⚠️Atenção: esse resumo possui imagens de cadáveres e/ou lesões, que podem causar desconforto
Tratam-se da obstrução física à passagem do ar pela vias aéreas ou prejuízo da ventilação, alterando a composição química do sangue (hipoxemia e hipercapnia). Pode, portanto, ter mecanismo mecânico ou tóxico. A síndrome resultante é a asfixia.
Aspectos legais
Asfixia é, primeiramente, um nome médico-legal, ou seja, uma causa externa, e não uma causa primária, não devendo constar na DO.
Homicídios por asfixia são, na maioria esmagadora das vezes, dolosos, e considerados cruéis. A legítima defesa é pouco plausível, pois, após o desfalecimento do agressor, a vítima teria tempo para escapar da ameaça.
Sinais gerais
Não há sinais patognomônicos de asfixia, e os sinais existentes são numerosos e variáveis. Entre eles estão:
- Cianose cadavérica: é um termo, a rigor, incorreto, pois cianose exige vida. Refere-se a manchas de hipostase precoces e de coloração escura, indicando que o indivíduo esteve cianótico em vida;
- Congestão facial e polivisceral: vasodilatação compensatória;
- Sangue asfíxico: sangue escuro e de fluidez aumentada (especialmente em asfixia crônica, devido à hematopoiese);
- Espuma nas vias aéreas: edema pulmonar por fragilização endotelial e consequente congestão na hipercapnia (especialmente na aspiração meconial);
- Rigidez muscular mais precoce e quase simultânea nos diversos segmentos do corpo, pela redução de oxigênio e morte agônica;
- Petéquias e equimoses, especialmente nas conjuntivas oculares e serosas (hiperfragilidade vascular sob hipercapnia);
- Manchas de Tardieu: petéquias subepicárdicas e subpleurais.
Fases
Processo geral da morte por asfixia:
- Dispneia inspiratória: indivíduo, consciente, mas hipoxêmico, faz grande esforço para receber oxigênio (1 min);
- Dispneia expiratória: indivíduo, devido à hipercapnia, perde gradativamente a consciência e pode apresentar convulsões (2-3 min);
- Esgotamento: indivíduo inconsciente sofre parada respiratória e morte aparente (2-3 min);
- Morte.
Caso o indivíduo sobreviva, sequelas neurológicas são possíveis.
Asfixia por sufocação
Sufocação direta
Oclusão das vias aéreas em qualquer ponto, com impedimento mecânico à passagem do ar.
Causas comuns:
- Oclusão de boca e fossas nasais:
- Acidental:
- Perda de consciência e queda sobre superfícies macias;
- Brincadeiras com sacos plásticos;
- Criminosa:
- Desproporção de forlas entre vítima e agente;
- Infanticídio;
- Violência sexual;
- Amordaçamento;
- Acidental:
- Oclusão das vias respiratórias:
- Corpos estranhos na via aérea;
- Aspiração de vômito;
- Sangramento em cirurgia odontológica ou otorrinolaringológica;
- Obstrução por prótese dentária em idosos (especialmente internados).
Sufocação indireta
Compressão do tórax ou abdome, impedindo movimento respiratório, mesmo que haja via aérea desobstruída. Crianças e bebês estão especialmente vulneráveis.
Causas comuns:
- Grandes multidões;
- Desmoronamentos;
- Exortadores;
- Recém-nascidos que dormem no mesmo leito que seus pais.
O achado típico é a máscara equimótica da face (sinal de Morestin).
Sufocação posicional
Causada pela permanência do indivíduo em posição (ex.: crucificação, “pacotinho”) que impeça ou dificulte seriamente a ventilação pulmonar, após fadiga e falência muscular respiratória. Indivíduos com traço falcêmico estão especialmente vulneráveis, pois suas hemácias falcemizam sob hipóxia.
Asfixias por constrição cervical
Mecanismos de morte
Vários mecanismos operam juntos nesse tipo de asfixia, incluindo:
- Vascular:
- Compressão de veias jugulares internas (força > 2 kg);
- Compressão de artérias carótidas comuns e internas (força 2,5-10 kg);
- Compresão de artérias vertebrais (força > 30 kg);
- Reflexo: hipotensão e bradicardia reflexas por compressão do seio carotídeo;
- Compressão de vias aéreas:
- Membrana tireohioidea (força > 10 kg);
- Traqueia (força > 15 kg).
Enforcamento
Forma de asfixia mecânica produzida por constrição do pescoço por meio de laço acionado pelo peso da própria pessoa. Pode ser:
- Completa/Típica ou incompleta/atípica (com apoio pelos pés e joelhos, causando morte mais lenta);
- Com nó de posição típica (atrás das orelhas, cabeça pende para a frente) ou atípica (na frente das orelhas, cabeça pende para os lados ou para trás);
- Com queda longa (≥ 1,5 m, morte decorrente de fratura da coluna cervical) ou curta (morte em 5-10 min, como em outras asfixias, mas perda de consciência em cerca de 10 seg).
Está presente sulco cervical único, bem marcado (mais intenso na área oposta ao nó), alto no pescoço (acima do osso hióide), heterogêneo (descontínuo e interrompido no nó), e com direção oblíqua ascendente. Pode estar ausente caso a pessoa tenha sido enforcada usando um cachecol (ex.: Sadam Hussein).
Pode haver projeção grande da língua, pois o nó empurra sua base para cima, e a asfixia provoca congestão venosa.
A causa jurídica da morte costuma ser suicídio, podendo haver também acidentes (parafilias) e, raramente, homicídios (necessária desproporção de forças ou intoxicação da vítima).
A perícia precisa deteminar se a suspensão ocorreu em vida, se há sinais de trauma e simulação de suicídio, e se a vítima encontrava-se sóbria. Sinais vitais incluem sulco escoriado com equimose nas bordas e exsudato amarelado de reação inflamatória no sulco. Marcas ungueais podem ocorrer tanto em suicídios quanto homicídios.
De nota, enforcamentos podem matar por decapitação, em vez de hipóxia.
Estrangulamento
Forma de asfixia mecânica produzida por constrição do pescoço por meio de laço acionado por força diversa do peso do corpo da vítima. Pode ser produzida por membros, com ou sem auxílio da roupa da vítima.
Há sinais gerais de asfixia. As características do sulco são opostas às do enforcamento: profundidade regular e uniforme, de diversas direções (normalmente, horizontal, mas variável conforme sentido em que o laço foi puxado), trespassamento de uma extremidade sobre a outra, e frequentes estrias ungueais e escoriações.
Normalmente, são homicidas. Podem ser acidentais (parafilias, síndrome do laço longo).
Esganadura
Forma de asfixia mecânica produzida por constrição do pescoço pelas mãos (se braços, é estrangulamento). É raro o êxito, pois necessita de desproporção de forças entre agressor e vítima, mas frequentemente associa-se a estrangulamento.
Estrias ungueais e escoriações são comuns.
Asfixia por modificações do ambiente
Confinamento
Tipo de asfixia em que um ou mais indivíduos ficam presos em ambiente sem renovação adequada do ar, não necessariamente hermeticamente vedado (ex.: desabamentos, desmoronamentos, cavernas, túneis subterrâneos).
Soterramento
Todas as formas de morte em que o indivíduo fica completamente coberto por escombros de um desmoronamento/desabamento, ou por terra/substâncias sólidas pulverulentas (sepultamento). Normalmente acidental. Tem-se:
- Conceito estrito: asfixia mecânica por obstrução das vias aéreas por terra ou substâncias pulverulentas.
- Conceito amplo:
- Sufocação direta por terra;
- Confinamento por escombros;
- Sufocação indireta por escombros;
- Trauma contuso.
Para o diagnóstico, é mais importante o estudo do local que do cadáver. No cadáver pode-se encontrar:
- Substâncias sólidas ou semissólidas (fuligem e terra) nas vias aéreas e digestivas, sinalizando ato vital de respiração e deglutição (sinal de Montalti);
- Lesões traumáticas contusas.
Asfixia por monóxido de carbono
Resulta da fixação do monóxido de carbono na hemoglobina, provocando asfixia tissular por carboxiemoglobina. Encontra-se no cadáver:
- Hipostases e sangue de cor carmim (patognomônico);
- Putrefação tardia (CO também é tóxico para as bactérias).
Afogamento
Tipo de asfixia mecânica produzida, necessariamente, pela aspiração de líquido ou semilíquido, impedindo a passagem de ar até os pulmões. Classificação:
- Afogados brancos de Parrot, secos, ou por inibição: corpo retirado da água que não sofreu asfixia verdadeira, não havendo coloração azulada característica. Ocorre por parada cardiorrespiratória por mecanismos reflexos automáticos (ex.: arritmias, choque térmico violento);
- Afogados azuis, úmidos, ou verdadeiros: houve afogamento e asfixia real, com todos os característicos.
Putrefação e flutuação
- Imersão: densidade do corpo;
- Flutuação: fases da putrefação com aumento volumétrico do corpo, em 24 h – 5 dias;
- Segunda imersão: rotura dos tecidos e extravasamento dos gases;
- Segunda flutuação: se o solo marítmo for argiloso, pode ocorrer adipocera tardia.
Sinais externos de afogamento
- Esfriamento precoce;
- Pele anserina;
- Maceração com destacamento da epiderme em dedos de luva e “mãos de lavadeira” (maceração asséptica do afogado);
- Lesões de arrasto pelo leito fluvial ou marítimo, que surgem post mortem (lesões de Simonin);
- Mancha verde da putrefação no esterno ou parte inferior do pescoço;
- Cogumelo de espuma (enfisema hidroaéreo), por entrada violenta de água em mortes agênicas/violentas e se houver retirada precoce do corpo da água;
- Erosões nos dedos e corpos estranhos subungueais caso tenha havido reação de defesa.
Sinais internos de afogamento
- Líquido e corpos estranhos nas vias respiratórias e digestivas superiores;
- Lesões pulmonares: edema, enfisema aquoso, equimoses subpleurais, manchas de Paltauf (maiores que as petéquias, mais profundas, parenquimatosas, devido a rompimento das estruturas alveolares);
- Congestão polivisceral;
- Presença de algas nos alvéolos (sinal vital, pois glote fecha após a morte);
- Presença de líquidos no ouvido médio;
- Hemorragia temporal e etmoidal (por pressão);
- Hemodiluição (em água doce) ou hemoconcentração (em água salgada);
- Incoagulabilidade do sangue (coagulação é sinal vital, mas, no afogamento, os fatores de coagulação estão alterados);
- Crioscopia de Carrara:
- Verificação do ponto de congelamento do sangue, que é menor em água salgada;
- Pontos de congelamento devem ser comparados entre o AE e o AD, pois só o AE recebe sangue alterado do pulmão, afogados secos não terão diferença nesses pontos.
Referência(s)
Aulas da professora Luciana de Paula Lima Gazzola.