As infecções de vias aéreas superiores (IVAS) constituem um amplo grupo de doenças, que constituem queixas frequentes na pediatria em atenção primária.
Rinofaringites virais e síndrome gripal
Quadro clínico
São dois quadros que têm em comum sintomas como:
- Febre variável, normalmente baixa;
- Coriza hialina, às vezes amarelada, que leva a obstrução nasal;
- Tosse, podendo durar até 3 semanas, dificultando o sono da criança;
- Odinofagia;
- Em lactentes jovens, efusão timpânica serosa;
No entanto, na rinofaringite viral, há preservação do apetite e do estado geral fora dos períodos de febre.
Ambas podem evoluir para SRAG, com indicação de internação.
Agentes etiológicos
Em crianças:
- 30-50% rinovírus;
- 5-15% influenza (especialmente em sua sazonalidade, aproximadamente de abril a agosto);
- 5% vírus respiratório sincicial (VRS);
- 5% parainfluenza;
- < 5% adenovírus;
- < 5% metapneumovírus;
- A prevalência de SARS-CoV-2 ainda tem variado.
Manejo clínico
Orientar:
- Uso sintomático de antitérmicos, conforme necessidade (piora do estado geral por febre);
- Uso de soro fisiológico nasal várias vezes ao dia, especialmente em lactentes jovens;
- Sinais de alerta (preferencialmente, por escrito), com linguagem simples, detalhada, e clara:
- Batimento de aletas nasais;
- Tiragens intercostais;
- Retração de fúrcula;
- Balanço tóraco-abdominal;
- Gemência;
- Retorno para avaliação médica, especialmente para crianças com fatores de risco para complicações (comorbidades, prematuridade, história de internações).
Complicações
- Otite média aguda
- Sinusite
- Pneumonia
- Bronquiolite
Exames diagnósticos
O diagnóstico é clínico, mas, caso a criança seja internada com dificuldade respiratória, estão disponíveis pelo SUS os exames:
- RT-PCR para SARS-CoV-2: deve ser feito 3-7 dias após o início dos sintomas, podendo ser um pouco antes em casos graves, com notificação obrigatória;
- Teste rápido (de antígeno) para SARS-CoV-2;
- Teste rápido para influenza e VRS;
- PCR painel viral: busca por vários dos vírus mais comuns em IVAS.
Prevenção
- Lavagem das mãos e higienização com álcool em gel;
- Uso de máscaras (a partir dos 2 anos);
- Evitar aglomerações;
- Isolar pacientes doentes;
- Vacinação contra influenza e Covid-19;
- Ao tossir, cobrir a boca com um lenço ou com o cotovelo.
Covid-19
Quadro clínico
Em crianças, antes da disponibilidade de vacinação, observava-se:
- Tosse 36,9-41,4%;
- Obstrução nasal 7%;
- Anosmia 10%;
- Febre 35-47,3%;
- Cefaleia 15-42%;
- Mialgia 10-30%;
- Náusea ou vômitos 10%;
- Diarreia 13,5%;
- Dificuldade respiratória 6,5-16,3%;
- Hospitalização 2,5-4,1%
- Óbito 0,1-0,6%.
Transmissão
Ocorre por gotículas respiratórias e aerossóis, estando os contatos próximos mais vulneráveis. O período de incubação é de 2-14 dias, com média de 5, sendo que o paciente transmite do momento da infecção até o fim dos sintomas (se houver).
Diagnóstico
Como o quadro pode ser bastante inespecífico, o diagnóstico deve ser feito por RT-PCR ou, em sua indisponibilidade, teste rápido de antígeno. O teste de anticorpos não é adequado para pacientes com infecção aguda e/ou que tenham sido vacinados.
Conduta
Para casos leves, o isolamento e a medicação sintomática são as únicas recomendações. Em crianças internadas, pode ser necessária corticoterapia.
Síndrome de inflamação multissistêmica
Complicação, semelhante à doença de Kawasaki, possível da Covid-19. É diagnósticada em crianças de 0-19 anos com febre ≥ 3 dias, e que possuam:
- Dois dos seguintes sintomas:
- Rash, conjuntivite não purulenta bilateral, ou sinais mucocutâneos de inflamação;
- Hipotensão ou choque;
- Características de disfunção miocárdica, pericardite, valvulite, ou anormalidades conorarianas;
- Evidência de coagulopatia;
- Problemas gastrointestinais agudos;
- Marcadores de inflamação elevados (PCR, ESR, procalcitonina).
Sinusite aguda
Fisiopatologia
Diagnóstico
É essencialmente clínico, por meio de sinais e sintomas:
- Rinorreia de aspecto variável;
- Tosse;
- Muco espesso.
A avaliação etiológica também é clínica. Sintomas de longa duração (10-15 dias), com piora noturna, sugerem bactéria.
Independentemente da etiologia, sinais de gravidade incluem:
- Piora aguda após “resfriado” de curta duração (5 dias);
- Febre alta (> 38º);
- Rinorreia purulenta;
- Edema periorbitário;
- Cefaleia de qualquer duração (pressão e inflamação dentro de seios paranasais).
Complicações
Sua presença exige hospitalização imediata, e pode exigir tomografia de seios da face para avaliar extensão do processo infeccioso:
- Edema periorbitário;
- Diplopia;
- Oftalmoplegia;
- Cefaleia intensa;
- Abaulamento frontal;
- Rigidez nucal;
- Redução do nível de consciência;
- Sinais neurológicos focais.
Tratamento
- Medidas gerais:
- Hidratação adequada;
- Umidificação do ambiente;
- Evitar exposição a alérgenos;
- Limpeza nasal com soro fisiológico, várias vezes ao dia;
- Corticóide tópico intranasal se houver (suspeita de) associação com rinite alérgica.
- Antibioticoterapia (quadros bacterianos):
- Primeira linha: amoxicilina;
- Segunda linha:
- Amoxicilina + Clavulanato;
- Cefuroxima axetil;
- Piperacilina + Tazobactam;
- Pacientes alérgicos a beta lactâmicos:
- Claritromicina;
- Clindamicina.
Otite média aguda
Epidemiologia
- A otite média aguda (OMA) é a principal causa de prescrição de antibióticos na infância. 2/3 das crianças apresentarão 1 episódio até 1 ano de idade, e 90% até os 7 anos.
- Sua incidência acompanha os quadros de IVAS, aumentando, portanto, no inverno.
- Há 2 picos de incidência: entre 6-24 meses e, depois, entre 4-7 anos.
Fatores de risco
- Baixo nível socioeconômico;
- Conglomerados populacionais;
- Sistema de saúde precário;
- Institucionalização;
- Disfunção da tuba auditiva;
- Exposição a poluentes ambientais (principalmente cigarro);
- DRGE;
- Ausência de aleitamento materno exclusivo até os 6 meses de idade.
Agentes etiológicos
- Bactérias:
- Streptococcus pneumoniae;
- Haemophilus influenzae;
- Moraxela catarrhalis;
- Streptococcus do grupo A;
- Staphilococcus aureus;
- Escherichia coli;
- Klebsiella spp;
- Pseudomonas spp.
- Vírus:
- Adenovírus;
- Rinovírus;
- Coronavírus;
- Enterovírus;
- Parainfluenza;
- VSR.
Quadro clínico
- Em lactentes de 0-6 meses: sempre pedir avaliação do pediatra em lactentes < 60 dias, para não mascarar infecção bacteriana invasiva.
- Em lactentes de 6-12 meses:
- Irritabilidade;
- Anorexia;
- Febre;
- Manipulação frequente das orelhas;
- Diarreia;
- Vômitos;
- Otorreia.
- Pré-escolares:
- Otalgia;
- Irritabilidade;
- Febre;
- Plenitude auricular;
- Zumbidos;
- Otorreia.
- À otoscopia:
- Abaulamento da membrana timpânica;
- Hiperemia;
- Pus ou efusão;
- Membrana pode estar perfurada, com saída de secreção purulenta ou hemática e exsudativa.
Sinais de gravidade
- Otite bilateral;
- Toxemia (queda no estado geral);
- Crianças < 2 anos que frequentam creches;
- Crianças com deformidade crânio-facial, doenças crônicas de vias áreas, ou deficiências imunológicas;
- Síndrome otite-conjuntivite (pensar em Haemophilus).
Tratamento
- Analgésicos e antitérmicos para todas as crianças, mantendo por 3-5 dias;
- Caso a família tenha bom seguimento, pode-se postergar a antibioticoterapia por 24-48 h (iniciando-a caso os sintomas persistam), exceto em caso de:
- Otite bilateral em < 2 anos;
- Toxemia (queda no estado geral);
- Síndrome otite-conjuntivite;
- Otorreia;
- Crianças < 6 meses;
- Febre > 38,9 ºC.
- Medicar, inicialmente, com:
- Primeira linha:
- Amoxicilina 45-90 mg/kg/dia;
- Amoxicilina + Clavulanato 45-90 + 6,4 mg/kg/dia;
- Segunda linha:
- Cefuroxime 30 mg/kg/dia (alérgicos à penicilina);
- Claritromicina 15 mg/kg/dia (alérgicos à penicilina);
- Ceftriaxona 50 mg/kg/dia IM ou IV por 1-3 dias.
- Primeira linha:
- Após falha do tratamento inicial, encaminhar ao especialista para avaliar timpanocentese com cultura, e medicar com:
- Primeira linha:
- Amoxicilina + Clavulanato 90 + 6,4 mg/kg/dia;
- Ceftriaxona 50 mg/kg/dia IM ou IV por 3 dias;
- Segunda linha:
- Ceftriaxona 50 mg/kg/dia IM ou IV por 3 dias + vancomicina IV:
- Clindamicina 30-40 mg/kg/dia, com ou sem cefalosporina de 2ª ou 3ª geração + vancomicina IV;
- Clindamicina 30-40 mg/kg/dia, + cefalosporina de 2ª ou 3ª geração.
- Primeira linha:
Faringoamigdalites
Faringoamigdalites são respostas inflamatórias nas tonsilas, que ocorrem em todas as idades, especialmente no inverno e na primavera.
Tipos
- Eritematosa: hiperemia e edema de amígdalas com ou sem hipertrofia;
- Eritematopultácea: hiperemia e edema com placas de exsudato que desprendem facilmente;
- Pseudomembranosa: edema de mucosa e placas aderentes que recobrem as amígdalas;
- Vesiculosa: vesículas que podem se romper formando ulcerações rasas e exsudato.
Principais agentes etiológicos
As faringoamigdalites podem ter etiologia viral, bacteriana, fúngica, ou não infecciosa. Predominam:
- Vírus respiratórios;
- Streptococcus beta hemolítico do grupo A;
- Vírus Epstein Barr.
Faringoamigdalite por estreptococco
- Precisa ser identificada, pois tem complicações, incluindo:
- Supurativas:
- Abscesso periamigdaliano;
- Abscesso de linfonodo;
- Mastoidite;
- Não supurativas:
- Glomerulonefrite difusa aguda;
- Febre reumática.
- Supurativas:
- Tratar a criança infectada diminui o risco de complicações e de transmissões.
- Comparação de infecções virais e bacterianas:
Infecção viral | Início súbito |
---|---|
Subfebril ou febre baixa | Adenite cervical |
Conjuntivite | Exsudato/Petéquias em palato |
Hepato ou esplenomegalia (mononucleose) | Exantema (escarlatina) |
Exames complementares
- Cultura de swab (padrão ouro);
- Testes rápidos de detecção de antígenos estreptocócicos;
- Hemograma (linfocitose em vírus, desvio à esquerda em bactérias).
Conduta
- A criança deve ser reavaliada, inclusive para esclarecer possíveis coinfecções e dúvidas diagnósticas.
- Deve-se prescrever sintomáticos e tranquilizar a família.
- A antibioticoterapia, se necessária, deve ocorrer em até 8 dias do início dos sintomas.
Estridor laríngeo
Laringite
- Processo inflamatório da laringe.
- Sintomas mais comuns:
- Tosse;
- Estridor;
- Dispneia (menos frequente).
- Tamanho reduzido da via aérea e da cartilagem aritenoide em crianças pequenas pode levar a edema de mucosa e exsudato.
- Causada principalmente por infecções virais agudas.
Laringotraqueíte aguda (CRUPE)
- Infecção viral subaguda de vias aéreas superiores.
- Causa mais comum de estridor agudo na criança.
- Ocorre mais frequentemente no outono e no inverno, em crianças de 1-3 anos.
- Duração média: 3-7 dias.
- Agentes mais comuns:
- Vírus parainfluenza 1 e 2;
- Influenza tipo A.
- Pode causar casos graves.
Quadro clínico
- Diagnóstico é clínico.
- Sinais e sintomas:
- Tosse tipo “de cachorro”;
- Febre;
- Estridor;
- Congestão nasal;
- Rinorreia.
- Radiografia cervical traz sinal da torre de igreja (estreitamento subglótico).
Tratamento
- Umidificação das vias aéreas;
- Hidratação para facilitar a expectoração;
- Em quadros graves:
- Adrenalina inalatória;
- Corticosteroide (dexametasona) IM;
- Antibióticos (em caso de coinfecção bacteriana).
Epiglotite
- Inflamação aguda das estruturas supraglóticas, levando a obstrução respiratória rapidamente progressiva e potencialmente fatal.
- Faixa etária: 2-6 anos de idade.
- Agente etiológico: Haemophilus influenzae B.
- Sinais:
- Febre;
- Dispneia;
- Irritabilidade;
- Toxemia;
- Respiração lenta;
- Estridor inspiratório;
- Odinofagia;
- Salivação.
- É uma emergência clínica. Não se deve atrasar a terapêutica com exames, e a tentativa visualização da epiglote pode piorar o quadro.
- Tratamento:
- Monitorização rigorosa de parâmetros respiratórios;
- Manutenção de via aérea (pode ser necessário intubar ou traqueostomizar);
- Oxigenioterapia (se necessário);
- Antibioticoterapia com ceftriaxona 50 mg/kg 1x/dia.
Referência(s)
Aulas das professoras Aline Almeida Bentes, Aurélia Albuquerque Martins, Lilian Martins Oliveira Diniz, Priscila Menezes Ferri Liu, e Tatiana de Oliveira Rassi.