Resumo: Introdução à medicina legal – Conceito, legislação, perícia, corpo de delito, IML, e necropsia

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O que é medicina legal?

De forma ampla, é a área da medicina que faz interface com o direito. A forma mais típica pela qual isso ocorre são perícias, mas todos os atos médicos com implicações jurídicas fazem parte do campo de estudo da medicina legal.

No Brasil, a única residência em medicina legal é da USP. Por isso, boa parte dos médicos que atuam nessa área são patologistas.

As principais áreas de atuação são:

  • Criminal: legistas concursados (IML) e peritos ad hoc;
  • Civil: perícias judiciais;
  • Trabalhista: perícias judiciais;
  • Previdênciária: concursados federais;
  • Ética: CFM e CRMs.

A atuação pode se dar por meio de concurso público ou de assistência técnica, em que o médico, independentemente de sua especialidade, é escolhido por uma parte privada interessada em esclarecimento de um crime. Nesse caso, o médico fará sua própria avaliação, que, ao contrário da oficial, será parcial. O assistente técnico não pode mentir, mas pode contestar a perícia oficial à luz de achados que beneficiem seu contratante (vítima ou réu).

Conceitos importantes do direito

  • Hierarquia das normas/pirâmide normativa: princípio de que normas inferiores devem submeter-se às superiores em caso de aparente conflito entre elas. Resoluções (ex.: resoluções do CFM) são inferiores a leis, que são inferiores à Constituição.
  • Princípio da legalidade e da anterioridade da lei: a lei penal não retroage, exceto em benefício do réu (novatio legis in mellius). Ou seja, ninguém pode ser punido por um crime que não era assim caracterizado quando do seu cometimento.
  • Dolo e culpa:
    • Crime culposo: aquele em que o agente causou o resultado por imprudência, imperícia, ou negligência;
      • Culpa consciente: agente prevê a possibilidade do resultado danoso, mas acredita leviana e sinceramente que não irá acontecer;
    • Crime doloso: aquele em que o agente quis o resultado, ou assumiu o risco de produzi-lo;
      • Dolo eventual: apesar de o sujeito não desejar o resultado danoso, prevê e aceita a possibilidade do resultado.
    • Todo aquele que tem dolo tem culpa, mas nem todo aquele que tem culpa tem dolo.
    • No caso do homicídio culposo, segundo o artigo 121 do Código Penal, §5, “o juiz pode deixar de aplicar a pena, se as consequências da infração atingirem o próprio agente de forma tão grave que a sanção penal se torne desnecessária”.
  • Funções da pena:
    • Punição do agente que cometeu o crime;
    • Proteção da sociedade, geral ao desincentivar potenciais infratores a cometer crimes, e especial ao afastar dos demais um infrator conhecido;
    • Ressocialização do infrator.
  • Tipos de penas privativas de liberdade:
    • Prisão simples: destinada às contravenções penais (≠ crimes);
    • Detenção: cumprida nos regimes semiaberto e aberto;
    • Reclusão: destinada a crimes mais graves, superior a 2 anos, sem possibilidade de fiança, cumprida em regimes fechado, semiaberto, e aberto.
  • Graus de parentesco jurídico:
Fonte.

Perícia médica

É “todo ato médico com o propósito de contribuir com as autoridades administrativas, policiais ou judiciárias com conhecimentos específicos da área médica”. O propósito é o fornecimento de provas objetivas para uma investigação, seja ela criminal, civil, ou de qualquer outro tipo.

O médico tem responsabilidade administrativa por sua perícia, ou seja, pode responder ao CRM caso falhe por negligência, imperícia, ou imprudência, enquanto, a perícia dolosamente falsa é crime segundo o artigo 342 do Código Penal. No entanto, não é exigido do médico ir além do possível em sua perícia. Se, por exemplo, não há recursos disponíveis para uma necrópsia de qualidade, ele não responderá por negligência caso cometa erros em consequência dessa privação.

O perito é definido como aquele que detém conhecimento técnico sobre determinado assunto, e a perícia é o exame dos elementos materiais de um fato alegado. Assim, nem toda perícia é médica, e nem toda perícia é realizada por legista. A perícia pode ser:

  • Médica (médicos);
  • Odontológica (odontologistas);
  • Criminal (qualquer um com curso superior).

O perito oficial é aquele que realizou concurso público para exercer suas funções. Entretanto, segundo o artigo 159 do Código de Processo Penal, qualquer pessoa idônea com diploma de ensino superior, preferencialmente na área específica, pode ser designada por autoridade (juiz ou delegado) como perito ad hoc (para o ato) para fornecer perícia na ausência de perito oficial. Esse é considerado um dever público, com poucos casos previstos em lei para recusa. Nesses casos, 2 peritos (em vez de apenas 1, no caso dos oficiais) serão necessários para que a perícia tenha valor de prova. Eles podem divergir, mas, caso isso ocorra, a autoridade deverá nomear um 3º perito (artigo 180 do Código de Processo Penal). O perito será pago de acordo com tabela oficial, desde que entre com ação de cobrança.

O princípio que guia a perícia é o visum et repertum: ver e repetir. A função do perito é verificar e interpretar os vestígios materiais do fato ocorrido, não acusar ou defender.

Finalmente, uma perícia pode ser direta (quando há acesso ao corpo de delito) ou indireta (quando só há acesso a informações indiretas sobre ele, como, por exemplo, prontuários médicos).

Sobre a perícia médica, o Código de Ética Médica veda ao médico:

Art. 92. Assinar laudos periciais, auditoriais ou de verificação médico-legal caso não tenha realizado pessoalmente o exame.

Art. 93. Ser perito ou auditor do próprio paciente, de pessoa de sua família ou de qualquer outra com a qual tenha relações capazes de influir em seu trabalho ou de empresa em que atue ou tenha atuado.

Art. 95. Realizar exames médico-periciais de corpo de delito em seres humanos no interior de prédios ou de dependências de delegacias de polícia, unidades militares, casas de detenção e presídios.

Art. 98. Deixar de atuar com absoluta isenção quando designado para servir como perito ou como auditor, bem como ultrapassar os limites de suas atribuições e de sua competência.

O laudo pericial não necessariamente será aceito pelo juiz (artigo 182 do Código de Processo Penal), mas, normalmente, costuma sê-lo.

Corpo de delito

Trata-se do conjunto de elementos materiais denunciadores do fato criminoso, a base residual do crime, incluindo, portanto:

  • Corpus criminis: coisa sobre a qual recai o crime, sendo ela a vítima (no caso de crimes contra a pessoa) ou seu objeto (no caso de crimes contra o patrimônio);
  • Corpus instrumentorum: instrumentos utilizados para execução do crime;
  • Corpus probatorum: evidências indiretas, como testemunho.

Ao médico perito, cabe, portanto, apenas o esclarecimento acerca do corpus criminis em caso de crimes contra a pessoa, sendo os outros elementos da alçada da polícia.

É obrigatória a realização do exame sempre que houver vestígio material (direto ou indireto) do delito. Quando não houver, a prova testemunhal poderá suprir-lhe a falta (artigo 167 do Código de Processo Penal)

Para que o exame de corpo de delito tenha validade, é necessária que seja seguida a cadeia de custódia, descrita no artigo 158 do Código de Processo Penal:

Art. 158-A. Considera-se cadeia de custódia o conjunto de todos os procedimentos utilizados para manter e documentar a história cronológica do vestígio coletado em locais ou em vítimas de crimes, para rastrear sua posse e manuseio a partir de seu reconhecimento até o descarte.

§ 1º O início da cadeia de custódia dá-se com a preservação do local de crime ou com procedimentos policiais ou periciais nos quais seja detectada a existência de vestígio.

§ 2º O agente público que reconhecer um elemento como de potencial interesse para a produção da prova pericial fica responsável por sua preservação.

§ 3º Vestígio é todo objeto ou material bruto, visível ou latente, constatado ou recolhido, que se relaciona à infração penal.

Art. 158-B. A cadeia de custódia compreende o rastreamento do vestígio nas seguintes etapas:

I – reconhecimento: ato de distinguir um elemento como de potencial interesse para a produção da prova pericial;

II – isolamento: ato de evitar que se altere o estado das coisas, devendo isolar e preservar o ambiente imediato, mediato e relacionado aos vestígios e local de crime;

III – fixação: descrição detalhada do vestígio conforme se encontra no local de crime ou no corpo de delito, e a sua posição na área de exames, podendo ser ilustrada por fotografias, filmagens ou croqui, sendo indispensável a sua descrição no laudo pericial produzido pelo perito responsável pelo atendimento;

IV – coleta: ato de recolher o vestígio que será submetido à análise pericial, respeitando suas características e natureza;

V – acondicionamento: procedimento por meio do qual cada vestígio coletado é embalado de forma individualizada, de acordo com suas características físicas, químicas e biológicas, para posterior análise, com anotação da data, hora e nome de quem realizou a coleta e o acondicionamento;

VI – transporte: ato de transferir o vestígio de um local para o outro, utilizando as condições adequadas (embalagens, veículos, temperatura, entre outras), de modo a garantir a manutenção de suas características originais, bem como o controle de sua posse;

VII – recebimento: ato formal de transferência da posse do vestígio, que deve ser documentado com, no mínimo, informações referentes ao número de procedimento e unidade de polícia judiciária relacionada, local de origem, nome de quem transportou o vestígio, código de rastreamento, natureza do exame, tipo do vestígio, protocolo, assinatura e identificação de quem o recebeu;

VIII – processamento: exame pericial em si, manipulação do vestígio de acordo com a metodologia adequada às suas características biológicas, físicas e químicas, a fim de se obter o resultado desejado, que deverá ser formalizado em laudo produzido por perito;

IX – armazenamento: procedimento referente à guarda, em condições adequadas, do material a ser processado, guardado para realização de contraperícia, descartado ou transportado, com vinculação ao número do laudo correspondente;

X – descarte: procedimento referente à liberação do vestígio, respeitando a legislação vigente e, quando pertinente, mediante autorização judicial.

Art. 158-C. A coleta dos vestígios deverá ser realizada preferencialmente por perito oficial, que dará o encaminhamento necessário para a central de custódia, mesmo quando for necessária a realização de exames complementares.

§ 1º Todos vestígios coletados no decurso do inquérito ou processo devem ser tratados como descrito nesta Lei, ficando órgão central de perícia oficial de natureza criminal responsável por detalhar a forma do seu cumprimento.

§ 2º É proibida a entrada em locais isolados bem como a remoção de quaisquer vestígios de locais de crime antes da liberação por parte do perito responsável, sendo tipificada como fraude processual a sua realização.

Em tempo, crimes sexuais e de violência doméstica têm prioridade na realização de exame de corpo de delito.

Instituto Médico Legal

Trata-se de órgão público responsável por perícias médico-legais, incluindo exames como:

  • Necrópsias;
  • Perícia de:
    • Lesão corporal;
    • Cinjunção carnal e ato libidinoso;
    • Aborto;
    • Idade;
  • Verificação de:
    • Embriaguez;
    • Sanidade mental;
    • Intoxicações;
  • Avaliação de conduta profissional;
  • Odontologia;
  • Antropologia forense (avaliação de ossadas).

As perícias realizadas no IML são, em sua maioria, obrigatórias. No caso de lesão corporal, caso a vítima se recuse a submeter-se à perícia, poderá ser considerada litigante de má fé. No caso de conjunção carnal e ato libidinoso, a mulher não é obrigada a ser periciada judicialmente, por entendimento de que isso poderia configurar vitimização secundária. Nesse caso, o prontuário isolado de seu atendimento inicial no serviço de saúde (se tiver ocorrido) terá valor de prova.

Necropsia

É o exame externo e interno de um cadáver, podendo incluir radiografia cadavérica, exame indicado a:

  • Estado avançado de putrefação;
  • Politrauma contuso (verifica se fraturas são anteriores ou posteriores à morte);
  • Mais marcas de entrada que de saída de projétil de arma de fogo (indica que ainda há projéteis no corpo, que podem ser identificados por balística).

Pode ser realizada com finalidade clínica ou forense, sendo que essa segunda não exige autorização da família. A necropsia clínica é realizada em hospitais por patologistas, em casos como diagnóstico incerto, ou doenças raras. Já a necropsia forense é realizada por perito (oficial ou ad hoc), com finalidade de:

  • Fornecer elementos para determinação da causa jurídica da morte (homicídio, suicídio, ou acidente, o que só pode ser determinado oficialmente por juiz);
  • Determinar a causa mortis(seu mecanismo biológico, não a causa jurídica [ex.: “morte por enforcamento” em vez de “morte por enforcamento suicida”]);
  • Determinar o tempo decorrido da morte;
  • Distinguir lesões intra vitam e post mortem;
  • Identificar o corpo.

A necropsia forense é indicada a toda morte não natural (por antecedentes patológicos), ou seja:

  • Morte violenta: morte por causa-base externa (ou seja, imediata, não incluindo doenças crônicas facilitadas por causa externa), seja ela física ou química, acidental ou provocada;
  • Morte suspeita: aquela que traz indícios de violência, o que é avaliado conforme o caso concreto diante do médico assistente, mas, em geral, inclui:
    • Mortes súbitas (suspeitas até que se prove o contrário);
    • Violência oculta (ex.: envenenamento, cadáver em estado avançado de putrefação);
    • Violência indefinida;
    • Acidente de trabalho;
    • Mortes sob custódia (da lei, ou seja, presos).

Segundo o artigo 162 do Código de Processo Penal, a necropsia não poderá ser feita antes de 6 h do óbito (Período de Incerteza de Tourdes, em que pode não haver sinais de certeza de morte), salvo se o perito julgar que há sinais de morte suficientes para tal (ex.: decapitação). Ainda segundo esse artigo, em caso de morte violenta, basta o exame externo do cadáver, quando este for suficiente para determinar a causa mortis. Entretanto, na prática, o perito sempre realizará a necropsia, ao menos do tórax e do abdome, pois pode haver ferimentos internos que elucidem causa distinta.

A perinecroscopia é a observação do local da morte, e compete ao perito criminal, não ao médico responsável pela necropsia.

Referência(s)

Aulas da professora Luciana de Paula Lima Gazzola.


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