Conceitos
A lei entende que:
- Toxicofilia: estado de intoxicação (periódica ou crônica) nociva (ao indivíduo ou à sociedade), produzida pelo consumo de uma droga (natural ou sintética);
- Tóxico/Droga: grupo de substâncias (naturais, sintéticas, ou semissintéticas) que podem causar tolerância, dependência (independentemente se física ou psíquica), e crise de abstinência;
- Tolerância: necessidade de doses cada vez maiores para obter o mesmo efeito;
- Dependência: interação entre o metabolismo e o consumo da droga, com vontade repetida de repetí-lo;
- Crise de abstinência: reações adversas à privação da droga.
Tais conceitos são problemáticos, porque há substâncias que alteram importantemente a percepção do indivíduo sem atender a todos os critérios para um tóxico (ex.: LSD).
Tipos de substâncias psicoativas/psicotrópicas
- Psicolépticos:
- Ação depressora do SNC;
- Mnemônico: deixam lerdo;
- Ex.: álcool etílico, opiáceos, barbitúricos, benzodiazepínicos.
- Psicoanalépticos:
- Ação estimulante do SNC;
- Mnemônico: deixam animado;
- Ex.: anfetaminas (incluindo MDMA), cocaína e derivados (crack, oxi, etc), nicotina, cafeína.
- Psicodislépticos:
- Ação perturbadora do SNC;
- Mnemônico: distorcem a percepção;
- Ex.: maconha (especialmente por conta do THC), LSD, mescalina, psilocibina, DMT.
Embriaguez alcoólica
É o conjunto de manifestações neuropsicossomáticas resultantes da intoxicação etílica aguda, sendo, portanto, um diagnóstico clínico.
Modalidades
Voluntária
Trata-se da ingestão não acidental de bebidas alcoólicas com finalidade de atingir embriaguez.
De acordo com o artigo 28 do Código Penal:
Art. 28 – Não excluem a imputabilidade penal:
II – a embriaguez, voluntária ou culposa, pelo álcool ou substância de efeitos análogos.
Isso porque a embriaguez é considerada actio libera in causa, ou seja: mesmo que tenha sido a embriaguez a causa de um crime, e não a livre vontade do indivíduo, o indivíduo escolheu causar essa embriaguez com plena liberdade.
No entanto, o agente pode ser inimputável caso a prática do delito tenha sido imprevisível, e o agente não tenha assumido nenhum risco de produzí-lo. Isso é a exceção, não a regra, e avalia-se o caso concreto (ex.: indivíduo sai de casa sem a chave do carro, pois não pretende dirigir embriagado, mas, após embriagar-se, surge uma emergência, e ele precisa dirigir o carro de um amigo).
Culposa
Trata-se da ingestão não acidental de bebidas alcoólicas, em que o agente, imprudentemente, atinge estado de embriaguez sem intenção de atingir esse estado.
Permanece o preconizado pelo artigo 28 do Código Penal, pois entende-se que o agente assumiu risco de produzir a embriaguez que levou à ação criminosa.
Acidental
Ocorre quando o agente fica embriagado sem sua vontade.
De acordo com o artigo 28 do Código Penal:
§ 1º É isento de pena o agente que, por embriaguez completa, proveniente de caso fortuito ou força maior, era, ao tempo da ação ou da omissão, inteiramente incapaz de entender o caráter ilícito do fato ou de determinar-se de acordo com esse entendimento.
§ 2º A pena pode ser reduzida de um a dois terços, se o agente, por embriaguez, proveniente de caso fortuito ou força maior, não possuía, ao tempo da ação ou da omissão, a plena capacidade de entender o caráter ilícito do fato ou de determinar-se de acordo com esse entendimento.
Entende-se que:
- Caso fortuito: acidente propriamente dito (ex.: sujeito não sabia que uma bebida era alcoólica);
- Força maior: sujeito é forçado a ingerir bebida.
A (semi-)imputabilidade deverá ser avaliada no caso concreto.
Patológica
É uma categoria legal, não um diagnóstico médico.
Refere-se à embriaguez produzida pela ingestão de pequenas quantidades de bebida alcoólica, em consequência de alguma patologia.
Se o agente desconhecia sua patologia, considera-se uma embriaguez acidental. Caso contrário, culposa. Disso seguem as consequências legais.
Preordenada
Trata-se de intoxicação alcoólica deliberada, com a finalidade de “criar coragem” para cometer crimes. É um agravente, conforme o artigo 61 do Código Penal:
Art. 61 – São circunstâncias que sempre agravam a pena, quando não constituem ou qualificam o crime:
II – ter o agente cometido o crime:
l) em estado de embriaguez preordenada.
Tipos de embriaguez
- Incompleta: agente está sob efeito do álcool, mas consciente dos atos que comete;
- Completa: agente não tem mais consciência e vontade livres.
Fases da embriaguez alcoólica
Nem todo indivíduo passará por todas essas fases, e não necessariamente passará nessa ordem. Porém, classicamente, elas são:
- Fase da excitação/euforia (macaco): indivíduo loquaz, animado, gracejador, e eufórico;
- Fase da confusão/médico-legal (leão): indivíduo agressivo, irritado, cambaleante, disártrico;
- Fase comatosa/da depressão (porco): consciência embotada, midríase, sudorese, incapacidade de manter-se de pé, estado de vulnerabilidade.
Alguns autores também consideram que haja uma fase pré-clínica e uma fase de morte. Porém, nenhum desses indivíduos estaria propriamente embriagado: um ainda estaria sóbrio, e o outro já não estaria coisa alguma.
Ações do álcool
- Motoras: diametria, lentificação motora;
- Sensitivas: aparente estimulação, alegria, otimismo, verborreia, agressões, obscenidades, perda de autocrítica, sinceridade (in vino veritas).
Código de Trânsito Brasileiro
É quem legisla sobre a direção sob influência de álcool e outros psicotrópicos.
Infração administrativa
Determina infração administrativa o artigo 165:
Art. 165. Dirigir sob a influência de álcool ou de qualquer outra substância psicoativa que determine dependência:
Infração – gravíssima;
Penalidade – multa (dez vezes) e suspensão do direito de dirigir por 12 (doze) meses.
Medida administrativa – recolhimento do documento de habilitação e retenção do veículo, observado o disposto no § 4o do art. 270 da Lei no 9.503, de 23 de setembro de 1997 – do Código de Trânsito Brasileiro.
Parágrafo único. Aplica-se em dobro a multa prevista no caputem caso de reincidência no período de até 12 (doze) meses.
Art. 165-A. Recusar-se a ser submetido a teste, exame clínico, perícia ou outro procedimento que permita certificar influência de álcool ou outra substância psicoativa, na forma estabelecida pelo art. 277:
Infração – gravíssima;
Penalidade – multa (dez vezes) e suspensão do direito de dirigir por 12 (doze) meses;
Medida administrativa – recolhimento do documento de habilitação e retenção do veículo, observado o disposto no § 4
ºdo art. 270.Parágrafo único. Aplica-se em dobro a multa prevista no caput em caso de reincidência no período de até 12 (doze) meses.
A determinação de influência de álcool ou psicoativo é, essencialmente, clínica. O art. 165-A determina que o indivíduo não pode se recusar a ser submetido a algum tipo de teste (pois isso iria contra o interesse da coletividade), mas o STF entende que o indivíduo não é obrigado a fornecer parte do seu corpo (entendido como sangue ou ar alveolar) para produzir prova contra si mesmo, então ele pode recusar o etilômetro (bafômetro) e o exame de sangue, mas não o teste (realizado pelo agente de trânsito) ou exame (realizado pelo médico perito) clínico.
No entanto, por ser produzido por agente público, o auto de infração tem valor de prova. Por isso, o exame laboratorial pode ser importante para contraprova. Ainda assim, um exame laboratorial muito tardio pode não ser suficiente, pois, caso seja negativo ou inconclusivo, não será prova suficiente de inocência.
Infração penal
O artigo 306 determina que:
Art. 306. Conduzir veículo automotor com capacidade psicomotora alterada em razão da influência de álcool ou de outra substância psicoativa que determine dependência:
§ 1º As condutas previstas no caput serão constatadas por:
I – concentração igual ou superior a 6 decigramas de álcool por litro de sangue ou igual ou superior a 0,3 miligrama de álcool por litro de ar alveolar; ou
II – sinais que indiquem, na forma disciplinada pelo Contran, alteração da capacidade psicomotora.
§ 2º A verificação do disposto neste artigo poderá ser obtida mediante teste de alcoolemia, exame clínico, perícia, vídeo, prova testemunhal ou outros meios de prova em direito admitidos, observado o direito à contraprova.
§ 3º O Contran disporá sobre a equivalência entre os distintos testes de alcoolemia para efeito de caracterização do crime tipificado neste artigo.
Desta forma, qualquer indício que acuse influência grave de psicotrópicos sobre a motricidade será válido na investigação do crime de condução sob influência com capacidade psicomotora alterada.
Pontos de corte
Quanto ao bafômetro e ao exame de sangue, o artigo 276 determina:
Art. 276. Qualquer concentração de álcool por litro de sangue ou por litro de ar alveolar sujeita o condutor às penalidades previstas no art. 165.
Parágrafo único. O Contran disciplinará as margens de tolerância quando a infração for apurada por meio de aparelho de medição, observada a legislação metrológica.
O Contran entende que não há tolerância para a alcoolemia, mas, devido a possíveis erros de calibração, tolera 0,05 mg/L no bafômetro.
Determina-se, assim:
Etilômetro | Alcoolemia | |
---|---|---|
Tolerância | < 0,05 mg/L | Não há |
Infração administrativa | ≥ 0,05 mg/L | Qualquer dosagem |
Infração penal | ≥ 0,3 mg/L | ≥ 0,6 g/L |
Mesmo se esses parâmetros estiverem normais ou não avaliados, o exame clínico alterado é suficiente para condenação, pois pode haver influência de outras drogas, sendo facultado ao indivíduo se submeter a perícia para comprovar sua inocência.
Da mesma forma, mesmo se o exame clínico estiver normal, a alteração desses parâmetros laboratoriais determina condenação.
Dolo e culpa
O STJ entende que não é automática a presunção de dolo eventual na embriaguez ao volante que resulte em homicídio. O caso concreto precisa ser avaliado. Dolo eventual necessita que o indivíduo tenha assumido o risco de produzir morte, mas é possível que o indivíduo tenha, levianamente, acreditado que isso não ocorreria (culpa consciente).
Perícia na embriaguez alcoólica
Exame clínico
- Hálito alcoólico;
- Motricidade:
- Marcha (normal, oscilante, ebriosa);
- Escrita (em comparação com documento de identificação);
- Provas:
- Índex-nariz,
- Índex-índex;
- Calcanhar-joelho;
- Elocução;
- Equilíbrio (Romberg espontâneo e provocado);
- Aparência;
- Atitude:
- Psiquismo:
- Consciência;
- Atenção;
- Memória;
- Afetividade;
- Vontade;
- Funções vitais;
- Pulso;
- Pupilas (midríase, reação à luz);
- Sensibilidade.
Quesitos oficiais em MG
Vale ressaltar que o juíz sempre pode solicitar quesitos adicionais ao perito.
- Qual o material colhido para exame?
- Qual a concentração de álcool no material colhido ou seu equivalente em decigramas de álcool por litro de sangue?
- Acha-se o examinado sob estado de embriaguez alcoólica (diagnóstico clínico)?
- Apresenta o examinado sinais ou sintomas de estar sob influência de outro psicofármaco?
- Qual o psicofármaco?
Sempre que não for possível responder a algum desses quesitos, deve-se registrar “Prejudicado” (ex.: não há exame de sangue, apenas algumas drogas puderam ser testadas no exame, etc).
Curva alcoolêmica de Calabuig
A partir da alcoolemia detectada no indivíduo, caso haja informações sobre quando foi sua ingestão alcoólica (ex.: câmera de segurança), softwares empregam a curva alcoolêmica de Calabuig para estimar a concentração máxima atingida pelo indivíduo.
Observações sobre a legislação
- A maioria das consequências legais da embriaguez alcoólica aplicam-se também a toxicofilias.
- Caso a vítima de um crime esteja embriagada no momento do crime, trata-se de agravante para o acusado, pois a embriaguez dificulta ou impossibilita a defesa do ofendido. Deve-se, pois, nesse caso, periciar também o estado da vítima.
- O indivíduo não é obrigado a depor contra si próprio ou a oferecer provas que lhe condenem ou a confessar-se culpado. Recusar a perícia, ainda que seja infração, não é crime. Mas pode prejudicar sua defesa, caso acusado de crime.
Referência(s)
Aulas da professora Luciana de Paula Lima Gazzola.