • Predominam alucinações viscerais (cenestésicas) e auditivas.
  • Quadros apático-abúlicos cursam com hipoestesia.

Transtornos do humor

  • Pode ocorrer hiperestesia na mania, hipoestesia na depressão, e ilusões catatímicas em ambas.
  • Em quadros afetivos com sintomas psicóticos, alucinações auditivas são as mais frequentes.

Delirium

Predominam ilusões e alucinações visuais, sendo difícil diferenciar ambas na prática.

Alucinose alcoólica

Predominam alucinações auditivas, que possuem características de alucinação verdadeira (não de alucinose).

Intoxicação por alucinógenos

  • Há preservação da crítica (alucinoses).
  • Alterações da sensopercepção são principalmente visuais.

Epilepsia

  • Em crises parciais, pode haver alucinoses.
  • Em crises parciais complexas, com estreitamento de consciência, podem ser vivenciadas pseudoalucinações.

Demência

Demência cortical pode cursar com agnosia.

Transtorno conversivo e transtornos dissociativos

  • Em quadros conversivos, podem ocorrer hiperestesia, anestesia, e alucinações negativas.
  • Em quadros dissociativos, podem ocorrer pseudoalucinações.
  • Costumam estar combinadas mais de uma modalidade sensorial ao mesmo tempo.

Referência(s)

CHENIAUX, Elie, Manual de psicopatologia, 6. ed. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 2021.


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