O exame físico da criança deve ser feito com ela em decúbito dorsal, com braços e pernas relaxados e estendidos. As regiões do abdome são as seguintes:
Inspeção
Em primeiro lugar, deve-se determinar a conformação do abdome:
- Plano: está no mesmo nível do tórax. É a constituição do abdome sadio;
- Globoso: caracterizado pelo crescimento uniforme e aumento do diâmetro anteroposterior. Em crianças pequenas, pode ser fisiológico, desde que não seja exagerado. Causas patológicas incluem obesidade, ascite, peritonite, pneumoperitôneo, aumento do volume dos órgãos abdominais, duplicação intestinal, tumores ou cistos intra-abdominais, fibrose cística, raquitismo, hipocalemia, hipotireoidismo, obstrução ou constipação intestinal, íleo adinâmico, etc;
- Em batráquio/Em avental: ocorre quando há aumento exagerado dos flancos. Visto na obesidade, na fraqueza da musculatura, e na agenesia muscular;
- Escavado: evidencia os rebordos costais, as espinhas ilíacas, e a sínfise púbica. Aparece na desnutrição ou desidratação graves, no pneumotórax, e em anomalias congênitas;
- Assimétrico: possui distensões em apenas uma hemiparede. A etiologia depende do local exato de abaulamento.
Em seguida, faz-se a busca por circulação colateral, que pode ser tipo porta, cava inferior, ou portocava.
Ausculta
Deve ser feita antes da palpação, para que não se altere o peristaltismo. O estetoscópio deve ser aplicado sobre a parede abdominal em cada um dos quatro quadrantes e na área central do abdome por até 2-3 minutos, ou até que se ausculte sons de peristaltismo (ruídos hidroaéreos). Eles podem estar aumentados na diarreia, na hemorragia digestiva alta, na obstrução intestinal em estágio inicial, e na peritonite. Já sua ausência sinaliza íleo paralítico ou início de peritonite.
Além dos ruídos hidroaéreos, pode-se auscultar sons venosos na obstrução da veia porta. Na coarctação da aorta, ausculta-se sopro abdominal. Com a campânula, sopro abdominal pode ser auscultado na estenose de artéria renal. Sopros contínuos são de origem venosa, enquanto os sistólicos são de origem arterial.
Palpação superficial
Em caso de dor, a palpação deve ser iniciada pelo lado indolor. Deve-se palpar cada um dos quadrantes em busca de qualificar o abdome como tenso ou flácido, bem como por regiões dolorosas.
Caso seja constatada rigidez, esta pode ser decorrente de espasmo muscular involuntário. Para evitá-lo, basta palpar a parede abdominal durante a expiração pela boca.
Percussão
Deve ser feita em cada um dos quadrantes hepáticos, em busca de áreas timpânicas e maciças. Timpanismo exagerado é detectado na aerofagia, na obstrução intestinal baixa, no pneumoperitôneo, e no íleo paralítico.
Espaço de Traube
É limitado medialmente pelo lobo esquerdo do fígado, superiormente pelo diafragma, lateralmente pela linha axilar anterior esquerda, e inferiormente pelo rebordo costal esquerdo. Exibe timpanismo, exceto quando há esplenomegalia ou tumor.
Ascite
Percutida como macicez móvel nos flancos. Quando é volumosa, detecta-se sinal de piparote: formação de ondulação líquida no abdome.
Fígado
Deve-se medir o fígado (hepatimetria) pela medição das dimensões da região maciça quando da percussão. Deve-se percutir desde abaixo do mamilo, e, quando o som claro pulmonar torna-se maciço, delimita-se superiormente o fígado. Quando o som maciço torna-se timpânico, delimita-se a borda inferior do fígado.
Situações em que não se identifica macicez hepática incluem interposição de alça intestinal, meteorismo, hiperinsuflação pulmonar, pneumoperitôneo, e perfuração de víscera oca no abdome agudo.
Palpação profunda
Palpação de órgãos
Fígado
Até o fim do 1º ano de vida, o fígado é palpável a 3 cm do rebordo costal. Até o 2º, a 2 cm. Até o 3º, a 1 cm. Depois disso, manobras precisam ser utilizadas para palpação hepática:
- Mathieu: palpação do fígado com os dedos em garra, quase “adentrando” o rebordo costal;
- Lemos Torres: o examinador pressiona com a mão esquerda o ângulo lombossacro direito para cima, enquanto a mão direita, com os dedos paralelos ao rebordo costal a 90 graus dele pressiona a parede no final da expiração. A borda inferior do fígado será palpada pelos dedos do examinador no início da inspiração.
O fígado pode estar rebaixado sem hepatomegalia por elevação da pressão intratorácica, e elevado em caso de tumores abdominais, ascite, ou paralisia diafragmática.
Já o aumento do fígado indica insuficiência cardíaca direita, fibrose hepática congênita, e esquistossomose hepatoesplênica. Sua diminuição está associada a hepatite fulminante.
Se, durante a inspiração profunda, ao tocar a vesícula biliar, o paciente tiver contratura de defesa, está caracterizado sinal de Murphy, indicativo de colecistite aguda.
Baço
Nas primeiras semanas de vida, pode ser palpado a 1-2 cm do rebordo costal esquerdo. Após isso, em lactentes menores de 1 ano, pode-se palpar uma ponta de baço. Se ele continuar palpável com o desenvolvimento, há um aumento de 2x no tamanho do órgão.
Com a mão esquerda do examinador exercendo pressão para cima sob a face posterior do hemitórax esquerdo, pode-se palpar o baço no hipocôndrio esquerdo. Outra alternativa é colocar o paciente na posição intermediária de Schuster: com coxas e pernas ligeiramente flexionadas, entre os decúbitos lateral direito e dorsal, com as mãos acima da cabeça. Ainda assim, o examinador deve pressionar anteriormente a parede posterior do tórax.
Cólon sigmoide
Pode ser palpado da fossa ilíaca esquerda ao hipogástrio. O bolo fecal pode ser palpável como massa.
Achados em doenças específicas
Processos inflamatórios
Sinal de Blumberg: dor à descompressão súbita da parede abdominal. Pode ser localizado ou difuso.
Apendicite aguda
- Dor no ponto de McBurney: trata-se de dor à pressão no local de união entre o terço externo e o terço médio da linha que une o umbigo à espinha ilíaca anteroposterior;
- Sinal de Rovsing: consiste em dor na fossa ilíaca direita ao comprimir a fossa ilíaca esquerda no sentido do cólon ascendente;
- Sinal do psoas: “elevação da coxa direita sobre o joelho contido pela mão do examinador provoca dor no apêndice” (Martins, 2010);
- Sinal do obturador: rotação interna da coxa direita na altura do quadril com o joelho flexionado provoca dor no músculo obturador interno.
Invaginação intestinal
É palpável tumoração firme, cilíndrica, e indolor em algum sítio do cólon, especialmente no quadrante superior direito.
Estenosa hipertrófica do piloro
Tumoração identificada na palpação profunda após vômito.
Bolo de Ascaris lumbricoides
Palpável na parte média do abdome, próximo ao umbigo, como um ou mais tumores duros, móveis, e indolores.
Referência(s)
- Aula da professora Eleonora Druve Tavares Fagundes;
- DUTRA, Adauto. Semiologia Pediátrica. 2. ed. Rio de Janeiro: Rubio, 2010;
- MARTINS, Maria Aparecida et al, Semiologia da criança e do adolescente, Rio de Janeiro: MedBook, 2010.