Resumo de medicina legal: Lesão corporal – Legislação e perícia

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A lesão corporal é definida como qualquer agressão física (ou seja, com embate corporal) que cause dano anatômico, fisiológico, ou mental, sem intenção de matar (animus necandi), proposital ou não, direta ou não.

Legislação

No Brasil, é tipificada pelo artigo 129 do Código Penal:

Art. 129. Ofender a integridade corporal ou a saúde de outrem.

A lesão corporal sem agravantes (leve), como outros crimes de pena máxima ≤ 1 ano, pode ser substituída por pena alternativa.

Se a lesão é levíssima, aplica-se a teoria da insignificância, e não é considerado crime. Também são absolvidas lesões que tragam apenas dor (subjetiva, não produz prova física) ou apenas “crise nervosa sem comprometimento funcional, físico ou mental”.

Vale ressaltar que casos de violência doméstica e veículos automotoras seguem legislação específica (lei Maria da Penha e Código de Trânsito, respectivamente).

Lesão corporal grave

§1º Se resulta:

I – Incapacidade para as ocupações habituais, por mais de 30 dias;

II – perigo de vida;

III – debilidade permanente de membro, sentido ou função;

IV – aceleração de parto.

Incapacidade para as ocupações habituais, por mais de 30 dias

Se refere a incapacidade para atividades de vida diária, não apenas laborais, incluindo quaisquer atividades corriqueiras e lícitas. Por isso, é um qualificador que pode ser aplicado a crianças, bebês, e aposentados.

É indispensável a repetição do exame pericial logo que encerre o prazo de 30 dias da data do crime.

Perigo de vida

Se refere a perigos concretos, não apenas abstratos (presumidos do ponto de vista estatístico). Prováveis, não apenas possíveis. Portanto, precisa levar em conta o caso concreto, se aquela pessoa específica tinha grandes chances de falecer em decorrência da lesão (independentemente de sua posterior recuperação).

Debilidade permanente de membro, sentido ou função

Permanente, para o direito, não significa perpétuo ou definitivo. Isso se refere, assim, a quaisquer lesões que precisem de qualquer tipo de tratamento, que não regredirão espontaneamente, pois entende-se que o agressor submeteu sua vítima à possibilidade de não recuperação (visto que o tratamento pode falhar), além do que esta não é obrigada a passar por quaisquer procedimentos para recuperar funções e diminuir, assim, a pena de seu agressor.

Debilidade é definida como uma redução ou enfraquecimento da capacidade funcional. Os membros são compreendidos como braços e mãos, e pernas e pés. A função trata-se da atividade específica do órgão.

Em caso de perda de um dos órgãos duplos, como a função global foi diminuída, mas não obliterada, considera-se como lesão corporal grave por debilidade.

Aceleração de parto

Constitui antecipação do nascimento do feto, sem provocar sua morte no período perinatal. Esse agravante não se aplica para a expulsão de molas hidatiformes, pois ele visa à proteção da vida do feto, e, nesse caso, não há vida a se proteger.

Para que o agressor seja penalizado, é preciso que, no caso concreto, ele tivesse possibilidade razoável de saber que a vítima estava grávida, caso contrário, não há dolo no dano causado ao feto.

Lesão corporal gravíssima

§2° Se resulta:

I – Incapacidade permanente para o trabalho;

II – enfermidade incuravel;

III – perda ou inutilização do membro, sentido ou função;

IV – deformidade permanente;

V – aborto.

Incapacidade permanente para o trabalho

Assim como no caso de debilidade permanente do membro, qualquer necessidade de tratamento já permite a qualificação de permanência.

Ressalta-se que o indivíduo deve estar permanentemente incapaz de trabalhar, e não de desempenhar a atividade laboral específica que vinha desenvolvendo anteriormente ao crime. Exceções são feitas conforme o caso concreto, e envolvem questões como necessidade de nova qualificação, perda significativa de renda, e notabilidade prévia da vítima em sua área.

Enfermidade incurável

Se refere a lesões que sejam incuráveis de acordo com a ciência atual (ex.: epilepsia refratária pós TCE, paraplegia pós trauma medular, transmissão dolosa do HIV), não sendo o agravante retirado caso eventualmente seja descoberta uma cura.

Perda ou inutilização do membro, sentido ou função

Exige perda anatômica ou de ao menos 70% da função. No caso de órgãos duplos, é necessária perda de ambos. No caso de dedos, não é considerada perda do membro, apenas debilidade da função do braço (pode haver exceções, como em alguns casos de perda do polegar). A perda de mãos, entretanto, já é considerada.

Deformidade permanente

Se refere a lesões estéticas que gerem repulsa e desinserção social. Não é necessário que sejam em áreas expostas (ex.: lesão torácica causa deformação que arruina vida sexual da vítima). Mesmo se cirurgias plásticas puderem reparar o dano, o agravante não é retirado.

Aborto

Constitui antecipação de parto, com morte imediata ou perinatal do feto. Para que o agressor seja penalizado, é preciso que, no caso concreto, ele tivesse possibilidade razoável de saber que a vítima estava grávida, caso contrário, não há dolo no dano causado ao feto. Ele também não pode desejar o aborto, pois, caso o deseje, responde por 2 crimes: lesão corporal e aborto.

Lesão corporal seguida de morte

§3° Se resulta morte e as circunstâncias evidenciam que o agente não quís o resultado, nem assumiu o risco de produzí-lo.

É o que se chama de preterdolo: há dolo no precedente/conduta, mas culpa no resultado.

Julgar se houve ou não dolo depende do contexto do caso concreto. Não havendo prova suficiente para alegar que houve animus necandi, segue-se o princípio do in dubio pro reu: na dúvida, beneficia-se o réu.

Lesão corporal privilegiada

§4° Se o agente comete o crime impelido por motivo de relevante valor social ou moral ou sob o domínio de violenta emoção, logo em seguida a injusta provocação da vítima, o juiz pode reduzir a pena de um sexto a um terço.

Ocorre, em geral, quando o agente se excede no que seria, de outro modo, legítima defesa, e o agressor causa lesão além da necessária para impedir a vítima (ex.: pai espanca criminoso que pretendia matar seu filho, e continua a agressão mesmo após neutralizá-lo).

Lesão corporal culposa

§6° Se a lesão é culposa.

São aquelas cometidas sem dolo ou dolo eventual, embora possa haver culpa consciente. Não podem resultar em morte, ou seriam tipificadas como homicídio culposo. Assim como na lesão corporal seguida de morte, a avaliação do dolo é conforme o caso concreto.

Não são qualificadas (leve, grave, ou gravíssima) conforme seu resultado.

Perdão judicial

Em lesões corporais e homicídios culposos, pode haver absolvição do réu se as circunstâncias da infração atingirem o próprio agente de forma tão grave que a sanção penal se torne desnecessária (ex.: pai mata culposamente seu filho), pois uma pena não cumpriria função protetiva ou reabilitadora, e a própria infração já cumpre suficientemente a função punitiva.

Excludentes de ilicitude

Tratam-se de situações em que algo tipificado como crime não é assim considerado pela lei.

Estado de necessidade

Tratam-se de situações analisadas pelo caso concreto, em que interesses juridicamente protegidos colidem, necessitando do sacrifício de um pelo outro (ex.: quebrar uma janela para salvar a vítima de um incêndio, causando lesões pelos fragmentos de vidros). Um crime é cometido por um bem maior, por assim dizer.

Legítima defesa

Atos necessários para repelir de si ou de outrem uma agressão atual e ilegítima.

Se a agressão já ocorreu e violência é cometida contra o agressor, deixa de ser legítima defesa e se torna vingança, ou, em alguns casos, lesão corporal privilegiada.

Para ser legítima, a defesa também precisa ser proporcional à ameaça apresentada. Isso varia do caso concreto, mas, em geral, não se pode sacrificar um valor maior por outro menor (ex.: matar para proteção de propriedade ou dignidade sexual). Fatores que também são levados em conta são o acesso da vítima a outros meios de defesa.

Estrito cumprimento de dever legal ou exercício regular de direito

A prática da cirurgia é, em essência, uma lesão corporal, que não é assim tipificada pois trata-se do exercício de uma profissão regulamentada

Laudo pericial

Periciar (direta ou indiretamente) lesões corporais é das funções mais frequentes para as quais se designa perito ad hoc. É necessário sempre consultar a jurisprudência atualizada para laudar.

Os quesitos oficiais em MG para o exame de corpo de delito de lesão corporal são:

  1. Há ofensa à integridade corporal ou à saúde?
  2. Qual o instrumento ou meio que a produziu?
  3. Foi produzido por meio de veneno, fogo, explosivo ou tortura, ou por meio insidioso ou cruel?
  4. Houve perigo de vida?
  5. Resultou em incapacidade para as ocupações habituais por mais de 30 dias?
  6. Resultou em incapacidade permanente para o trabalho, enfermidade incurável, debilidade permanente de membro, sentido ou função, aborto ou aceleração de parto ou deformidade permanente?

A perícia de uma lesão corporal é dinâmica, pois é com a evolução de uma lesão que será possível determinar se ela produziu resultados leves, graves, ou gravíssimos.

Referência(s)

Aulas da professora Luciana de Paula Lima Gazzola.


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