Crimes sexuais
São crimes contra a dignidade sexual, que faz parte da própria dignidade humana. Seu tratamento pelo Código Penal sofreu importantes alterações em 2009.
Nesses crimes, a palavra da vítima é suficiente para início do processo, embora não seja para condenação.
Conceitos
O Código Penal entende como atos sexuais:
- Conjunção carnal: também chamada de cópula tópica, coito, ou imissão penis. Trata-se de relação sexual ente homem e mulher, com penetração do pênis na vagina, com ou sem ejaculação (imissio seminis);
- Ato libidinoso: atos libidinosos diversos da conjunção carnal (que é um ato libidinoso por excelência): cópula ectópica (sexo anal), atos orais (incluindo “beijos lascivos”), e atos manuais.
São distintas as perícias para ambos.
Legislação
Estupro
Antes de 2009, considerava apenas conjunção carnal contra mulher. Hoje, o artigo 213 do Código Penal determina:
Art. 213. Constranger alguém, mediante violência ou grave ameaça, a ter conjunção carnal ou a praticar ou permitir que com ele se pratique outro ato libidinoso:
Pena – reclusão, de 6 (seis) a 10 (dez) anos.
A violência deve ser física, mas a ameaça pode ser psicológica, desde que grave (caso contrário, é uma violência psicológica, não um crime sexual). Hoje, existe um debate se é possível que isso ocorra virtualmente, devendo ser avaliado o caso concreto.
Agravantes incluem:
§ 1º Se da conduta resulta lesão corporal de natureza grave ou se a vítima é menor de 18 (dezoito) ou maior de 14 (catorze) anos:
Pena – reclusão, de 8 (oito) a 12 (doze) anos.
§ 2º Se da conduta resulta morte:
Pena – reclusão, de 12 (doze) a 30 (trinta) anos.
No entanto, para serem agravantes, esses resultados precisam ser culposos. Se o agente tinha intenção de provocá-los, ele responde tanto pelo estupro quanto pela lesão corporal/homicídio.
Atentado violento ao pudor
É um crime que deixou de existir em 2009. No entanto, era tipificado no artigo 214 do Código Penal:
Art. 214. Constranger alguém, mediante violência ou grave ameaça, a praticar ou permitir que com ele se pratique ato libidinoso diverso da conjunção carnal:
Pena – reclusão de dois a sete anos.
Antes dessa alteração, o agente que comesse conjunção carnal e atos libidinosos forçados cometia dois crimes, e tinha, portanto, pena mais alta. Como a lei penal retroage em benefício do réu, algumas penas foram diminuídas (novatio legis in mellius).
Violação sexual mediante fraude
Pelo artigo 215 do Código Penal:
Art. 215. Ter conjunção carnal ou praticar outro ato libidinoso com alguém, mediante fraude ou outro meio que impeça ou dificulte a livre manifestação de vontade da vítima:
Pena – reclusão, de 2 (dois) a 6 (seis) anos.
Parágrafo único. Se o crime é cometido com o fim de obter vantagem econômica, aplica-se também multa.
Não pode haver violência, ou seria estupro.
A fraude deve ser central ao convencimento ao ato sexual, algo que alteraria o consentimento da vítima caso ela soubesse. Ela precisa, portanto, ter consentido.
Também deve ser algo que crível ao homem médio: se a pessoa tiver sido vitimada apenas por ser particularmente ingênua, não é da competência do direito penal (embora possa ir para o cível).
Se ela for completamente incapaz de discernimento, já é um estupro de vulnerável. Portanto, na violação sexual mediante fraude enquadram-se as situações em que uma vítima estava drogada o bastante para ter discernimento alterado, mas ainda preservado.
Importunação sexual
Definido pelo artigo 215-A do Código Penal:
Art. 215-A. Praticar contra alguém e sem a sua anuência ato libidinoso com o objetivo de satisfazer a própria lascívia ou a de terceiro:
Pena – reclusão, de 1 (um) a 5 (cinco) anos, se o ato não constitui crime mais grave.
É um crime “guarda-chuva”, que engloba violações da dignidade sexual que não sejam atos libidinosos propriamente ditos (ex.: “cantadas”, beijos forçados, frotteurismo, etc).
Assédio sexual
Segundo o artigo 216-A do Código Penal:
Art. 216-A. Constranger alguém com o intuito de obter vantagem ou favorecimento sexual, prevalecendo-se o agente da sua condição de superior hierárquico ou ascendência inerentes ao exercício de emprego, cargo ou função.
Pena – detenção, de 1 (um) a 2 (dois) anos.
§ 2º A pena é aumentada em até um terço se a vítima é menor de 18 (dezoito) anos.
O STJ, atualmente, entende que pode haver crime de assédio sexual na relação professor-aluno.
Sedução
Crime que deixou de existir em 2005, artigo 217 do Código Penal:
Art. 217 – Seduzir mulher virgem, menor de dezoito anos e maior de quatorze, e ter com ela conjunção carnal, aproveitando-se de sua inexperiência ou justificável confiança:
Pena – reclusão, de dois a quatro anos.
Estupro de vulnerável
Definido pelo artigo 217-A do Código Penal:
Art. 217-A. Ter conjunção carnal ou praticar outro ato libidinoso com menor de 14 (catorze) anos:
Pena – reclusão, de 8 (oito) a 15 (quinze) anos.
§ 1º Incorre na mesma pena quem pratica as ações descritas no caput com alguém que, por enfermidade ou deficiência mental, não tem o necessário discernimento para a prática do ato, ou que, por qualquer outra causa, não pode oferecer resistência.
§ 3º Se da conduta resulta lesão corporal de natureza grave:
Pena – reclusão, de 10 (dez) a 20 (vinte) anos.
§ 4º Se da conduta resulta morte:
Pena – reclusão, de 12 (doze) a 30 (trinta) anos.
§ 5º As penas previstas no caput e nos §§ 1º, 3º e 4º deste artigo aplicam-se independentemente do consentimento da vítima ou do fato de ela ter mantido relações sexuais anteriormente ao crime.
Mesmo menores de idade que se relacionam com menores de 14 anos incorrem em ato infracional análogo a estupro de vulnerável (visto que são inimputáveis), valendo o mesmo caso ambos do casal sejam menores de 14 anos.
É fato de notificação compulsória.
Corrupção de menores
Segundo o artigo 218 do Código Penal:
Art. 218. Induzir alguém menor de 14 (catorze) anos a satisfazer a lascívia de outrem:
Pena – reclusão, de 2 (dois) a 5 (cinco) anos.
Satisfação de lascívia mediante presença de criança ou adolescente
Conforme o artigo 218-A do Código Penal:
Art. 218-A. Praticar, na presença de alguém menor de 14 (catorze) anos, ou induzi-lo a presenciar, conjunção carnal ou outro ato libidinoso, a fim de satisfazer lascívia própria ou de outrem:
Pena – reclusão, de 2 (dois) a 4 (quatro) anos.
É um crime doloso, não sendo considerado dolo eventual uma situação como, por exemplo, um casal que tem relações sexuais num quarto em que há uma criança, que ambos acreditavam estar adormecida.
Favorecimento de prostituição ou outra forma de exploração sexual de vulnerável
Conforme o artigo 218-B do Código Penal:
Art. 218-B. Submeter, induzir ou atrair à prostituição ou outra forma de exploração sexual alguém menor de 18 (dezoito) anos ou que, por enfermidade ou deficiência mental, não tem o necessário discernimento para a prática do ato, facilitá-la, impedir ou dificultar que a abandone:
Pena – reclusão, de 4 (quatro) a 10 (dez) anos.
Aumento de pena
Determina o artigo 226 do Código Penal:
Art. 226. A pena é aumentada:
I – de quarta parte, se o crime é cometido com o concurso de 2 (duas) ou mais pessoas;
II – de metade, se o agente é ascendente, padrasto ou madrasta, tio, irmão, cônjuge, companheiro, tutor, curador, preceptor ou empregador da vítima ou por qualquer outro título tiver autoridade sobre ela;
IV – de 1/3 (um terço) a 2/3 (dois terços), se o crime é praticado:
a) mediante concurso de 2 (dois) ou mais agentes [estupro coletivo];
b) para controlar o comportamento social ou sexual da vítima [estupro corretivo].
E o artigo 234-A:
Art. 234-A. Nos crimes previstos neste Título a pena é aumentada:
III – de metade a 2/3 (dois terços), se do crime resulta gravidez;
IV – de 1/3 (um terço) a 2/3 (dois terços), se o agente transmite à vítima doença sexualmente transmissível de que sabe ou deveria saber ser portador, ou se a vítima é idosa ou pessoa com deficiência.
Perícia
O exame médico, mesmo realizado fora do IML, tem valor de prova, com a intenção de evitar vitimização secundária. Por isso, é necessário que o médico seja cauteloso e respeitoso com a vítima, sem duvidar de sua palavra. A coleta do histórico e do exame físico devem ser minuciosos.
Busca demonstrar e apresentar:
- Conjunção carnal;
- Sinais de violência (física ou moral);
- Provas biológicas que permitam identificar o agressor.
Exame do hímen
Durante o exame pericial, o hímen pode estar:
- Íntegro;
- Com rotura completa;
- Com rotura incompleta;
- Com agenesia (ausência congênita);
- Complacente (não se rompe);
- Reduzido a carúnculas mirtiformes (multíparas).
Via de regra, se rompe na primeira conjunção carnal, mas é um exame controverso, porque mulheres virgens podem ter hímen roto (ex.: corpo estranho), e mulheres de vida sexual ativa podem tê-lo íntegro. Sem colposcopia, o exame é falho em até 10% dos casos. Hímens complacentes, franjados, e infantis são de difícil exame.
Não há consenso nos tempos que levam para surgirem alterações no hímen. Deve-se procurar sinais inflamatórios, neovascularização, fibrose, sangramento… Em geral:
- Rotura recente: até cerca de 20 dias, com sangue e equimose nos 7 primeiros;
- Rotura antiga/cicatrizada: ocorreu há mais de 20 dias (evitar termo “antiga” no laudo), tem fibrose e cicatriz.
Na ausência de rotura himenal, traumatismos no colo podem indicar conjunção carnal.
Identificação do espermatozoide
Até 72 h da conjunção carnal, o esperma é visualizável na vagina. Em mulheres com vida sexual pregressa, a identificação de um único espermatozoide é o maior elemento de certeza da conjunção carnal. Deve-se realizar coleta cuidadosa, com swab ou cotonete (colo, fundo de saco, vulva, etc), e realizar exames a fresco e com coloração (Gram, HE). Caso tenha sido usado preservativo, pedir prova de látex e materiais particulados.
Exames complementares:
- Fosfatase ácida prostática (FAP): indica presença de sêmen, mas tem sensibilidade e especificidade duvidosas, pois está presente também em outros tecidos, e tem meia-vida vaginal de apenas 9 h. Altos teores de FAP na vagina indicam fortemente conjunção carnal, mas não confirmam;
- Antígeno prostático específico (PSA): independe da presença de espermatozoides, então está presente mesmo em indivíduos vasectomizados ou azoospérmicos. É um teste quase confirmatório.
No entanto, pode haver estupro sem ejaculação, além do que não necessariamente o sêmen encontrado é oriundo do estupro.
Exame das lesões genitais
Diversas lesões podem ser encontradas: equimoses, fissuras, lacerações… São oriundas de penetração sob resistência e, no caso de crianças, da desproporção entre os órgãos genitais.
Não são necessárias nem suficientes para diagnóstico de conjunção carnal, mas são indícios.
Outros indícios
- Pelos pubianos soltos podem ser encontrados na vulva, no corpo, na roupa íntima, na roupa de cama… Podem ter seu DNA testado;
- Manchas de sêmen nas vestes da vítima;
- Infecções genitais.
Feminicídio
É um agravante do crime de homicídio, conforme o artigo 121 do Código Penal:
Art. 121. Matar alguém:
Pena – reclusão, de seis a vinte anos.
§ 2° Se o homicídio é cometido:
VI – contra a mulher por razões da condição de sexo feminino:
Pena – reclusão, de doze a trinta anos.
§ 2º-A Considera-se que há razões de condição de sexo feminino quando o crime envolve:
I – violência doméstica e familiar;
II – menosprezo ou discriminação à condição de mulher.
§ 7º A pena do feminicídio é aumentada de 1/3 (um terço) até a metade se o crime for praticado:
I – durante a gestação ou nos 3 (três) meses posteriores ao parto;
II – contra pessoa maior de 60 (sessenta) anos, com deficiência ou com doenças degenerativas que acarretem condição limitante ou de vulnerabilidade física ou mental;
III – na presença física ou virtual de descendente ou de ascendente da vítima;
IV – em descumprimento das medidas protetivas de urgência previstas [na Lei Maria da Penha].
Violência doméstica
A Lei Maria da Penhaprotege mulheres (gênero, não sexo feminino) e pessoas com deficiência contra a violência doméstica ou familiar (física, psicológica, sexual, patrimonial, e/ou moral), pela tipificação dos crimes e criação de Juizados de Violência Doméstica e Familiar Contra a Mulher. Algumas mudanças que ela estabeleceu:
- Juizados especiais não têm competência para julgar crimes de violência doméstica contra a mulher, são criados juizados com competência cível e criminal, retirando a necessidade de processos separados (vara de família e juizado especial);
- A violência doméstica contra a mulher independe de sua orientação sexual;
- Não são permitidas penas substitutivas, necessariamente haverá privação de liberdade;
- É possível prisão em flagrante e preventiva;
- A mulher é notificado dos andamentos processualista, especialmente quanto ao ingresso e saída da prisão do agressor;
- A mulher somente pode renunciar à denúncia perante o juíz, em audiência especial.
No atendimento à vítima de violência, é importante que o profissional de saúde oriente a paciente sobre seus direitos, e incentive a denúncia.
Legislação
É entendida como qualificador para lesões corporais, conforme o artigo 129 do Código Penal:
Art. 129. Ofender a integridade corporal ou a saúde de outrem:
Pena – detenção, de três meses a um ano.
§ 1º Se resulta:
I – Incapacidade para as ocupações habituais, por mais de trinta dias;
II – perigo de vida;
III – debilidade permanente de membro, sentido ou função;
IV – aceleração de parto:
Pena – reclusão, de um a cinco anos.
§ 2° Se resulta:
I – Incapacidade permanente para o trabalho;
II – enfermidade incuravel;
III perda ou inutilização do membro, sentido ou função;
IV – deformidade permanente;
V – aborto:
Pena – reclusão, de dois a oito anos.
§ 3° Se resulta morte e as circunstâncias evidenciam que o agente não quís o resultado, nem assumiu o risco de produzí-lo:
Pena – reclusão, de quatro a doze anos.
§ 9º Se a lesão for praticada contra ascendente, descendente, irmão, cônjuge ou companheiro, ou com quem conviva ou tenha convivido, ou, ainda, prevalecendo-se o agente das relações domésticas, de coabitação ou de hospitalidade:
Pena – detenção, de 3 (três) meses a 3 (três) anos.
§ 10. Nos casos previstos nos §§ 1º a 3º deste artigo, se as circunstâncias são as indicadas no § 9º deste artigo, aumenta-se a pena em 1/3 (um terço).
§ 11. Na hipótese do § 9º deste artigo, a pena será aumentada de um terço se o crime for cometido contra pessoa portadora de deficiência.
Medidas protetivas à vítima de violência
A Lei Maria da Penha estabelece, ainda, direitos à mulher vítima de violência, entre os quais estão:
Art. 22. Constatada a prática de violência doméstica e familiar contra a mulher, nos termos desta Lei, o juiz poderá aplicar, de imediato, ao agressor, em conjunto ou separadamente, as seguintes medidas protetivas de urgência, entre outras:
II – afastamento do lar, domicílio ou local de convivência com a ofendida;
III – proibição de determinadas condutas, entre as quais:
a) aproximação da ofendida, de seus familiares e das testemunhas, fixando o limite mínimo de distância entre estes e o agressor;
b) contato com a ofendida, seus familiares e testemunhas por qualquer meio de comunicação;
c) freqüentação de determinados lugares a fim de preservar a integridade física e psicológica da ofendida;
IV – restrição ou suspensão de visitas aos dependentes menores, ouvida a equipe de atendimento multidisciplinar ou serviço similar;
V – prestação de alimentos provisionais ou provisórios.
Art. 24. Para a proteção patrimonial dos bens da sociedade conjugal ou daqueles de propriedade particular da mulher, o juiz poderá determinar, liminarmente, as seguintes medidas, entre outras:
I – restituição de bens indevidamente subtraídos pelo agressor à ofendida;
IV – prestação de caução provisória, mediante depósito judicial, por perdas e danos materiais decorrentes da prática de violência doméstica e familiar contra a ofendida.
Referência(s)
Aulas da professora Luciana de Paula Lima Gazzola.