Transtornos relacionados a substâncias e jogo patológico: clínica, diagnóstico, tratamento, e prognóstico

Compartilhe com seus amigos

  • 1 ano atrás
  • 35minutos

Sumário

Características gerais de transtornos relacionados a substâncias

Apresentação clínica

  • São marcadas por dependência comportamental, física, e psicológica.
  • Os efeitos diretos da substância são variáveis, mas o padrão deletério do uso abusivo sobre a vida do indivíduo tem um padrão similar para todas elas.
  • Os sintomas podem ser categorizados em:
    • Farmacológicos;
    • De uso prejudicado;
    • Prejuízo em domínios sociais;
    • Uso em situações arriscadas ou perigosas.

Terminologia

  • Dependência comportamental: atividades de busca pela substância e evidência relacionada de padrões patológicos de uso.
  • Dependência física: efeitos fisiológicos de múltiplos episódios de uso da substância.
  • Dependência psicológica: caracterizada por “fissura” (desejo intenso) pela substância a fim de evitar um estado disfórico.

Diagnóstico

  • No DSM-5, os diagnósticos devem especificar qual a substância está provocando o transtorno.
  • Incluem:
    • Transtorno por uso de substâncias: termo diagnóstico para uso e abuso prolongados de uma substância;
    • Intoxicação por substâncias: síndrome caracterizada pelos sinais e sintomas específicos resultantes de exposição recente à substância;
    • Abstinência de substâncias: síndrome resultante da cessação abrupta de uso prolongado e intenso de uma substância.
  • O diagnóstico de transtorno por uso de substância requer 2 ou mais dos seguintes sintomas num período de 12 meses:
    • Físicos:
      • Tolerância;
      • Abstinência;
    • Comportamentais:
      • Fissura;
      • Uso acima do desejado pelo próprio paciente;
      • Dificuldade em parar ou diminuir o uso;
      • Gasto significativo de tempo com a substância (uso, obtenção, recuperação);
      • Uso apesar de reconhecimento de problemas de saúde (física e mental) decorrentes do uso;
    • Psicológicos:
      • Uso apesar de consequências adversas sociais ou ocupacionais;
      • Negligência de outras responsabilidades em decorrência do uso;
      • Negligência de outras atividades em decorrência do uso;
      • Situações perigosas ou arriscadas em decorrência do uso.

Comorbidades

Comorbidade é a ocorrência concomitante de dois ou mais transtornos psiquiátricos no mesmo paciente em dado momento. Estima-se que 35-60% dos viciados (portadores de transtornos por uso de substâncias) tenham um transtorno psiquiátrico comórbido. Sintomas depressivos e mortes por suicídio também são comuns.

Abordagem de tratamento

  • Algumas pessoas recuperam-se sem tratamento, especialmente as que têm transtornos menos severos. A frequência de recuperação também aumenta com a idade.
  • Intervenções breves não tendem a alterar o ambiente, as mudanças cerebrais induzidas pela droga, ou as habilidades do paciente. Seu sucesso depende, portanto, em mudanças de motivação do paciente. Assim, transtornos mais severos requerem tratamento mais intensivo.
  • Os programas podem ser classificados quanto a:
    • Objetivo (controle de abstinência e das consequências do uso imediato [desintoxicação] ou mudança de comportamento a longo prazo [reabilitação]);
    • Metodologia (intervenções farmacológicas, terapia individual, terapia comunitária, ou “12 passos”).
  • Comportamentos aditivos não mudam abrupta, mas gradualmente. Esse processo pode ser dividido em 5 estágios:
    • Pré-contemplação;
    • Contemplação;
    • Preparação;
    • Ação;
    • Manutenção.
  • Uma intervenção bem-sucedida depende de uma aliança terapêutica bem-sucedida e da seleção de um tratamento apropriado para seu estágio de preparação para a mudança.
  • Tratamentos breves tendem a ser ineficazes para transtornos graves, que exigem, pois, um acompanhamento mais prolongado.
  • Os resultados de tratamentos são muito variáveis, graças à grande variedade de pacientes que busca tratamento e às suas circunstâncias.
  • Comorbidades de pacientes devem ser preferencialmente tratadas pela mesma equipe responsável por tratar sua adicção, e o tratamento concomitante é mais eficaz que o tratamento sequencial.

Etiologia

  • O transtorno é o resultado de um processo em que vários fatores interagem para influenciar o uso de drogas e a perda de julgamento para decisões sobre o uso de determinada droga, tais como:
    • Efeitos da droga;
    • Disponibilidade da droga;
    • Aceitabilidade social da droga;
    • Personalidade;
    • Biologia individual.
  • Alterações neuroquímicas importantes são necessárias para transformar o uso voluntário de drogas em algo compulsivo, mas não está claro se essas alterações são necessárias ou suficientes para desencadear um transtorno.
    • O uso abusivo de drogas leva a um estado em que a presença da substância exógena passa a ser necessária à manutenção da homestase.
    • Os efeitos da droga e a biologia individual interagem de modo a criar tolerância, dependência física (reações de abstinência quando da retirada da droga), e sensibilização (exacerbação da “recompensa” motivacional ao uso de drogas).
  • Alguns adictos apresentam alexitimia, ou seja, incapacidade de descrever seus estados emocionais internos.
  • Mecanismos de condicionamento operante trabalham na manutenção do comportamento de uso de substâncias. O condicionamento clássico também é capaz de gerar sintomas de abstinência e fissura mesmo anos após a retirada de determinada substância.

Transtornos relacionados ao álcool

O álcool causa alterações agudas e crônicas em quase todos os sistemas neuroquímicos, produzindo sintomas como depressão, ansiedade e psicose. Eventualmente, surge também tolerância e abstinência.

Diagnóstico e características clínicas

Transtorno por uso de álcool

Características fortemente associadas a um diagnóstico:

  • Necessidade de uso diário de álcool para manutenção das atividades de vida diária;
  • Padrão de uso intenso de álcool em fins de semana;
  • Longos períodos de sobriedade interrompidos por uso abusivo de álcool.

Intoxicação por álcool

Nível sérico de álcool (mg/dL)Impacto provável (considerando indivíduos sem tolerância significativa)
20 – 30Performance motora alentecida e redução da capacidade de pensamento.
30 – 80Aumento de problemas motores e cognitivos.
80 -200Aumento de descoordenação e erros de julgamento, labilidade afetiva, e deterioração da cognição.
200 – 300Nistagmo, alentecimento marcado da fala, e amnésia alcoólica.
> 300.Comprometimento dos sinais vitais e possível morte

Abstinência de álcool

  • Pode ser severa, incluindo delirium, convulsões (generalizadas e tônico clônicas, podendo ocorrer status epilepticus), e hiperatividade autonômica.
  • Agravada por fadiga, desnutrição, doença física, e depressão.
  • O sinal clássico de abstinência alcoólica é tremor, mas os sintomas podem incluir sintomas psicóticos e perceptuais.
  • A forma mais grave de abstinência é o delirium tremens, que ocorre tardiamente em até 5% dos pacientes, atualmente chamado de delirium alcoólico, com letalidade de 20%. Seus sintomas são delirium, confusão, desorientação, alucinações, delírios, hiperatividade autonômica, diaforese, febre, taquicardia, hipertensão, ansiedade, insônia, e níveis flutuantes de atividade psicomotora (da letargia à agitação).

Transtornos induzidos pelo álcool

Demência

No curso do alcoolismo, o paciente pode desenvolver acometimento cognitivo global. O funcionamento cerebral tende a melhorar com a abstinência alcoólica, mas cerca de metade dos pacientes tem deficiências de longo prazo ou permanentes na memória e no pensamento.

Transtorno amnésico persistente

  • Uso de álcool por longos períodos prejudica a memória de curto prazo.
  • O nome clássico para esse transtorno é síndrome de Wernicke-Korsakoff, um conjunto de 2 condições marcadas por deficiência de tiamina. São elas:
    • Encefalopatia de Wernicke: quadro agudo, caracterizado por ataxia, disfunção vestibular, confusão, e anormalidades da mobilidade ocular. Ela pode resolver-se em alguns dias ou progredir para síndrome de Korsakoff.
    • Síndrome de Korsakoff: quadro crônico amnésico de difícil resolução, que segue a encefalopatia de Wernicke.

Blackouts

Episódios discretos de amnésia anterógrada que ocorrem associados à intoxicação por álcool, durante os quais as demais funções psíquicas permanecem inalteradas.

Transtorno psicótico

3% dos alcoólatras experimentam alucinações auditivas ou delírios paranoides em contextos de intoxicação ou abstinência alcoólica. As alucinações mais comuns são vozes, que são comumente desestruturadas e desagradáveis. Duram cerca de 1 semana, durante a qual não há consciência da irrealidade das experiências sensoriais. Ocorrem sem alterações concomitantes da consciência ou sensopercepção.

Transtorno de humor

Uso repetido de álcool ao longo de muitos dias resulta em muitos dos sintomas observados no transtorno depressivo maior, que costumam melhorar em até 1 mês de abstinência.

Transtorno de ansiedade

Na abstinência por álcool, é comum a ocorrência de ataques de pânico e/ou de sintomas de fobia social ou agorafobia. Com o tempo, os sintomas tendem a desaparecer.

Comorbidades

Os transtornos mais comuns em pacientes com transtorno por uso de álcool são:

  • Transtorno de personalidade antissocial;
  • Transtornos de humor;
  • Ansiedade;
  • Outros transtornos relacionados a substâncias;
  • Suicídio.

Curso e prognóstico

  • Fatores preditivos de sucesso no tratamento do alcoolismo incluem:
    • Ausência de transtorno de personalidade antissocial pré-mórbido;
    • Bom funcionamento psicossocial (família e trabalho estáveis, ausência de problemas legais);
    • Adesão ao tratamento.
  • 1 ano de abstinência está associado com boas chances de abstinência a longo prazo.
  • Problemas com outras drogas e desabrigo estão associados com dificuldade em alcançar abstinência.

Tratamento de transtornos por uso de álcool

  • Antes de iniciar o tratamento, o funcionamento médico do paciente e emergências psiquiátricas devem ser levados em conta e estabilizados o máximo possível.
  • As etapas para tratar o alcoolismo são:
    • Intervenção: por meio de técnicas como entrevista motivacional, o paciente é levado a reconhecer as consequências adversas da manutenção do hábito alcoólico. As intervenções podem ser múltiplas. Deve-se enfatizar como o álcool contribui para as queixas do paciente e que a abstinência é possível.
    • Desintoxicação: trata-se de lidar com os sintomas da abstinência. O primeiro passo é um exame físico completo, para determinar a presença de condições médicas que possam agravar a síndrome. O segundo passo é ofertar descanso, nutrição adequada, vitaminas (especialmente as que contenham tiamina), e suporte ao paciente. Medicamentos (tipicamente benzodiazepínicos ou carbamazepina) também podem ser empregados, especialmente em presença de convulsões ou delirium. Em caso de delirium tremens, além do suporte emocional, pode ser necessária a contenção química do paciente com antipsicóticos, como haloperidol. Após a abstinência aguda, podem permanecer alguns sintomas ansiosos, que podem ser abordados com psicoterapia.
    • Reabilitação: composta por esforços continuados para manter a motivação para a abstinência, auxílio para que o paciente se reajuste a um estilo de vida abstêmio, e prevenção de recaídas.

Aconselhamento

  • No início, o aconselhamento deve ser focado em resolver problemas do cotidiano para ajudar o paciente a manter-se motivado à abstinência e melhorar seu funcionamento.
  • A técnica de aconselhamento não importa muito, e normalmente deve explorar as consequências da bebida e os benefícios observados da abstinência, assim como técnicas para desenvolver um estilo de vida abstêmio (um grupo de amigos sóbrios, planos para eventos de lazer sem álcool, e reaproximação de amigos e famílias) e identificação e prevenção de situações de alto risco de recaída.
  • Nas primeiras 2-4 semanas, deve haver aconselhamento cerca de 3x/semana. Progressivamente, pode-se migrar para um acompanhamento menos intensivo.
  • É essencial que o paciente tenha suporte de família e amigos, que também podem receber aconselhamento.

Farmacoterapia

  • Caso o paciente não tenha outros distúrbios psiquiátricos, não há razão para prescrever ansiolíticos ou antidepressivos após a desintoxicação. O estresse proveniente da abstinência e da vida diária deve ser abordado com modificações comportamentais, pois é provável que a efetividade de medicações para ele diminua antes do desaparecimento dos sintomas, levando a aumentos de dose e a problemas subsequentes.
  • Em pacientes que recebam terapia cognitivo comportamental, naltrexona e acamprosato podem auxiliar nos sintomas de longo prazo da abstinência no período inicial da reabilitação.
  • A evidência da efetividade do dissulfiram é mista, e seus efeitos colaterais em certas populações podem ser severos. Ele provoca sintomas desagradáveis em presença de álcool, o que teoricamente desestimularia os pacientes a voltarem a beber.

Alcoólicos Anônimos

Grupos de autoajuda, como os Alcoólicos Anônimos (AA), oferecem aos pacientes suporte 24 horas por dia e um grupo social sóbrio. Há vários grupos distintos dentro do AA, e o clínico pode auxiliar o paciente a encontrar algum que se encaixe às suas necessidades. Em geral, há evidências da efetividade de participação nesses grupos para a abstinência.

Patologia

  • Uma dose de álcool (aproximadamente uma taça de vinho, uma lata de cerveja, ou um copinho de destilado) é capaz de aumentar a concentração sérica de álcool de um homem de aproximadamente 70 kg para 15-20 mg/dL, que é a concentração que uma pessoa média consegue metabolizar em 1 hora. Leva cerca de 30-90 minutos para que o álcool ingerido seja absorvido pelo estômago e intestino delgado e atinja o pico de sua concentração sérica.
  • No cérebro, o álcool age sobretudo sobre receptores GABA-A e NMDA, contribuindo para seus efeitos depressores. Ele também age sobre circuitos dopaminérgicos, serotoninérgicos, e opioides, causando a desregulação dos sistemas de recompensa.
  • Além de seus efeitos comportamentais, o álcool diminui a latência do sono, mas prejudica sua arquitetura (diminuição da fase 4 e do sono REM).
  • Como o álcool é fortemente metabolizado pelo fígado, seu uso crônico pode provocar dano hepático. Em outros sistemas, o álcool é capaz de causar danos ao trato GI, aumentar a pressão arterial sistêmica, e desregular o metabolismo de lipoproteínas e triglicérides.
  • O álcool tende a competir com outras substâncias sedativas pelos mesmos mecanismos metabólicos, aumentando a tolerância de alcoólatras a essas substâncias quando sóbrios e aumentando a chance de intoxicação quando ébrios.
  • Há tolerância cruzada entre álcool e substâncias sedativas, hipnóticas, ou ansiolíticas.

Transtornos relacionados à cannabis

Características clínicas

O uso da cannabis gera sensações de leve euforia, relaxamento, e alterações perceptuais. Em compensação, a memória de curto prazo e a motricidade ficam acometidas e a atenção fica lábil.

Diagnóstico

Transtorno por uso de cannabis

Cerca de 10% dos usuários de cannabis pode desenvolver um transtorno por uso de cannabis, especialmente os que começaram o uso muito jovens, que usam com muita frequência, e/ou que usaram por muito tempo.

Intoxicação por cannabis

  • Em doses baixas, a cannabis aumenta a sensibilidade do usuário a estímulos externos e diminui a sensação subjetiva de passagem do tempo.
  • Em altas doses, o usuário pode passar por despersonalização e desrealização, ou até mesmo delirium.
  • O acometimento da psicomotricidade pela cannabis pode persistir por 8-12 horas, mesmo após a euforia ter desaparecido.

Abstinência de cannabis

Em usuários diários de cannabis, pode haver abstinência dentro de 1-2 semanas da cessação, com sintomas como:

  • Irritabilidade;
  • Fissura;
  • Nervosismo, ansiedade, inquietude, e insônia;
  • Sonhos vívidos ou perturbadores;
  • Anorexia e perda de peso;
  • Humor deprimido;
  • Cefaleias, calafrios, suor, e tremores;
  • Dores de estômago.

Transtornos induzidos pela cannabis

Transtorno psicótico induzido por cannabis

Em pessoas com transtornos de personalidade predisponentes, a cannabis pode causar transtornos psicóticos. Nos demais, a cannabis pode provocar ideias paranoides transitórias e psicose transitória caso tenham acesso a cannabis de alta potência.

Transtorno de ansiedade induzido por cannabis

Durante a intoxicação aguda, os usuários (especialmente os inexperientes) podem experimentar ansiedade, correlacionada à dose tomada, que, em alguns casos, pode evoluir para um ataque de pânico.

Transtorno não especificado relacionado à cannabis

  • Alguns usuários podem passar por episódios depressivos ou hipomaníacos após uso de cannabis, bem como por disfunção sexual ou problemas de sono, que normalmente resolvem-se em curto prazo.
  • O uso por longos períodos de cannabis pode prejudicar funções cognitivas como memória, atenção, e organização e integração de informações complexas.
  • Há alguma controvérsia se a cannabis poderia também gerar uma síndrome amotivacional.

Tratamento e reabilitação

O tratamento do vício em cannabis baseia-se nos mesmos princípios que o tratamento de outras substâncias de abuso: abstinência e suporte. Em alguns casos, pode-se empregar medicações ansiolíticas para aliviar sintomas de abstinência.

Patologia

  • As preparações de cannabis vêm das plantas Cannabis sativa e Cannabis indica. As plantas femininas contêm maior concentração de canabinoides, que estão presentes especialmente nas flores e na resina (haxixe).
  • O principal canabinoide psicoativo da cannabis é o THC, mas a planta contém mais de 400 substâncias químicas, que afetam principalmente neurônios GABAérgicos e monoaminérgicos.
  • Não há casos documentados de morte por intoxicação de cannabis, pois ela não altera o padrão respiratório.
  • Os cigarros de cannabis podem conter os mesmos hidrocarbonetos carcinogênicos presentes no cigarro de tabaco, deixando os usuários vulneráveis a câncer e DPOC.
  • Animais não se autoadministram cannabis como fazem com outras substâncias de abuso, de forma que não está claro se ela estimula os centros de recompensa do cérebro. De qualquer forma, ela provoca tolerância física, e pode provocar dependência psicológica.
  • Quando fumada, os efeitos da cannabis surgem em cerca de 30 minutos, e duram 2-4 horas.

Transtornos relacionados a opioides

Características clínicas

Opioides podem ser tomados oralmente, aspirados, e injetados por via intravenosa ou subcutânea. Provocam euforia, que está associada ao seu potencial de adicção.

Intoxicação por opioides

Sintomas da intoxicação por opioides incluem retardo psicomotor, sonolência, fala arrastada, e comprometimento da memória e da atenção.

Abstinência de opioides

  • Após uso intenso e prolongado de opioides, a cessação (ou administração de agonistas parciais [buprenorfina] ou antagonistas [naloxona, naltrexona]) provoca sintomas opostos aos da intoxicação:
    • Câimbras intensas e dores ósseas;
    • Diarreia e dores abdominais;
    • Calafrios e piloereção;
    • Rinorreia e lacrimejamento;
    • Midríase;
    • Bocejos;
    • Hipotermia ou hipertermia;
    • Taquicardia.
  • A síndrome de abstinência pode matar usuários que tenham doenças físicas graves (ex.: doença cardíaca).
  • Meses após a retirada, podem persistir sintomas residuais como:
    • Insônia;
    • Bradicardia;
    • Desregulação térmica;
    • Fissura.
  • Em qualquer ponto da abstinência, uma única injeção de opioides elimina todos os sintomas.
  • Via de regra, a retirada de substâncias com curta duração de ação produz sintomas intensos por um curto período, enquanto a de substâncias de longa duração produz sintomas leves por um período prolongado. Porém, a administração de antagonistas opioides pode provocar reações severas em quaisquer situações.
  • A fissura e o quadro completo de abstinência costumam ocorrer em pessoas com uso abusivo de opioides por longos períodos, mas não em pessoas que utilizaram opioides apropriadamente com fins analgésicos.

Transtornos induzidos por opioides

  • A intoxicação intensa pode provocar delirium.
  • Transtornos de humor e psicose podem iniciar-se durante a intoxicação.
  • Usuários crônicos de opioides (com ou sem transtorno por uso de opioides) podem experimentar insônia, hipersonia, e disfunção sexual.

Comorbidades

  • 70-75% dos usuários de opioides têm transtornos psiquiátricos comórbidos, especialmente transtornos de humor, transtorno de personalidade antissocial, transtornos de ansiedade, e transtorno por uso de álcool.
  • O uso de opioides intravenosos traz preocupações quanto à infecção pelo HIV.

Tratamento e reabilitação

Farmacoterapia

  • O padrão-ouro no tratamento da adicção com dependência física é a metadona, empregada na desintoxicação e como um agente de manutenção. Ela evita sintomas de abstinência e de fissura, mas não provoca euforia.
    • A buprenorfina também pode ser empregada com esse fim, mas pode precipitar abstinência, pois é um agonista parcial apenas dos receptores opioides (bloqueando-os, portanto, de interagir com compostos de maior afinidade).
  • Em mulheres grávidas, o tratamento com metadona ou buprenorfina é preferível (mais seguro para mãe e bebê) à manutenção do vício em opioides.
  • A naloxona tem ação antagonista opioide rápida, e pode ser empregada para reverter overdoses. Já a naltrexona tem uma ação mais lenta e prolongada, e pode ser uma estratégia na prevenção de dependência física recorrente e de recaídas.
    • O primeiro passo numa overdose deve ser a garantia da via aérea (ventilação mecânica, aspiração de secreções traqueofaríngeas, etc). Apenas depois deve-se administrar naloxona.
  • Também pode-se realizar tratamento sintomático da abstinência.

Intervenções não medicamentosas

  • Várias modalidades de psicoterapia (comportamental, cognitivo-comportamental, terapia familiar, grupos de apoio) podem ser empregadas no tratamento do transtorno por uso de opioides.
  • Seguindo o modelo dos Alcoólicos Anônimos, existem grupos de Narcóticos Anônimos (NA), que possuem alguma evidência observacional de efetividade.
  • Pacientes em risco de infecção por HIV devem participar de programas de troca de seringas. Embora o ideal seja a abstinência no longo prazo, é essencial que os pacientes tenham acesso a práticas de redução de danos e a educação sobre sexo seguro.

Patologia

  • Efeitos físicos de opioides incluem depressão respiratória, miose, contração de músculos lisos, e alterações da pressão sanguínea, frequência cardíaca, e temperatura corporal.
    • Overdoses tipicamente ocorrem por depressão respiratória.
  • Os efeitos neuroquímicos de opioides são medicados por receptores opioides, que mediam efeitos de analgesia e interagem com outros sistemas neurais, como o dopaminérgico e o noradrenérgico, relacionados aos circuitos de recompensa do cérebro. As endorfinas, opioides endógenos, estão envolvidas na mediação de outras adicções.
  • Usuários de opioides desenvolvem tolerância mais rapidamente a algumas ações desses fármacos que outras.
  • Os sintomas de abstinência de opioides estão relacionados ao aumento de sensibilidade de neurônios dopaminérgicos, colinérgicos, serotoninérgicos, e, principalmente, noradrenérgicos.

Transtornos relacionados a sedativos, hipnóticos, ou ansiolíticos

Características clínicas

Benzodiazepínicos

  • Os vários benzodiazepínicos disponíveis diferem especialmente em suas meias-vidas. São empregados como ansiolíticos, hipnóticos, antiepilépticos, e anestésicos.
  • Sedativos não-benzodiazepínicos (drogas Z) têm efeitos clínicos similares aos de benzodiazepínicos, e estão sujeitos a uso abusivo e dependência.

Barbitúricos

Têm potencial de abuso maior que benzodiazepínicos, e, por isso, diminuíram em popularidade. São sedativos efetivos, mas altamente letais. Existem também substâncias similares a barbitúricos (metaqualona, meprobamato, hidrato de cloral, e etclorvinol).

Padrões de abuso

Normalmente, são utilizados oralmente, seja por seus efeitos ansiolíticos ou por sua capacidade de provocar leve euforia. Há também usuários de via intravenosa, sujeitos a tolerância rápida e profunda, dependência, e síndrome de abstinência severa.

Overdose

Benzodiazepínicos

Raramente provocam overdoses quando tomados sozinhos, e, atualmente, há um antagonista específico (flumanezil) que diminuiu a letalidade de overdoses.

Barbitúricos

Provocam depressão respiratória, e podem ser letais, especialmente quando combinados a outras substâncias. Embora abusadores de longa data tenham tolerância, as margens de segurança dessas drogas continuam estreitas para eles, aumentando risco de overdose.

Substâncias similares a barbitúricos

Têm letalidade intermediária, e suas fatalidades costumam decorrer do abuso concomitante de álcool.

Diagnóstico

Intoxicação por sedativos, hipnóticos, ou ansiolíticos

Benzodiazepínicos

Além dos sintomas primários, causam desinibição comportamental, que pode resultar em comportamento hostil ou agressivo, especialmente quando associados ao álcool. Todavia, geram menos euforia que barbitúricos.

Barbitúricos e substâncias similares a barbitúricos

Em baixas doses, a intoxicação por barbitúricos e similares é indistinguível daquela causada por álcool. Em altas doses, pode provocar sintomas como:

  • Alentecimento psicomotor e da fala;
  • Exageração de traços de personalidade;
  • Hostilidade;
  • Diminuição do campo de atenção;
  • Labilidade emocional;
  • Nistagmo, diplopia, e estrabismo;
  • Hipotonia, ataxia, e reflexos anormais.

Abstinência de sedativos, hipnóticos, ou ansiolíticos

Benzodiazepínicos

  • A intensidade da síndrome de abstinência tipicamente varia conforme a dose e a duração do uso.
  • Sintomas tipicamente estabelecem-se em 2-6 dias da cessação do uso.
  • Sintomas incluem:
    • Ansiedade;
    • Disforia;
    • Fotofobia e intolerância a ruídos altos;
    • Náusea;
    • Sudorese;
    • Contração muscular;
    • Convulsões.

Barbitúricos e substâncias similares a barbitúricos

  • A intensidade dos sintomas varia conforme a dose previamente usada.
  • Sintomas leves:
    • Ansiedade;
    • Fraqueza;
    • Sudorese;
    • Insônia.
  • Sintomas graves:
    • Convulsões;
    • Delirium;
    • Colapso cardiovascular.
  • Os sintomas aparecem em 3 dias de abstinência, e as convulsões, se ocorrerem, precederão o delirium e ocorrerão no pico dos sintomas (2º ou 3º dia). Raramente ocorrem sintomas após 1 semana, mas psicose, caso ocorra, começará entre o 3º e o 8º dia.

Outros transtornos induzidos por sedativos, hipnóticos, ou ansiolíticos

  • Delirium tremens pode ocorrer, especialmente na abstinência por barbitúricos.
  • Outros transtornos comuns incluem transtornos de humor, transtornos de ansiedade, distúrbios do sono, e disfunção sexual.

Tratamento e reabilitação

  • Para evitar a abstinência, a dose deve ser reduzida muito gradualmente.
  • Condições médicas e psiquiátricas concomitantes devem ser avaliadas e tratadas.
  • Intervenções psicológicas podem auxiliar na desintoxicação e na administração da ansiedade no longo prazo.
  • No caso dos barbitúricos, pode ser viável a substituição com fenobarbital, que tem duração de ação mais longa e, pois, menor potencial de abuso.

Patologia

Benzodiazepínicos e barbitúricos agem primariamente sobre receptores GABA-A, aumentando a afinidade deles a seus ligantes endógenos. A indução de tolerância ocorre por downregulation desses receptores.

Transtornos relacionados a estimulantes

Características clínicas

Anfetaminas

  • São aprovadas para TDAH e narcolepsia, mas usos off-label incluem obesidade, depressão e distimia, síndrome de fadiga crônica, fadiga associada a câncer ou AIDS, demência, esclerose múltipla, fibromialgia, e neurastenia.
  • Nos EUA, estão disponíveis como dextroanfetamina, metanfetamina, sal de anfetamina e dextroanfetamina, e um composto similar à anfetamina, metilfenidato.
    • Outras substâncias similares existentes (para usos diversos dos das anfetaminas) são efedrina, pseudoefedrina, e fenilpropanolamina.
    • Estimulantes congêneres das anfetaminas com potencial de abuso incluem fendimetrazina, dietilpropiona, benzfetamina, e fentermina.
  • Geram euforia e um estado de alerta.

Cocaína

  • É um alcaloide derivado da folha de coca, com efeitos anestésicos locais.
  • Tipicamente aspirada, pode também ser injetada por via intravenosa ou fumada (nas formas de crack ou de pasta-base), ambas formas mais perigosas que a aspiração.

Anfetaminas substituídas

  • Incluem MDMA, MDEA, MDA, DOB, PMA, e outras. A maioria dos relatos de overdoses está relacionada a MDA, DOB, e PMA.
  • Os usuários experimentam humor, autoconfiança, e sensibilidade sensorial elevadas, bem como apetite diminuído sensações de paz, insight, empatia, e proximidade. Porém, outros usuários podem experimentar reações disfóricas e psicose. Efeitos simpaticomiméticos como taquicardia, palpitação, hipertensão arterial, suor, e bruxismo são comuns.
  • Os efeitos subjetivos duram por cerca de 4-8 horas. São consumidas oralmente, e os usuários relatam taquifilaxia e tolerância.
  • O MDMA é metabolizado a MDA, que causa toxicidade em neurônios serotoninérgicos, mas não está claro se doses usuais são capazes de causar danos a longo prazo.

Catinonas

  • São consumidas na forma de khat, uma planta mascada que contém vários estimulantes.
  • Catinonas sintéticas são produzidas como pós, que podem ser ingeridos, aspirados, fumados, ou injetados por via intravenosa.
  • Aumentam os níveis de monoaminas sinápticas ao inibir transportadores de recaptação e facilitar a liberação de catecolaminas.
  • Animais demonstram mecanismos de reforço com esses compostos, sugerindo que eles sejam viciantes.

Diagnóstico

Transtorno por uso de estimulantes

A dependência de estimulantes pode diminuir rapidamente a capacidade do indivíduo de lidar com suas responsabilidades e estresses. A tolerância estabelece-se, e o uso continuado quase sempre leva a sinais físicos como perda de peso e ideias paranoides.

Intoxicação por estimulantes

Efeitos deletérios do uso de estimulantes incluem:

  • Midríase;
  • Agitação ou alentecimento psicomotor;
  • Taquicardia ou bradicardia;
  • Transpiração ou calafrios;
  • Arritmias cardíacas ou dor torácica;
  • Hipertensão ou hipotensão;
  • Discinesias e distonias;
  • Perda de peso;
  • Náusea ou êmese;
  • Fraqueza muscular;
  • Depressão respiratória;
  • Confusão, convulsões, ou coma.

Abstinência de estimulantes

  • Depois da intoxicação, o usuário experimenta sintomas de ansiedade, tremor, humor disfórico, letargia, fadiga, pesadelos, cefaleias, sudorese, câimbras, cólicas, e fome. Tais sintomas têm um pico em 2-4 dias e resolvem-se em 1 semana.
  • Durante a abstinência, é comum experimentar sensações de fissura, especialmente quando a substância utilizada é a cocaína.
    • Usuários de cocaína podem tentar se automedicar com álcool, sedativos, hipnóticos, e anxiolíticos.

Transtornos induzidos por estimulantes

Delirium de intoxicação por estimulantes

O uso sustentado de estimulantes provoca privação de sono, que, em conjunto com dano neurológico prévio, podem provocar delirium.

Transtorno psicótico induzido por estimulantes

O uso de estimulantes pode causar alucinações e delírios paranoides, a depender da dose e da duração do uso. No caso da cocaína, esses sintomas são mais frequentes no uso de crack.

Transtorno de humor induzido por estimulantes

Transtornos de humor podem iniciar-se durante a intoxicação ou a abstinência, sendo que, em geral, a intoxicação associa-se a estados mistos ou maníacos, e a abstinência a estados depressivos.

Transtorno de ansiedade induzido por estimulantes

Sintomas de transtorno de pânico e de transtornos fóbicos podem iniciar-se durante a intoxicação ou a abstinência de estimulantes.

TOC induzido por estimulantes

Altas doses de estimulantes podem induzir comportamentos estereotipados ou rituais que assemelham-se aos vistos no TOC.

Disfunção sexual induzida por estimulantes

Altas doses e uso a longo prazo estão associados a disfunções sexuais.

Transtorno do sono induzido por estimulantes

A intoxicação por estimulantes pode causar insônia e privação de sono, enquanto a abstinência pode provocar hipersonia e pesadelos.

Comorbidades

É frequente a comorbidade de transtornos de humor, de ansiedade, e psicóticos, sendo esses últimos comumente induzidos pelo uso de metanfetamina.

Tratamento e reabilitação

Desintoxicação e tratamento inicial

  • Síndrome de abstinência normalmente não tem efeitos fisiológicos severos o bastante para exigir acompanhamento intensivo da retirada de substâncias.
  • Não há medicamentos que aliviem os sintomas de abstinência, mas, geralmente, o paciente se recupera em cerca de 1-2 semanas (podendo necessitar de mais tempo para que sono, humor, e função cognitiva retornem ao seu funcionamento basal).
  • A fissura costuma ser o maior obstáculo para a desintoxicação. Para diminuí-la, é importante enfatizar com o usuário os efeitos deletérios do vício, que servem como reforço negativo à sua manutenção.
  • O paciente pode precisar de hospitalização parcial ou completa para sair do ambiente que o leva a ter recidivas.

Terapias psicossociais

  • As intervenções podem ser individuais, em grupo (ex.: NA), ou em família. Todas essas modalidades visam ajudar o usuário a compreender como o vício lhe prejudica, e como obter efeitos positivos similares aos de estimulantes em atividades menos prejudiciais.
  • Uma forma de terapia comumente usada para vício em estimulantes é a terapia de rede (network therapy).

Adjuntos farmacológicos

  • Em vícios pouco severos em anfetaminas, naltrexona e bupropiona são agentes promissores.
  • No vício em cocaína:
    • O tratamento com metilfenidato pode ser útil em pacientes com TDAH preexistente, e o lítio pode ser útil àqueles que tenham transtornos de humor.
    • Em casos leves, antidepressivos tricíclicos apresentam resultados positivos na fase inicial do tratamento.
    • Dissulfiram é efetivo em criar efeitos negativos quando coadministrado com cocaína, o que aumenta a abstinência dos usuários. No entanto, assim como ocorre com o álcool, nem todos aderem bem ao tratamento.

Patologia

Produzem sensação de alerta, euforia, e bem-estar. Usuários podem sentir menos fome e necessidade de sono. A performance prejudicada por fadiga também diminui.

Efeitos adversos

  • Como potentes simpatomiméticos, causam, por estímulo adrenérgico, efeitos fisiológicos como vasoconstrição, aumento da frequência cardíaca, e hipertensão. Isso leva ao aumento da demanda miocárdica, que, em uma condição de vasoconstrição, pode levar a angina e até mesmo a infarto. A vasoconstrição também pode lesionar órgãos-alvo, e a hipertensão predispõe a hemorragias arteriais.
  • O uso intranasal pode causar sintomas nasais e ulceração da mucosa.
  • A vasoconstrição e o bruxismo em usuários de metanfetamina provocam má dentição.
  • Em overdoses, e mesmo no uso rotineiro, são comuns convulsões do tipo grande mal.
  • No longo prazo, o abuso de estimulantes pode provocar défices cognitivos.
  • O uso de estimulantes pode precipitar comportamentos que aumentam o risco de violência e de ferimentos acidentais.

Neurofarmacologia

Anfetaminas

  • Provocam tolerância, que os usuários costumam mitigar aumentando suas doses de medicação.
  • São menos viciantes que cocaína.
  • Efeitos são causados primariamente pela liberação de catecolaminas, especialmente dopamina, de terminais pré-sinápticos. Os efeitos são particularmente potentes em neurônios dopaminérgicos que se projetam da área ventral tegmental para o córtex e para as áreas límbicas (circuito de recompensa).

Cocaína

  • Se concentra em áreas dopaminérgicas do cérebro como o putamen caudado e a área ventral tegmental, embora ligação moderada também ocorra na substância nigra, na amígdala, no hipotálamo, e no locus ceruleus.
  • A meia-vida é de cerca de 20 minutos.
  • O reforço positivo está associado sobretudo às projeções da área ventral tegmental para o núcleo accumbens. Nessas regiões, a administração de cocaína causa aumento nos níveis extracelulares de dopamina por ligar-se ao DAT e inibir a recaptação de dopamina.

Transtornos relacionados ao tabaco

Como o uso de tabaco não causa problemas comportamentais, é raro que usuários busquem tratamento. Além disso, há uma visão (errônea) de que o tratamento não seja importante, quando, na verdade, ele pode auxiliar a cessação do vício.

Características clínicas

  • A nicotina melhora a atenção, a aprendizagem, o tempo de reação, e a habilidade de resolução de problemas. Os usuários também reportam melhora de humor e diminuição de tensão e de sentimentos depressivos.
  • A nicotina no curto prazo melhora o fluxo vascular cerebral, mas, no longo, causa sua diminuição.
  • Embora seja um estimulante no SNC, atua como relaxante muscular.

Diagnóstico

O DSM-5 não tem uma categoria para a intoxicação por tabaco.

Transtorno por uso de tabaco

  • Caracterizado por fissura, uso persistente e recorrente, tolerância, e abstinência.
  • Dependência desenvolve-se rapidamente, pois, assim como anfetaminas e cocaína, o tabaco ativa o sistema dopaminérgico da área tegmental ventral.

Abstinência de tabaco

  • Sintomas podem aparecer 2 horas depois de fumar o último cigarro. Eles têm um pico em 24-48 horas, e podem persistir por semanas ou meses.
  • Os sintomas incluem fissura, tensão, irritabilidade, dificuldade de concentração, sonolência, dificuldade paradoxal para dormir, diminuição da frequência cardíaca e da pressão arterial, aumento do apetite, diminuição da performance motora, e tensão muscular.
  • Uma leve síndrome de abstinência pode aparecer quando um fumante muda de cigarros regulares para cigarros de baixa nicotina.

Tratamento

  • A interrupção do fumo deve sempre ser aconselhada, e, para pacientes que estejam prontos para parar de fumar, deve-se marcar uma “data de interrupção”.
  • A preferência do paciente quanto a uma interrupção gradual ou abrupta deve ser respeitada.
  • O aconselhamento inicial deve focar na necessidade de medicação ou terapia, em preocupações sobre ganho de peso, em situações de alto risco, e em tornar cigarros indisponíveis.
  • Etapas de intervenção para fumantes:
  1. Perguntar sobre o uso de tabaco a todos os pacientes em toda visita;
  2. Aconselhar usuários a pararem com seu uso (de forma clara, forte, e personalizada);
  3. Avaliar se o usuário está disposto a tentar parar naquele momento específico;
  4. Auxiliar o usuário com psico e farmacoterapia;
  5. Agendar contatos posteriores, preferencialmente em até 1 semana após a data de interrupção do fumo.

Terapias psicossociais

  • Terapia cognitivo-comportamental é a que possui mais evidências para a cessação do fumo, e ajuda o paciente a identificar situações de risco e a evitá-las, bem como a lidar com a abstinência.
  • Terapia aversiva exige uma boa aliança terapêutica e colaboração do paciente, e baseia-se em fazer com que o fumante fume repetida e rapidamente até o ponto da náusea, o que fará com que o fumo seja associado a sensações desprazerosas.
  • Alguns pacientes beneficiam-se de hipnose

Farmacoterapia

  • Existe nicotina disponível em adesivos, chicletes, e inalantes. O uso por longos períodos não parece ser danoso. É ideal, porém, que após um período de manutenção siga-se um período de redução da dosagem.
  • Bupropiona é um antidepressivo de propriedades adrenérgicas e dopaminérgicas, que auxilia na cessação em pacientes deprimidos e eutímicos.
  • Vareniclina é um agonista parcial de um receptor nicotínico neuronal, que alivia a fissura e a abstinência, mas reduz o efeito de reforço da nicotina pelo bloqueio da estimulação dopaminérgica. Todavia, possui algum risco cardiovascular, e pode causar sintomas depressivos.

Patologia

Neurofarmacologia

O elemento psicoativo do tabaco é a nicotina, que age como agonista de receptores colinérgicos nicotínicos. Além disso, ela ativa rotas cerebrais dopaminérgicas e aumenta concentrações circulantes de noradrenalina, adrenalina, vasopressina, beta endorfina, ACTH, e cortisol.

Efeitos adversos da nicotina

  • Em baixas doses, causa náusea, êmese, salivação, palidez, fraqueza, dor abdominal, diarreia, tontura, cefaleia, hipertensão arterial, taquicardia, tremor, e calafrios.
  • No SNC, provoca dificuldade de concentração, confusão, distúrbios sensoriais, e diminuição do sono REM.
  • Na gravidez, está associada com desfechos adversos para o recém-nascido.

Benefícios à saúde da cessação do fumo

A cessação do fumo aumenta a sobrevida e diminui o risco de cânceres, infartos do miocárdio, doenças cerebrovasculares, e DPOC.

Transtornos relacionados à cafeína

Embora não esteja associada a problemas que ameacem a vida ou a aceitabilidade social, a cafeína pode provocar vício e sintomas neuropsicológicos.

Características clínicas e diagnóstico

O diagnóstico de quaisquer transtornos associados à cafeína depende de boa compreensão do histórico do paciente e de suas experiências e sintomas com cafeína e outros estimulantes.

Transtorno por uso de cafeína

É uma entidade nosológica criada sobretudo para realização de estudos, visto que não há literatura sobre o curso e o prognóstico da dependência de cafeína.

Intoxicação por cafeína

Em doses usuais (até 100 mg) a cafeína provoca um estado de alerta com efeitos colaterais leves (ex.: diurese). A partir de 250 mg, ocorrem sintomas de intoxicação e, a partir de 10 g, a cafeína pode ser fatal.

Abstinência de cafeína

  • Sintomas incluem:
    • Cefaleia;
    • Fadiga;
    • Ansiedade;
    • Irritabilidade;
    • Leves sintomas depressivos;
    • Náusea e vômito;
    • Fissura;
    • Dor e rigidez muscular;
    • Acometimento psicomotor.
  • Pode ser evitada com redução progressiva da dosagem ao longo de 7-14 dias.

Transtornos induzidos por cafeína

Transtorno do sono induzido por cafeína

A cafeína está associada com aumento da latência de sono, insônia de manutenção, e despertar prematuro.

Transtorno de ansiedade induzido por cafeína

  • Os sintomas lembram os do transtorno de ansiedade generalizada. Os pacientes podem apresentar logorreia, irritabilidade, insônia, e excesso de energia.
  • Cafeína pode induzir e exacerbar ataques de pânico em pessoas com transtorno de pânico.

Tratamento

Na abstinência de cafeína, se necessário, pode ser realizado tratamento sintomático.

Patologia e etiologia

  • Cafeína aumenta a concentração intraneuronal de AMPc em neurônios com receptores de adenosina. Além disso, aumenta a atividade dopaminérgica e noradrenérgica.
  • A cafeína gera sensações aprazíveis de alerta, concentração, e motivação, além de suprimir sintomas de abstinência.
  • Por gerar vasoconstrição, a cafeína também diminui o fluxo sanguíneo cerebral.

Transtornos relacionados a alucinógenos

Características clínicas

Fenciclidina (PCP) e cetamina

  • São considerados anestésicos dissociativos, porque os sujeitos ficam despertos, mas insensíveis ao ambiente.
  • São antagonistas dos receptores glutamatérgicos NMDA.
  • Causam sintomas de ansiedade a psicose.

LSD

  • Os sintomas somáticos são leves, e aparecem primeiro. Depois, surgem efeitos sobre o humor e a percepção e, finalmente, mudanças psicológicas.
  • Causa tolerância, que cruza-se com outros alucinógenos, mas não com anfetaminas.
  • Bastante potente.
  • Os efeitos ocorrem em 1 hora, atingem o pico em 2-4, e duram 8-12.
  • É um simpatomimético, podendo causar morte por patologias cardíacas e cerebrovasculares, hipertensão, ou hipertermia. Também pode causar uma síndrome semelhante à síndrome neuroléptica maligna.
  • Não há evidências de que cause psicose ou mudanças de personalidade, mas alguns usuários crônicos experimentam ansiedade ou depressão.

Fenetilaminas

São compostos com estruturas químicas similares às da dopamina e da noradrenalina. Incluem a mescalina, o MDA, e o MDMA.

Psilocibina e análogos

A psilocibina está presente em cogumelos. Ela e seus análogos, como o DMT, causam alucinações intensas.

Ayahuasca

Contém vários alcaloides, sendo o principal o DMT.

Sálvia

Planta que, quando mascada, produz alucinações. Quando fumada, liga-se a receptores opioides kappa.

Diagnóstico

Transtorno por uso de alucinógenos

  • O uso de alucinógenos em longo prazo é raro.
    • Alguns usuários de longo prazo de PCP têm pensamento alentecido, reflexos diminuídos, perda de memória, perda de controle de impulsos, depressão, letargia, e dificuldades de concentração.
  • A dependência é rara, pois não há euforia na maioria das experiências com alucinógenos.

Intoxicação por alucinógenos

  • As marcas da intoxicação são mudanças perceptuais e comportamentais desadaptativas.
  • O paciente intoxicado deve ser acalmado, tranquilizado de que seus sintomas são passageiros e resultantes de drogas, e colocado em segurança até que os efeitos cessem.
  • Em casos severos, pode-se empregar antipsicóticos ou benzodiazepínicos.
  • No caso do PCP, o tratamento envolve também a remoção da droga do organismo, o que pode ser feito por meio de administração de carvão ativado. Também deve-se minimizar o estímulo sensorial e evitar drogas anticolinérgicas.
  • A intoxicação por PCP especificamente pode causar heteroagressividade e psicose persistente por até 2 semanas.

Transtornos induzidos por alucinógenos

Transtorno perceptivo persistente por alucinógenos

Usuários podem experimentar flashbacks da experiências alucinogênica tempos depois do uso. Estes são episódios normalmente curtos, de alguns segundos a minutos, com diversos gatilhos possíveis.

Delirium de intoxicação por alucinógenos

É um transtorno raro, que pode ocorrer durante a intoxicação àqueles que tenham consumido alucinógenos puros.

Transtornos psicóticos induzidos por alucinógenos

É virtualmente impossível distinguir se um episódio psicótico ocorrido após a ingestão de alucinógenos foi resultante da droga em si ou do somatório desta com fatores predisponentes. Normalmente, tais episódios resolvem-se após eliminação da droga.

Transtornos de humor induzidos por alucinógenos

Usuários de alucinógenos podem experimentar sintomas de transtornos de humor (maníacos ou depressivos), que normalmente resolvem-se após eliminação da droga do organismo.

Transtornos de ansiedade induzidos por alucinógenos

Alucinógenos, especialmente PCP, podem causar sintomas ansiosos extremamente variados.

Transtornos relacionados a inalantes

Tratam-se de hidrocarbonetos voláteis, que podem ser inalados à temperatura ambiente.

Características clínicas

  • Em doses baixas, produzem efeitos de desinibição e euforia. Altas doses causam alucinações, medo, e ilusões sensoriais. Efeitos neurológicos incluem ataxia e alentecimento da linguagem.
  • A longo prazo, causam irritabilidade, labilidade emocional, e comprometimento da memória.
  • Alguns usuários desenvolvem tolerância.

Diagnóstico

Transtorno por uso de inalantes

A dependência e o abuso podem ocorrer, mas são raros.

Intoxicação por inalantes

  • Sintomas incluem apatia, julgamento comprometido, impulsividade, náusea, anorexia, nistagmo, reflexos deprimidos, e diplopia.
  • Em altas doses, podem causar estupor e inconsciência, e pode haver amnésia do período de intoxicação.
  • O transtorno pode ser crônico.

Abstinência de inalantes

A abstinência é rara, mas inclui distúrbios de sono, irritabilidade, inquietude, sudorese, náusea e êmese, taquicardia, e, às vezes, delírios e alucinações.

Transtornos induzidos por inalantes

Delirium de intoxicação por inalantes

Delirium pode ser diretamente causado por inalantes. Caso cause comprometimento comportamental severo, pode-se empregar antagonistas dopaminérgicos, mas não benzodiazepínicos, pelo risco de depressão respiratória.

Transtornos neurocognitivos induzidos por inalantes

Os efeitos neurotóxicos de inalantes (períodos prolongados de hipóxia) podem causar demência, que tende a ser irreversível.

Transtornos psicóticos induzidos por inalantes

Durante a intoxicação por inalantes, pode haver psicose.

Transtornos de humor e transtornos de ansiedade induzidos por inalantes

Transtornos de humor costumam ser depressivos, e os de ansiedade costumam ser generalizados ou de pânico.

Tratamento

  • A intoxicação costuma não exigir atenção médica, exceto caso haja sintomas como coma, broncospasmo, laringospasmo, arritmias cardíacas, traumas, ou queimaduras. Nesse caso, o tratamento deve ser dessas condições.
  • Não há tratamento estabelecidos para os problemas cognitivos que podem estabelecer-se.
  • O tratamento diurno pode ser bem-sucedido, especialmente para usuários adolescentes com transtornos psiquiátricos comórbidos.

Patologia

  • Inalantes hidrocarbonetos atuam como depressores do SNC. No entanto, sua farmacodinâmica não é bem compreendida.
  • O uso a longo prazo pode causar dano hepático ou renal.

Transtornos relacionados a esteroides androgênicos anabolizantes

Esteroides androgênicos anabolizantes (EAAs) são hormônios da família da testosterona, que têm efeitos de crescimento muscular e masculinização. Embora não produzam dependência física, podem produzir dependência psicológica.

Características clínicas

  • O uso imediato pode produzir euforia e hiperatividade. No entanto, podem provocar episódios (hipo)maníacos ou psicóticos (estes últimos raros, e prevalentes especialmente no uso intenso), além de aumentar a agressividade.
  • Usuários podem possuir transtorno dismórfico corporal comórbido.
  • A retirada de EAAs pode provocar sintomas depressivos.

Tratamento

  • O tratamento deve visar à abstinência total. Estratégias psicoterapêuticas devem ser empregadas, levando em conta que:
    • EAAs não provocam a mesma gratificação instantânea que outras drogas;
    • O perfil de viciados em EAAs é muito diferente do perfil de viciados em outras drogas, sendo associado a maior direcionamento a objetivos.
  • Sintomas depressivos podem surgir após a retirada, que podem ser tratados com antidepressivos.
  • Retirada progressiva de EAAs pode ser preferível para evitar sintomas de hipogonadismo.

Patologia

O uso inadequado de EAAs traz efeitos deletérios ao perfil lipídico, à pressão arterial, à homeostase endocrinológica, à pele, e ao fígado.

Jogo patológico

Embora não esteja associado ao uso de substâncias, o jogo patológico compartilha muitas características com transtornos relacionados a substâncias.

Características clínicas

  • Jogadores compulsivos costumam ser excessivamente autoconfiantes, ao mesmo tempo em que demonstram ansiedade, estresse, e depressão.
  • À medida que seu jogo aumenta, podem mentir para obter dinheiro e esconder a extensão de seu problema. Não fazem tentativas de poupar dinheiro.
  • Podem alienar membros da família, perder conquistas pessoais, e se envolver com comportamento criminoso.

Diagnóstico

  • Associa-se a comportamento compulsivo, tolerância, e efeitos de abstinência.
  • O uso de substâncias é uma comorbidade frequente.
  • O diagnóstico é feito quando 4 ou mais dos seguintes sintomas aparecem num período de 12 meses:
    • Necessidade de riscos maiores para obter os mesmos prazeres;
    • Irritabilidade em tentativas de parar de jogar;
    • Tentativas malsucedidas de reduzir o jogo;
    • Preocupação com pensamentos sobre jogo;
    • Jogar em resposta ao estresse;
    • Jogar para mitigar perdas prévias;
    • Mentir para ocultar o jogo;
    • Perdas (trabalhos, relacionamentos, oportunidades) em decorrência do jogo;
    • Empréstimos e/ou roubos de dinheiro para jogar.
  • É importante realizar o diagnóstico diferencial de mania.

Curso e prognóstico

Costuma ter curso crônico, de início precoce, em 4 fases:

  1. Vitórias, que viciam o paciente;
  2. Perdas progressivas, que fazem com que os pacientes reestruturem sua vida em torno do jogo, tomem riscos exacerbados, e tenham cada vez menos vitórias;
  3. Desespero, em que o paciente joga desesperadamente com grandes quantidades de dinheiro, sem pagar suas dívidas, e frequentemente envolvendo-se com agiotagem e/ou fraudes;
  4. Desesperança, com o paciente aceitando que não conseguirá recuperar sua perda, mas continuando a jogar pelo estímulo que o jogo lhe oferece.

Tratamento

  • É mais frequente que os pacientes sejam obrigados a tratar-se por suas dificuldades legais que eles procurem tratamento voluntário.
  • Tratamento com psicoterapia cognitivo-comportamental, intervenções familiares, e grupos de apoio (ex.: jogadores anônimos) pode ser bem-sucedido.
  • O paciente pode precisar ser inicialmente hospitalizado para se manter longe de situações de risco.
  • Farmacoterapia pode ser realizada com antidepressivos, estabilizadores de humor, antipsicóticos de 2ª geração, e antagonistas opioides.

Referência(s)

BOLAND, Robert; VERDUIN, Marcia L.. Kaplan & Sadock’s Synopsis of Psychiatry, 12. ed. Philadelphia: Wolters Kluwer, 2022.


Compartilhe com seus amigos